Acórdão nº 043934 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 20 de Março de 2002

Data20 Março 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: -I- O PRIMEIRO-MINISTRO recorre para o Pleno da Secção do Acórdão da 3ª Subsecção deste Supremo Tribunal que concedeu provimento ao recurso contencioso interposto pelo SINDICATO DOS FUNCIONÁRIOS JUDICIAIS e anulou "o acto administrativo consubstanciado na Resolução do Conselho de Ministros nº 46-A/88, de 30.3.88, que reconheceu a necessidade de se proceder à requisição civil de oficiais de justiça", e também do "acto administrativo consubstanciado" na Portaria nº 209 - A/88, de 31/3, do Ministro da Justiça, que "definiu o objecto, duração, âmbito e modo de execução da mesma requisição civil".

Nas suas alegações, o recorrente enunciou as seguintes conclusões: I. "O acórdão recorrido violou o nº 1 do artigo 8º da Lei da Greve ao interpretar o termo «assegurar», nele constante, como efectivamente o fez. O termo assegurar implica sempre uma acção no sentido de impedir que algo receado venha efectivamente a acontecer. Logo, abstendo-se de qualquer acção e afirmando expressamente não pretender prestar serviços mínimos, o Sindicato dos Trabalhadores Judiciais, ao invés do que foi julgado, violou a obrigação decorrente do nº 1 do artigo 8º da Lei da Greve.

  1. Ao considerar que o Sindicato dos Trabalhadores Judiciais declarou não prestar serviços mínimos mas não expressou o que queria e talvez o viesse a fazer, o acórdão recorrido manifestou uma convicção voluntarística que ultrapassou as provas e indícios resultantes dos autos, assim violando a alínea c) do nº 1 do artigo 668º do CPC.

  2. Ao restringir a obrigação de assegurar serviços mínimos a casos não compreendidos pela regra subjacente ao preceito do nº 1 do artigo 8º, como acontece com a introdução de elementos aleatórios e tardiamente verificáveis como a percentagem de adesão à greve e a qualificação dos trabalhadores não grevistas, o acórdão recorrido violou o preceito em causa.

  3. O acórdão recorrido violou ainda o fim, o objectivo dos nºs 1 e 4 do artigo 8 da Lei da Greve ao construir um sistema em que só impende sobre o sindicato grevista a obrigação de prestar serviços mínimos destinados a impedir a interrupção na satisfação de necessidades sociais impreteríveis quando tais necessidades tenham sido efectivamente preteridas".

Em contra-alegações, o recorrido concluiu do seguinte modo: 1º "O artº 15º da L.P.T.A. é materialmente inconstitucional por violação do direito a um processo justo e equitativo consagrado no artº 10º, parº. 1º da D.U.D.H. e no artº 6º da Com. Eur. Dir. H., ambos recebidos na Ordem Jurídica interna portuguesa "ex vi" dos artºs 8º, nº 2 16º, nº 2, ambos da C.R.P., e bem assim por violação do artº. 20º, nº 2 da mesma C.R.P..

  1. Os artºs 106º da L.P.T.A., 6º, al. e) do Dec. Lei 329-A/95 e 145º, nºs 5 e 6 do C.P.C. se interpretados e aplicados no sentido de permitirem ao Conselho de Ministros a prática de actos processuais (in casu, apresentação das alegações de recurso) fora do respectivo prazo, e sem o pagamento de qualquer multa, sempre seriam materialmente inconstitucionais por violação dos artºs 2º, 13º, 20º, nº 2 e 206º, todos da C.R.P..

  2. Acresce ainda que não só a autoridade recorrida e ora recorrente também não deu aplicação, como devia, ao preceituado no art 152º, nº 2 do C.P.C. (não apresentando cópias legais das alegações), 4º Como o Tribunal não deu cumprimento ao estatuído no artº 698º, nº 2 do C.P.C., não notificando - como lhe passou a impôr o imediatamente aplicável aos, processos pendentes o artº. 698º, nº 2 do C.P.C. - prejudicando assim infundadamente a posição processual do ora recorrido.

  3. O primeiro acto recorrido, ao reconhecer a necessidade, isto é, ao determinar o recurso à requisição civil em absoluto fora dos limites constitucionalmente admitidos, ofendeu o conteúdo essencial de um direito fundamental, constitucionalmente garantido, pelo que padece de evidente nulidade, nos termos do artº 133º, nº 1, al. d) do C.P.A. e ao determinar uma requisição civil fora dos casos estrita e precisamente definidos na lei (artº 8º, nº 4 da Lei 65/77), contrariando-a frontalmente, o mesmo primeiro acto recorrido padece ainda de vício de violação da lei e, enfim, ao invocar - aliás apenas formal e abstractamente - situações não apenas distintas das da previsão legal, como de todo desconformes com a realidade dos factos, o primeiro acto recorrido, ainda e uma vez mais, está inquinado pelo vício de violação de lei! 6º O segundo acto recorrido, por ter sido publicado antes de estar publicada a Resolução do C.M. que reconheceu a necessidade de proceder à requisição civil, sofre, se não de nulidade, pelo menos de vício de anulabilidade, por violação do artº 4º, nº 1 do Dec. Lei 637/74.

  4. Ao não definir concreta e especificadamente o objecto da mesma requisição civil padece de novo vício de anulabilidade, por violação do artº. 4º, nº 4, al. a) do Dec. Lei 637/74, de 20/11.

  5. E rigorosamente o mesmo sucede, por não fixar e definir, com rigor e precisão, a duração da mesma medida excepcional da requisição civil.

  6. Finalmente, se as normas invocadas por qualquer dos dois actos recorridos, e em particular o artº 8º, nºs 1, 2 e 3 da Lei 65/77 e os artºs 1º, nºs 1 e 2 e 4º, nºs 1 e 2 do Dec. Lei 637/74, pudessem ser interpretadas e aplicadas como neles se pretende, então as mesmas padeceriam de óbvia e múltipla inconstitucionalidade.

  7. Antes demais, por violação do artº 122º da C.R.P. (por se permitir que a requisição civil, comprimindo um direito fundamental, pudesse afinal ser efectivada sem que a Resolução do Conselho de Ministros, de que depende a Portaria de "efectivação", pudesse ser conhecida e muito menos publicada).

  8. Mas também - ao permitirem dessa forma uma compressão excessiva, injustificada, desnecessária e absolutamente desproporcionada desse mesmo direito fundamental - por violação dos artºs 17º, 18º, nºs 1, 2 e 3 e 57º, nºs 1 e 2, todos da mesma C.R.P..

  9. O presente recurso patenteia uma completa falta de fundamento jurídico, meramente visando mais do que reprováveis intuitos dilatórios".

    O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento.

    O processo foi aos vistos legais, cumprindo agora decidir.

    - II - O acórdão recorrido deu como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa: A - O Sindicato dos Funcionários Judiciais formulou um pré-aviso de greve em 11/3/98, anunciando uma greve geral dos funcionários de justiça nos dias 30 e 31 de Março e 1, 2 e 3 de Abril de 1998.

    B - O mesmo Sindicato, em pré-aviso de 27/1/98, anunciou a conversão em greve total da greve parcial que o mesmo Sindicato vinha promovendo ao serviço nos tribunais de turno.

    C - Em 30/3/98, foi proferida a Resolução do Conselho de Ministros n.º 46 - A/98, com o seguinte teor: O Sindicato dos Funcionários Judiciais (SFJ), em pré-aviso proferido a 11 do corrente mês, decretou para os dias 30 e 31 de Março e 1, 2 e 3 de Abril uma greve geral. A esta greve acresce a conversão em greve total, anunciada em pré-aviso de 27 de Janeiro deste ano, da greve parcial que o mesmo Sindicato vinha promovendo ao serviço nos tribunais de turno. Atendendo à natureza das funções exercidas pelos funcionários de justiça, uma greve total acarreta a paralisação dos tribunais. A situação determinada por estas greves é incompatível com o respeito pelas necessidades sociais impreteríveis no domínio da administração da justiça.

    Assim, o Governo efectuou reiterados esforços no sentido de alcançar um acordo com o SFJ sobre a revalorização remuneratória reivindicada. Todavia, por sucessiva rejeição das propostas apresentadas ao Sindicato, o acordo não veio a concretizar-se.

    Atendendo aos valores sociais em questão, o Ministro da Justiça exarou um despacho para todos os tribunais e serviços do Ministério Público determinando quais os actos processuais que constituiriam serviços mínimos.

    Mantendo-se a intenção de exercício do direito de greve, verificou-se que o SFJ declarou expressamente não haver serviços mínimos a assegurar.

    Ora, a administração da justiça, enquanto função essencial do Estado de direito democrático, tem repercussões directas no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

    Aos cidadãos é garantido o direito de acesso aos tribunais como forma de tutela efectiva, em tempo útil, dos direitos e interesses legalmente reconhecidos (art. 20º da Constituição), operando como instrumento essencial de segurança jurídica.

    Por outro lado, há que assegurar o respeito do direito à liberdade (art. 27º da Constituição), nomeadamente o respeito pelo prazo de quarenta e oito horas para a apreciação judicial da situação de detenção (n.º 1 do art. 28º da Constituição), o respeito pelos prazos e condições legais da prisão preventiva e das demais medidas de coacção restritivas da liberdade (ns.º 2, 3 e 4 do art. 28º da Constituição) e ainda a possibilidade de exercício do «habeas corpus» (artigo 31º da Constituição).

    A eficaz protecção dos direitos, liberdades e garantias acima enunciados justifica a existência de limitações ao direito à greve. É por todos reconhecido que o direito à greve não tem uma dimensão absoluta, admitindo o próprio texto constitucional a existência de restrições (n.º 3 do artigo 57º e n.º 3 do artigo 18º da Constituição).

    Forçoso é, pois, reconhecer que abundam fundamentos que impõem ao Governo o recurso à requisição civil como forma de satisfazer necessidades sociais impreteríveis de justiça e segurança.

    É imperativo assegurar o cumprimento de serviços...

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