Acórdão nº 026638 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Janeiro de 2002
Magistrado Responsável | BENJAMIM RODRIGUES |
Data da Resolução | 16 de Janeiro de 2002 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, nesta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A - O relatório 1. A...., com os demais sinais dos autos, dizendo-se inconformado com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo, de 12.02.2001, o qual negou provimento ao recurso interposto da sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viana do Castelo, de 22.10.1999, que julgara improcedente a impugnação por ele deduzida contra a liquidação adicional do IRS do ano de 1995, dele recorre para esta formação judicial, pedindo a sua revogação e substituição por outra decisão que julgue a impugnação totalmente procedente.
-
O recorrente refuta o julgado com base nos fundamentos aduzidos nas conclusões das suas alegações de recurso. Em síntese, o recorrente sustenta, ai, que o acórdão recorrido enferma de nulidade por omissão de pronúncia em virtude de ter considerado erradamente que o conhecimento dos vícios alegados na petição inicial, para além do da violação de lei apreciado na decisão recorrida, entre os quais se conta o princípio da igualdade na sua dimensão comparativa com os contribuintes das outras zonas do país que não só das áreas abrangidas pelas Direcções de Finanças de Viana do Castelo e de Braga que não viram a sua situação tributária analisada à luz do novo critério da administração fiscal e com os rendimentos relativos aos anos anteriores ao ano de 1995, e de que a sentença impugnada no recurso não conheceu, estava prejudicado pela resposta dada pelo senhor juiz a quo ao pedido. Por outro lado, argumenta que a administração fiscal não tem competência constitutiva em matéria de saúde, tendo de respeitar o conteúdo do exame médico que lhe foi efectuado ao abrigo dos critérios da TNI aprovada pelo DL. n.º 341/93, de 30/09, então vigente, não sendo de aplicar retroactivamente o DL. n.4 202/96, de 23/10, por não ter natureza interpretativa, bem como a atestação que do seu resultado consta do correspondente atestado emitido pelos serviços de saúde, enquanto acto autónomo prejudicial do da liquidação.
-
A Fazenda Pública não contra-alegou.
-
A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, no seu parecer, pelo provimento do recurso por adesão à fundamentação constante do acórdão deste Supremo Tribunal, de 15/12/1999, proferido no proc. n.º 24 305.
B - A fundamentação Com os vistos dos senhores juizes adjuntos cumpre decidir.
-
A questão decidenda É a de saber se, antes da vigência do DL. n.4 202/96, a administração fiscal poderá desconsiderar juridicamente o atestado médico passado pela autoridade médica competente cuja incapacidade nele comprovada foi apurada segundo as regras da TNI então em vigor constantes do DL. n.º 341/93, de 30/9 sob fundamento de que o critério de apuramento da incapacidade fiscalmente relevante era só aquele que entrasse em linha de conta apenas com o grau de incapacidade mantido após correcção.
-
O quadro de facto Face à não impugnação e a não haver lugar à alteração da matéria de facto fixada no tribunal recorrido, dá-se a mesma como assente por efeito da remissão imposta nos art.ºs 713º/6, 726º, 749º e 762º/1 do CPC.
-
Dos fundamentos do recurso 7.1. A questão da nulidade do acórdão recorrido Como decorre dos próprios termos em que o recorrente colocou a questão da nulidade do acórdão, acima sintetizados, fácil é concluir que este não padece de qualquer nulidade por falta de pronúncia sobre a questão da nulidade da sentença que o mesmo recorrente havia arguido no recurso para o TCA. Na verdade, o acórdão considerou que o conhecimento dos vícios imputados pelo recorrente ao acto de liquidação se traduziam em questões que "se devem considerar prejudicadas face à solução dada pelo juiz a quo na sentença ao pedido". "É que no fundo e sintetizando - acrescenta - podemos afirmar que as questões com pertinência para a boa decisão da causa se podem reduzir a saber e decidir se a AF podia ou não exigir do contribuinte a prova da sua incapacidade através de um atestado emitido a partir da data aludida e se podendo o impugnante reúne ou não os requisitos legais para beneficiar dos privilégios contidos no art.º 44º do EBF para efeitos de IRS".
Sendo assim, o acórdão sindicando apreciou a questão da nulidade da sentença que lhe foi posta no recurso. Não existe, deste modo, qualquer omissão de pronúncia sobre essa matéria. O que poderá existir - mas esse vício não o imputou o recorrente ao acórdão recorrido - é um errado julgamento sobre a relação de prejudicialidade concreta existente entre a solução a que a sentença chegou e a que a procedência dos demais vícios invocados seria susceptível, porventura, de demandar.
lmprocede, pois, a arguida nulidade do acórdão recorrido.
7.2. A questão do mérito do recurso 7.2.1. A questão trazida para decisão deste Supremo mereceu um largo tratamento, quer no corpo do acórdão de 15/12/99, proferido no proc. n.º 24 305, que foi tirado com intervenção de todos os juizes desta Secção e em que foi o relator, também, o do presente, quer nos votos de vencido então emitidos.
