Acórdão nº 048349 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Janeiro de 2002

Magistrado ResponsávelRUI PINHEIRO
Data da Resolução09 de Janeiro de 2002
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: A ..., id. nos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra que declarou a perda do seu mandato de presidente da Junta de Freguesia de E....

***São as seguintes as conclusões da sua alegação: I - Os depoimentos das testemunhas, prestados por carta precatória no Tribunal da Comarca de Aveiro, não foram reduzidos a escrito, como determina o artº 15º nº 4 da lei nº 27/96, de 1 de Agosto. Tal omissão constitui preterição de formalidade legal essencial, por cercear ou limitar a apreciação em recurso da decisão da matéria de facto, e conduz á nulidade do acto e a de todo o processado subsequente.

II - Foi erradamente decidida a matéria de facto, na parte que respeita aos pontos nºs 9, 10, 15 e 16, por duplicar os valores somando as ordens de pagamento, recibo e cheques, quando afinal o cheque é o resultado do somatório das ordens de pagamento e o recibo está incluído numa destas. A quantia envolvida nos factos é globalmente apenas de 291 910$00 e não mais.

III - Também o facto indicado em 14º foi erradamente julgado, porque, segundo a prova apresentada, que não foi contrariada, o cheque aí referido foi assinado fora do livro pelo Tesoureiro da Junta, sem que a CGD não o teria pago.

IV - A douta sentença não se pronunciou sobre o alegado em 29º da contestação. Tal facto é relevante para a decisão da causa e sobre ele depuseram as testemunhas e consta mesmo do relatório da IGAT junto ao processo. A omissão de pronúncia constitui nulidade da sentença, de acordo com a regra do artº 668º, nº 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artº 1º da LPTA.

V - Também a decisão da matéria de facto se não encontra fundamentada, viciando-se dessa forma a regra do artº 668º, nº 1, al. b) do CPC, aplicável ex vi do artº 1º da LPTA.

VI - Os autos mostram, em especial o relatório da IGAT e os depoimentos das testemunhas, que os membros da Junta de Freguesia de E... não tinham consciência da ilicitude do tipo de procedimentos constantes deste processo, pelo que o Réu agiu sem culpa e justifica assim o facto, não devendo aplicar-se-lhe a norma do artº 8º, nº 2, da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto. Não foi, assim, aplicada, e deveria ter sido, a regra do artº 10º, nº 1, da mesma Lei.

VII - A perda de mandato constitui sanção equivalente à grave censura penal de expulsão e por isso deve ser aplicada comedida, prudente e proporcionadamente a quem tenha violado os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento seja imperioso. Os factos imputados ao Réu não são suficientemente graves - até eram confundidos com factos lícitos - que tornem o seu afastamento imperioso. Tanto menos, quanto é certa e longa a dedicação generosa do Réu á Junta de Freguesia, que lhe mereceu a eleição reiterada por 20 anos de mandato. Foi erradamente interpretada e aplicada a norma do artº 8º, nº 2, da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto.

VIII - Aliás com interpretação tal que permita perda de mandato, equivalente á expulsão do cargo, por razões não imperiosas, com evidente repercussão na imagem e no bom nome dos visados, ou seja, com interpretação abrangente de situações como a do caso vertente, tal norma é materialmente inconstitucional por violação desproporcionada do direito ao bom nome e à reputação, constitucionalmente consagrado no artº 26º, nº 1, da CRP, e como assim não deve ser aplicada segundo o artº 207º da mesma CRP.

Nestes termos, deve ser declarado nulo o acto de depoimento das testemunhas e todo o processado ulterior ou, não sendo assim decidido, nula a douta sentença recorrida, ou ainda assim não acontecendo, deve a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva o Réu do pedido.

***O Ministério Público também alegou, tendo concluído: 1 - aqui se reitera o expendido nas alegações finais de fls. 151 e 152; 2 - por isso e pelo mais supra exposto, entendemos que a douta sentença recorrida, ao julgar como julgou, não incorreu em ilegalidade nem em erro de julgamento relevante, que impliquem a sua anulação, pelo que deve ser confirmada.

***O processo tem os vistos dos Excelentíssimos Juízes Adjuntos.

***CUMPRE DECIDIR.

I - MATÉRIA DE FACTO: A - O réu, ora agravante, foi eleito presidente da Junta de Freguesia de E..., concelho de Aveiro, para o mandato de 1998 a 2001, tendo tomado posse do cargo em 1998.01.05.

B - Desde então o réu tem desempenhado as funções de presidente daquela Junta de Freguesia.

C - O réu é presidente da Junta de Freguesia de E... há cerca de 18-20 anos.

D - B... é o tesoureiro da Junta de Freguesia de E... e C... o secretário.

E - O réu tem um comércio de venda de produtos alimentares e outros e tem uma agência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT