Acórdão nº 906/2001.C1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução07 de Junho de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA[1] e mulher, BB, propuseram a presente acção com processo ordinário contra CC e marido, DD, visando o despejo destes de um locado (do qual são eles, AA., os locadores), local em que funciona um estabelecimento comercial (restaurante).

Fundamentam o pedido, em síntese, em razão da realização no locado, pelos arrendatários RR., de obras não consentidas e que implicaram a alteração da estrutura externa e a disposição interna do espaço arrendado, adiantando que o conhecimento da existência dessas obras lhes adveio apenas em Abril de 2001.

Concluem afirmando a pretensão de ver resolvido o contrato de arrendamento em causa, com o consequente despejo dos RR., cumulando a esta pretensão, além de um pedido de demolição dessas obras, um pedido indemnizatório genérico, nunca inferior a 623.016$00 com remessa para posterior liquidação. Os RR. contestaram excepcionando a caducidade do direito de resolução do contrato, situando as últimas obras que afirmam terem realizado em 1998, imputando o conhecimento das mesmas aos AA. No mais negam que essas obras tenham importado alteração irreversível da estrutura interna do locado, qualificando-as como benfeitorias necessárias e explicando-as como adaptação do local (situado num prédio antigo e degradado) ao regular exercício da actividade de restauração, nos termos em que as condições de exercício desta, num determinado espaço, são objecto de regulamentação legal.

Concluem pugnando pela improcedência da acção – ademais do atendimento da questão respeitante à caducidade –, formulando, subsidiariamente, para a hipótese de procedência do pedido de despejo, o seguinte pedido reconvencional: “… Entendendo V. Exa. que existe … motivo para a resolução do contrato, então deve ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional e os AA. reconvindos condenados a pagar aos RR. reconvintes, a título de indemnização pelas benfeitorias efectuadas, a quantia de 7.000.000$00 (€34.915,85) e juros contabilizados a partir da citação à taxa legal de 7%”.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, onde se relegou para final o conhecimento da excepção de caducidade, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória (com ampliação em sede de julgamento), se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença. Nesta considerando-se verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de pedir a resolução do contrato, julgou-se a acção improcedente por não provada, com absolvição dos RR. do pedido. 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida. 1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal que, através de acórdão de 13 de Abril de 2010, concedeu a revista, revogando o acórdão recorrido, julgando improcedente a excepção de caducidade e determinando a remessa dos autos à Relação para aí se proferir decisão sobre a questão da constituição do direito de resolução do contrato e da procedência, ou não, do pedido accional e, na hipótese, afirmativa, do pedido reconvencional. 1-4- Remetidos os autos à Relação aí foi proferido novo acórdão (de 14-9-2010) onde se decidiu: “A) Julgar procedente a resolução, por iniciativa dos AA., como locadores, do contrato de arrendamento referente aos rés-do-chão e logradouro do prédio referido no artigo 1º da p.i., no qual ocupavam a posição de locatários os RR., condenando-se estes a proceder ao respectivo despejo e entrega aos AA.

B) Absolver os RR. do pedido indemnizatório formulado pelos AA., condenando-se, todavia a procederem à demolição das paredes adicionalmente introduzidas no locado pelas obras referidas nas alíneas l), o) e d) JJ) dos factos provados e ao levantamento do elemento em causa em N) e a) de JJ) desses mesmos factos.

C) Condenar os AA., por referência ao pedido reconvencional, a satisfazer os RR., a título de indemnização pelas benfeitorias não levantadas, a quantia de € 16.000,00, acrescida de juros à taxa legal contados do trânsito da presente decisão, até integral pagamento”.

1-5- Não se conformando com este acórdão, dele recorreram os RR., recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo. Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- As obras que significam alteração substancial da disposição interna das divisões do locado, argumento em que se louva o Acórdão Recorrido, mesmo em termos de "arrendamentos correntes", devem ser entendidas como "aquelas de que... resulta que a disposição interna das divisões seja profundamente transformada" Pais de Sousa, Extinção do arrendamento Urbano, pág. 209.

2ª- E aquelas que "alterem substancialmente a sua estrutura externa" serão as que "modificam fundamentalmente as linhas exteriores do prédio de tal modo que ele passe a ter outra configuração... em suma, que externamente pareça outra" Pais de Sousa, mesma obra mesmo parágrafo.

3ª- Ora, mesmo nestes casos de arrendamento não serão quaisquer obras que fundamentarão a resolução mas apenas aquelas que, sendo exteriores, desfiguram o locado; sendo interiores, conduzam a uma transformação profunda da morfologia interior.

4ª- No caso presente as obras nem foram efectuadas no imóvel urbano, parte exterior, de modo a desfigurá-lo; nem no seu interior, mas num pátio coberto, sito a tardós do rés-do-chão da construção urbana.

