Acórdão nº 208/06.5TBVNC.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES
Data da Resolução30 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça O autor AA, empresário, residente em Campos, Vila Nova de Cerveira, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum ordinário, contra as rés “Garagem ......., L.da” e “P......P...... Automóveis, S.A.

”, pedindo a anulação do contrato de compra e venda que celebrou com a Ré Garagem ......., Ld.ª, relativo ao veículo com a matrícula 00-00-00, por erro sobre o objecto, devido ao facto do automóvel apresentar defeito no sistema de travagem, e a consequente condenação solidária de ambas as rés no pagamento do preço do veículo, no montante de €24 808,00 euros, bem como despesas e diversos prejuízos materiais que suportou por causa desse defeito, que contabilizou em €20 613,11 euros, e ainda indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que venham a liquidar-se posteriormente. Em alternativa formula o pedido de resolução do contrato por incumprimento «culposo ou negligente» por parte da ré Garagem ......., Ld.ª, no sentido de assegurar o uso do automóvel para o fim a que se destinava, ou, então, a condenação das rés a diligenciarem pela eliminação dos defeitos de estabilidade, segurança e eficácia dos órgãos de travagem verificados no veículo, sem prejuízo, em ambos os casos, dos pagamentos indemnizatórios antes mencionados.

Alega que adquiriu o veículo à Garagem ......., Ld.ª, concessionária da Ré Peugeot, cujo preço incluiu a pintura publicitária e a colocação de prateleira e mala de ferramentas no interior do veículo, serviço que a ré Garagem executou.

Porém, o veículo veio a revelar deficiências de segurança que a vendedora e os serviços da ré Peugeot se recusam a corrigir.

Em consequência desta situação perdeu a sua clientela, entrou em insolvência, e não pôde suportar as despesas de escolaridade dos seus filhos e as do seu agregado familiar, estando mesmo a receber tratamento psiquiátrico e neurológico, originados pela situação descrita.

A ré Garagem sustenta que o veículo que vendeu ao autor não padecia de quaisquer defeitos.

Quanto à instalação da prateleira e caixa de ferramentas no seu interior diz que se tratou de assunto negociado pelo autor com uma outra empresa que forneceu esse material, tendo apenas a ré facultado as suas oficinas para a respectiva montagem e consentiu, por mero favor, que o respectivo custo entrasse no preço do veículo, na medida em que o autor adquiriu o automóvel através de um contrato de leasing, pelo que, tal custo não tinha, por isso, de ser suportado de uma vez só pelo autor, ficando diluído nas rendas do dito contrato.

Concluiu pela improcedência da acção.

A ré P......P......alega que não pode ser responsabilizada, desde logo porque não vendeu o veículo ao autor, nem pode ser considerada produtora, porque não o é, para efeitos de defeito de fabrico e responsabilidade do produtor.

Por outro lado, diz que o veículo foi vendido sem deficiências, sendo a Ré totalmente estranha às modificações que o autor efectuou no interior da caixa do veículo, alterações que serão as responsáveis pela sua instabilidade.

Concluiu também pela improcedência da acção.

No final a acção foi julgada improcedente por se ter decidido ao nível dos factos que o veículo não padecia dos defeitos apontados pelo autor.

Inconformado, apelou o autor AA para a Relação de Coimbra que, por Acórdão de 18 de Maio de 2010 (cfr. fls. 965 a 988), decidiu assim: - Condena-se a Ré Garagem ......., Ld.ª, a eliminar os defeitos que ficaram referidos nos «factos provados» sob os n.º 28, 29, 30 e 32.

- Condena-se a Ré Garagem ......., Ld.ª a pagar ao Autor a quantia de € 1166,08 (mil cento e sessenta e seis euros e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa de 4% ao ano desde a citação até pagamento, sem prejuízo de outra taxa que venha a ser fixada pela lei.

- Absolve-se a Ré Garagem ......., Ld.ª do restante pedido formulado pelo Autor.

- Absolve-se a Ré P......P......Automóveis, S. A., do pedido.

Inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal o autor AA e a ré ......., Ld.ª.

O autor AA apresentou as seguintes conclusões: 1- O n.° 1 do artigo 2.° da Lei 24/96 de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor) quando refere que se considera consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, deve ser interpretado no sentido de que a Lei de Defesa do Consumidor deve ser aplicada também à aquisição de bens, serviços ou direitos que indirecta ou reflexamente tenham a ver com o exercício da actividade profissional, dela apenas se excluindo a aquisição de bens, serviços ou direitos que sejam essenciais para o exercício da actividade profissional propriamente dita e que constituam o núcleo desta.

2- Não se pode dizer que a aquisição de um veículo automóvel, ainda que para o exercício da actividade profissional de electricista, seja essencial para o seu exercício, uma vez que a actividade de electricista pode ser exercida sem o referido veículo.

