Acórdão nº 030300 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 14 de Março de 2002

Data14 Março 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: Relatório 1.

A...

, médico veterinário de 1ª classe, residente em Calheta, São Miguel, Açores, recorre contenciosamente do despacho de 22.10.91, do Secretário de Estado Adjunto da Agricultura e Pescas (SRAP) da Região Autónoma dos Açores, que, na sequência de processo disciplinar, lhe impôs a pena de demissão.

1.1.

A entidade recorrida respondeu (fl. 29, ss., dos autos), defendendo a legalidade do acto recorrido.

1.2.

Na alegação que apresentou, a fl. 41, ss.., dos autos, o recorrente formulou as seguintes conclusões: a) O despacho recorrido violou a regra do art. 4º do Estatuto Disciplinar, já que se prescrevera o procedimento disciplinar quanto à matéria constante da acusação de fs. 70/71 do processo instrutor; b) Quanto á mesma matéria e ainda da contida na acusação de fl. 391, incorreu também em violação de lei, por erro sobre os pressupostos de que dependia a punição, e pelo desrespeito do princípio do contraditório, violando, nomeadamente, os arts 3º n.º 1 e 42º do mesmo diploma; c) Por último, quanto á matéria constante de fl. 390, o despacho recorrido traduz um enquadramento juridico-disciplinar manifestamente errado, em violação dos arts. 22º a 28º do referido estatuto.; d) Devendo por isso ser anulado com todos os legais efeitos.

1.3.

A entidade recorrida contra-alegou (fl. 64, ss., dos autos), formulando as seguintes conclusões: a) O despacho recorrido não violou a regra doa artigo 4º do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 18 de Janeiro, por não ter prescrito o procedimento disciplinar quanto á matéria da acusação de fls. 70 a 71 v.; b) E o mesmo despacho não incorreu em violação de lei por erro nos pressupostos de que dependia a punição, por todas as circunstâncias de que dependia a punição do arguido-recorrente ocorreram foram devidamente tidos em conta e ponderados no relatório em que o mesmo despacho se fundamentou; c) O despacho recorrido não desrespeitou o princípio do contraditório pois que as infracções pelas quais foi punido o arguido recorrente foram exclusivamente as que tinham sido descritas e enquadradas nos dois despachos de acusação em relação às quais este produziu toda a defesa que julgou pertinente; d) Por último o enquadramento jurídico-disciplinar das infracções imputadas ao arguido recorrente na acusação de fls. 390 e seguintes e no relatório a fls. 442 a 443 do processo instrutor é correcto, não tendo havido violação de quaisquer disposições legais, designadamente dos arts. 22 a 28 do referido estatuto.

1.4.

O Ex.mo Magistrado do Ministério Público elaborou, a fl. 78, ss., dos autos, o seguinte parecer : Em nosso parecer o recurso merece provimento porquanto: Relativamente à acusação de fl. 70 e seg. do proc. instrutor não se prova em nosso entender que o recorrente tenha utilizado bens do Estado para fins diferentes daqueles a que se destinavam, porquanto, destinando-se a habitação o prédio em apreço, sempre foi este o uso que, com mais ou menos comodidades, o recorrente lhe deu.

Também não se prova que o recorrente tenha construído sem autorização o tanque ou piscina e de qualquer modo a ordem de demolição de tal obra situa-se fora do âmbito dos poderes funcionais da hierarquia, podendo apenas englobar ou constituir acto administrativo autónomo susceptível de impugnação hierárquica e contenciosa nos temos gerais, podendo igualmente ser executada nos termos da lei sem descurar as normais garantias de defesa do possuidor dos bens afectados.

Não se configura, assim, qualquer desobediência relevante susceptível de enquadrar as normas em que se baseou a punição.

Quanto á acusação de fl. 390 e seg. também não resulta dos autos que o recorrente ao solicitar, como mero cidadão, devidamente identificado, um subsídio para comparar uma máquina de uso típico da sua profissão, tenha pretendido desrespeitar os seus superiores hierárquicos, pese embora se tratasse de uma máquina de "cortar cornos" ou de "descornar", que o recorrente acabou depois por comprar a expensas suas.

A cor da tinta e a rubrica não convencem só por si naquele sentido, sendo certo que se prova serem inimigas do recorrente as indicadas testemunhas de acusação e portanto mais propensas a interpretar contra o arguido qualquer comportamento que lhes parecesse menos curial ou usual.

Do mesmo modo, provando-se que o recorrente se encontrava em serviço externo não estava ele obrigado, nos termos da ordem geral que a acusação diz ter desrespeitado, a guardar a viatura nas garagens, sendo certo que a punição veio depois a assentar em facto diferente do que consta da acusação por aquele não se ter provado (o que envolve, como diz o recorrente, falta de audiência do arguido).

Nestes termos e nos referidos pelo recorrente entendemos que o recurso merece provimento, sendo de anular o acto recorrido por erro nos pressupostos e violação de lei.

Rº 30 845 1.5.

Por despacho do relator de fl. 87, dos autos, foi deferido o requerimento do Ministério Público de apensação aos presentes outros do processo n.º 30 845, respeitante a recurso contencioso também interposto pelo recorrente contra o despacho, de 02.03.92, do SRAP da Região Autónoma dos Açores, pelo qual foi ordenado o despejo administrativo da casa onde reside (o mesmo recorrente), pertencente à Região Autónoma dos Açores, por ter caducado o direito á sua utilização em resultado da pena de demissão que lhe foi aplicada.

Fundamenta-se este último recurso na existência de vícios de violação de lei e desvio de poder.

1.6.

A entidade recorrida apresentou resposta, a fl. 102, ss., dos autos, relativamente a este recurso, defendendo a legalidade do acto recorrido.

1.7.

O recorrente apresentou alegação, formulando as seguinte conclusões: a) Ao basear-se numa decisão, "executória" embora, sujeita a anulação contenciosa, o despacho recorrido que ordena um despejo administrativo, nas circunstâncias dos autos, ofende gravemente o princípio da proporcionalidade por que se deve pautar a actuação da Administração; b) A decisão recorrida não identificou exactamente a casa a que se reportava, confirmando-se pela sua resposta que não pretendia a devolução da casa pré-fabricada existente, única que lhe pertencia; c) Reporta-se assim a uma habitação que nunca foi casa de função, incorrendo pois em violação de lei por erro sobre os pressupostos; d) Irreleva nos presente autos a tentativa de discussão "disciplinar" da actuação do ora recorrente no que se refere à construção da casa, matéria que só poderia ser objecto do respectivo procedimento, e se encontra aliás em parte tratada no processo a este apenso; e) A decisão que vier a ser proferida pelos Tribunais Judiciais quanto á propriedade da casa em questão será constitutiva do direito de quem vier a ser considerado seu titular, o que, por uma ou outra via, impossibilita falar-se de casa de função e, consequentemente, intentar a seu respeito um despejo administrativo.

f) Também por essa via, incorreu pois a decisão recorrida em flagrante violação de lei; g) Pretendendo aliás decidir por esse via, de forma autoritária, matéria sujeita à jurisdição dos tribunais comuns, incorreu acrescidamente em usurpação de poder.

1.8.

Na contra-alegação, a entidade recorrida formulou as seguintes conclusões: 1) Os vícios de ofensa do princípio da proporcionalidade, de erro nos pressupostos e de usurpação de poder não foram arguidos na petição de recurso, e não chegaram ao conhecimento do recorrente...

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