5ª- E o que a lei pretendeu, com a al. d) do art° 64° da RAU evitar, foi a desfiguração do exterior da construção urbana (e não de qualquer eventual logradouro ou espaço coberto existente) ou a transformação profunda da morfologia da mesma construção (tanto mais que a lei fala expressamente em "disposição interna das suas divisões" o que só poderá querer significar CONSTRUÇÃO OU EDIFÍCIO.

6ª- Todavia ao caso presente nem sequer é aplicável a lei geral mas as leis especiais relativas aos arrendamentos com fins turísticos em estabelecimentos destinados à indústria Hoteleira ou similares.

7ª- Os RR/Inquilinos não se limitaram a fazer obras, tout court, mas sim benfeitorias; e não as fizeram a seu bel talante mas aquelas que, por força, por força da legislação existente e impostas pelos serviços camarários e outros, tiveram de realizar.

8ª- O próprio conceito de benfeitorias tomou-se mais abrangente nestes trabalhos, de conformidade com o disposto no art° 34°, n° 1 e 2 do D.L 328/86 de 30/09, em vigor na ocasião e ainda hoje.

9ª- Legislação interna e outra proveniente da EU vão impondo a recusa de estabelecimento de "comes e bebes"; e mesmo naqueles que passavam a denominar-se ou mantiveram a denominação de "tabernas", aquela legislação e aqueles serviços vêm impondo obras de transformação profunda (aos próprios inquilinos que não aos senhorios) que mantendo embora a tipicidade garantam a segurança, o conforto, a estética, a higiene necessárias.

10ª- Ainda dentro dos mesmos parâmetros, não é justo denominar-se de "paredes" aquilo a que se deve chamar de "painéis" nem alcunhar de "salas" o que são meros "espaços" de protecção de outras e (ou) passagens - a propriedade vocabular é importante não só para respeitar a matéria provada como para evitar se distorçam perspectivas - sem finalidade específica, preservando da vista dos utentes do restaurante zonas como as casa de banho, vestiários ou copa suja.

11ª- É inaplicável ao caso presente o disposto na al. d) do art° 64° do RAU e deve se aplicado o disposto, entre outros, no art. 34° do D.L 328/86, D.L 167/97 e 168/97, ambos de 04/07 e Decreto regulamentar nº 38/97 de 25/09, maxime seus artigos 10° a 14° e 20°.

12ª- Além de que o referido Acr. de 26/10/2010 enferma de nulidade resultante do desrespeito pelo disposto no nº 3 do art° 715° C.P.C - isto é, sem ter assegurado o princípio do contraditório - Acr. STJ de 12/09/99, Pr. Nº 99ª39 in www.stj.pt- o que conduzira, segurando este mesmo Acr. à nulidade de conhecimento oficioso (art° 729, nº 3 e 730°, nº 2 do mesmo diploma. Porém, 13ª- A possibilidade de repetição do julgamento pelo Tribunal da Relação está prejudicada pelo facto de o disposto no nº 2 do art° 715° C.P.C ser de aplicação excepcional e restrita, constrangido pelos princípios do "Juiz Natural" e da "Imediação" (preâmbulo do D.L 329-N95 de 12/12).

14ª- Sujeitam-se à regra da substituição da Relação ao Tribunal Recorrido "certas questões"... mas não "A questão" por excelência; a redacção cautelosa emprestada ao artigo pelo D.L referido conduz-nos a indagar razões pelas quais, no caso análogo do art. 753° C.P.C se deixou inalteradas as referências ao "pedido" e ao "mérito da causa" constituindo âmbito e alcance diverso o da regra da substituição do art° 715° (apelação) do art° 753° (agravo da decisão final).

15ª- Se o legislador fez nos dois casos tão similares, distinção do alcance da regra da substituição, já por si excepcional, não é permitido ao Juiz abolir ou negligenciar essa distinção: a questão de fundo não é uma entre várias - é a "questão" e pluribus unum! (Acr. Rel. Ev. de 16/12, Pr. 1781/81-2, in Portal da Justiça, ,,-www.mj.gov.pt- Acr. Trib. Rel. Ev.) 16ª- Não cabia à Relação decidir da questão de mérito sem que a 1ª instância o tivesse conhecido, violando-se o princípio do Juiz Natural e consequentemente, de forma flagrante, o da imediação.

17ª- O Acr. supra da Relação de Évora defende esse entendimento quando refere" a natural vocação do Tribunal" de recurso ... etc, para reapreciar matéria já ponderada pelo Tribunal Recorrido e não para apreciar ex-novo questão sobre que este se não pronunciou - revelando até uma avaliação, embora implícita na matéria de facto, diferente da do ACR.

18ª- O princípio da imediação visa proteger o mesmo princípio pois persegue, num contacto próximo, o apuramento da...

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