3- Entende o autor que a aquisição do veículo, automóvel em causa, não obstante a sua pretensão de o utilizar nas deslocações para o exercício da sua actividade profissional, encontra-se abrangida pela Lei de Defesa do Consumidor, devendo esta aplicar-se à situação dos autos, contrariamente ao entendido no douto Acórdão recorrido.

4- Dos factos provados resulta que o veículo adquirido pelo autor não reunia nem reúne as condições que foram asseguradas, nem apresentava as qualidades e o desempenho habituais de um veículo novo e que o autor podia e devia razoavelmente esperar.

5- O veículo adquirido pelo autor, não obstante ser novo, não estava, como não está em condições de circular em segurança na via, verificando-se, assim, a falta de conformidade entre o veículo que o autor queria comprar e aquele que lhe foi vendido pelas Rés.

6- É absolutamente inadmissível, inaceitável e incompreensível que um veículo novo apresente tendência desviante para a esquerda e que em situação de travagem com bloqueio das rodas e a 90 kms/h apresente um desvio de 40 cms no fim de um rasto de travagem de 20 metros, situação que constitui uma verdadeira fonte de perigo, quer para o autor, quer para todos os demais utentes da via, pois que o desvio de 40 cms é mais do que suficiente para colher algum peão, embater noutro veículo ou levar a que outros condutores pratiquem manobras perigosas de desvio.

7- Verifica-se, assim, uma situação de erro sobre o objecto, o qual abrange as qualidades do veículo e não apenas a sua identidade.

8- Erro que para o autor era essencial, porquanto se provou que o autor não iria comprar, novo, um veículo que soubesse que não oferecia condições para circular em segurança.

9- Não tendo o veículo as qualidades que o autor pretendia e que deveria ter, a situação dos autos subsume-se a uma questão de erro sobre o objecto e não a uma questão de cumprimento defeituoso.

10- "Ter o autor comprado um carro, convencido de que estava em boas condições de funcionamento e em perfeita legalidade enquadra-se no erro sobre o objecto do contrato" - Ac. R.L. de 03/11/1987; CJ, 1987, 5° - 88.

11- "Não configura uma situação de cumprimento defeituoso do contrato, mas a de erro sobre o objecto, a compra de um veículo automóvel usado, no convencimento de que se encontrava em boas condições de funcionamento, não se apercebendo a compradora da colocação defeituosa de um tubo encostado ao radiador que levou à fuga de água, não detectada pela luz de sinalização e que provocou a sua inutilização. Essas circunstâncias fundamentam a anulação do contrato de compra e venda" - Ac. R.C. de 21/10/2003; CJ, 2003, 4° - 28.

12- Constituindo a circulação rodoviária uma verdadeira actividade perigosa e cheia de perigos, é evidente que ninguém pode nem deve conduzir, em consciência, um veículo que apresente tendência desviante, sob pena da prática de um acto irresponsável, censurável, ilícito e eventualmente criminoso, pois que às circunstâncias já per si perigosas da circulação rodoviária, não deve acrescer a circulação de um veículo sem as devidas condições.

13- Vender um veículo novo, que apresenta tendência desviante, quer em aceleração, quer em travagens bruscas, constitui um acto da mais completa irresponsabilidade, um perigo e uma atitude ilícita, pois que representa a venda de um perigo em potência, quer para o condutor, quer para os demais utentes da via, terceiros inocentes! 14- Dos factos provados resulta que o veículo novo vendido ao autor não tinha as qualidades que deveria ter, sendo certo que o autor confiou no bom estado de funcionamento do veículo, o que não se verificou, nem verifica.

15- Estamos, assim, perante, não uma situação de cumprimento defeituoso do contrato, mas antes perante uma situação de erro, por força das disposições conjugadas dos artigos 913° e 905° do Cód. Civil.

16- Perante a venda eivada de vícios ou defeitos podia o autor pedir a redução do preço, a reparação ou substituição do veículo ou a anulação do contrato por se verificarem, no caso, os respectivos pressupostos legais.

17- Deve, assim, ser julgada provada a acção, declarando-se a anulação do contrato de compra e venda, com as legais consequências.

18- Subsidiariamente ou em alternativa, deve declarar-se a resolução do contrato de compra e venda, com as legais consequências.

19- Com efeito, não tendo o veículo as qualidades asseguradas e necessárias ao fim a que se destinava e destina, verifica-se falta de conformidade do bem, situação em que o consumidor tem direito a que o bem seja reposto sem encargos, por meio de reparação ou substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato - n.° 1 do artigo 4° do Dec. Lei 67/2003.

20- Dado que o autor tentou por todos os meios que o veículo fosse reparado ou substituído, o que as R.R. não fizeram, assiste ao autor o direito de resolução do contrato em questão.

21- Devem, assim, as R.R. ser condenadas a restituir ao autor o preço pago, 24.808,00 €, acrescido dos juros...

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