Não se vê razão para inverter o sentido de tal posição majoritária, a qual passou a ser posteriormente reafirmada pela quase totalidade dos juizes desta Secção ( São inúmeros os acórdãos desta Secção em tal sentido, constituindo simples exemplo deles os proferidos em 12/1/2000, 12/1/2000, 12/1/2000, 12/1/2000, 2/2/2000 e 9/2/2000, respectivamente, nos procs. n.ºs 24 297, 24 348, 24 349, 24 443, 24 359, e 24 437.
).
Por essa razão se reproduz aqui o que em tal e outros arestos posteriores se escreveu.
Escreveu-se, então, aí: «Já antes da Lei n.º 9/89 de 2 de Maio, lei esta que visou dar cumprimento às garantias e direitos reconhecidos pela Constituição aos deficientes (art.º 71º - versão de 1982), o CIRS e o EBF reconheciam alguns benefícios fiscais aos deficientes ( Mas como é evidente, ela poderá contender com o uso de outros benefícios fiscais previstos em outras leis de tributação, como a do imposto automóvel.
) (Esta lei 9/89, que estabeleceu as Bases de Prevenção e de Reabilitação e Integração das Pessoas Deficientes, definiu, entre o mais, o conceito de pessoa com deficiência (art.º 1º), delineou as políticas e processos de reabilitação (art.ºs 4º e segs.) e determinou que «o sistema fiscal deve consagrar benefícios que possibilitem às pessoas com deficiência a sua plena participação na comunidade» (art.º 25º).
).
Assim, o legislador elevou, respectivamente, nos art.ºs 25º n.º 3 e 80º n.º 6 do CIRS, as percentagens das deduções ao rendimento e à colecta em relação aos deficientes e, no art.º 44º do EBF, estabeleceu a isenção de tributação em IRS de uma percentagem dos rendimentos provenientes das categorias referidas (A, B e H).
E porque o conceito de deficiência é um conceito indeterminado, especialmente no que concerne aos seus limites, teve essa lei o cuidado de logo enunciar, em todos aqueles artigos (n.º 3 do art.º 25º e n.º 6 do art.º 80º do CIRS e n.º 5 do art.º 44º do EBF.
), qual a natureza da invalidez (permanente), o seu grau (percentagem de incapacidade) e o modo da sua comprovação relevadas fiscalmente, definindo como deficiente apenas «aquele que apresente um grau de invalidez permanente, devidamente comprovado pela entidade competente, seja igual ou superior a 60%» ( É uma definição que O repetida nos art.ºs 25º n.º 3 e 80º n.º 6 do CIRS e 44º n.º 5 do EBF.
).
A eleição de quais sejam esses elementos e o grau da sua ponderação para a percentagem de incapacidade relevada fiscalmente devolve-se, assim, numa simples questão de interpretação da lei fiscal.
Não explicitando directamente as citadas normas fiscais todo o critério de definição da deficiência fiscalmente relevante, situado fora dos aspectos materiais nelas previstos, o único método juridicamente possível de o determinar é ir buscá-lo aos ramos de direito donde o legislador importou os respectivos termos ( Esta é a solução imposta pelo princípio da unidade do sistema jurídico e da eadem ratio que hoje encontra consagração expressa no art.º 11º n.º 2 da Lei Geral Tributária.
).
Ora, acontece que, à altura da publicação do CIRS e do EBF, a única fonte legal onde estavam enunciados todos os critérios de determinação da invalidez, os seus coeficientes e o modo da sua avaliação, conquanto na perspectiva da avaliação do dano em vítimas de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, mas em termos que não estavam adstritos a categorias especificas de cidadãos (como o que acontecia com a incapacidade para a prestação do serviço militar), era a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo DL. n.º 43 189, de 23 de Setembro de 1960.
Sendo assim, ao quedar a regulação da invalidez aos termos constantes dos citados preceitos, e legislador fiscal mais não podia ter extemado, no plano do objectivamente possível, do que remeter a normação das matérias relativas à definição das anomalias ou perdas de estrutura ou função psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómica susceptíveis de gerar incapacidade, o seu grau, o seu modo de avaliação e a indicação da entidade competente para o fazer, para aquela legislação, como única forma, aliás, de praticabilidade e de eficiência fiscais dos benefícios concedidos.
A partir da entrada em vigor do DL. n.º 341/93, de 30 de Setembro essa remissão tem de considerar-se como sendo feita para o regime por ele regulado, em virtude do mesmo ter substituído por revogação o regime anterior.
A solução do caso sub judice tem de ser encontrada, pois, dentro dele por os factos tributários (de 1995, segundo o probatório) terem ocorrido à sua sombra.
Na verdade, estamos perante uma remissão dinâmica ou formal por ser feita para certa norma, em atenção apenas ao facto de ser aquela que em certo momento regula a matéria, aceitando-se o seu conteúdo, ainda que posteriormente alterado da norma remitida ( Cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 9ª reimp.; Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO