Acórdão nº 144/09.3GTLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução25 de Maio de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 2º Juízo Criminal de Leiria, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi sentença em que se decidiu condenar o arguido OV... pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira p. e p. pelo art. 137 nº 1 e nº 2 do C. P., ocorrido a 19-09-2009, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de pisão, suspensa a sua execução por idêntico período, sujeito a regime de prova, e sob obrigação de entregar no prazo de seis meses mil e quinhentos euros ao Lar X... - Leiria, juntando recibo.

Inconformado, o arguido interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência grosseira, p. e p. pelo art. 137.° n.º I e n.º 2 do C.P., na pena de prisão de 3 anos e nove meses, suspensa a sua execução por idêntico período, sujeito ao regime de prova e sob a obrigação de entregar no prazo de seis meses, mil e quinhentos euros ao Lar X... - Leiria.

  1. O presente recurso tem por objecto toda a matéria da sentença condenatória proferida nos presentes autos.

  2. O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto: a) No dia 19 de Setembro de 2009, cerca das 7.00H, o arguido conduzia o veiculo automóvel ligeiro de mercadorias matricula … no sentido Coimbra-Lisboa, e à sua frente, no mesmo sentido, transitava GC..., conduzindo o veículo pesado de mercadorias matricula … .

    1. Este conduzia a sua viatura na metade direita da faixa de rodagem a uma velocidade de cerca de 90 Km/h.

    2. Nessa circunstância e na via de circulação em que segui, foi embatido na parte de trás lado esquerdo pela zona frontal do lado direito da viatura conduzida pelo arguido.

      d) Apôs o embate, o veículo do arguido passou a circular descontrolado pela via da esquerda, embateu nas barreiras de protecção centrais e na parte lateral da viatura de GC... e veio a imobilizar-se junto ao separador central.

    3. O arguido conduzia sem considerar e atender aos termos em que seguia o veículo pesado que o precedia.

    4. No local, a faixa de rodagem tem uma largura de 7,60m, compreendendo duas vias de trânsito na direcção Porto-Lisboa.

    5. A via apresentava-se como uma curva pouco pronunciada, as condições atmosféricas eram boas bem como a visibilidade.

    6. Em consequência do embate, SS..., que seguia ao seu lado, sofreu as lesões traumáticas crânio meningo-encefálicas e dos membros superior direito e inferior do mesmo lado, com fractura, as quais determinaram a sua morte, verificada às 7.50h i) O embate ficou a dever-se ao facto de o arguido, na ocasião, ter assumido um tipo de condução descuidada e leviana, não cuidando, como lhe era exigível e possível, de circular, considerando a presença, na via, à sua frente do veículo pesado de mercadorias dirigido por GC....

    7. O arguido podia e devia ter evitado o embate pois poderia ter abrandado a marcha e parado atrás daquele ou efectuar a sua ultrapassagem deforma segura.

    8. Era possível e exigível ao arguido que circulasse a uma distância do veículo que o precedia que evitasse a colisão com o mesmo.

    9. Caso o arguido seguisse a velocidade inferior a 110 Km/h, poderia desviar-se do veículo pesado e assinalado.

    10. O arguido actuou de forma livre e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei. " 4. Formando a sua convicção no depoimento das testemunhas GC…, NC... e MF..., no teor da prova documental a fls. 161 onde se constata a hora da chamada para o INEM, a fls. 104, 105, 166, 168, 199, 218, 219, 220 e 224, que consistem nas fotografias tiradas após o embate, e fls. 120 que correspondem ao esboço do resultado do embate e medições; no teor do relatório da autópsia a 115 190 e nas regras da experiência comum, relativamente ·' .. à culpabilidade do arguido, e no que diz respeito à dinâmica do embate bem como à sua intervenção no facto, e perante o silêncio do arguido ...

  3. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo julgou incorrectamente os referidos factos, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova.

    Senão vejamos: 6. O Tribunal a quo deu como provado na al. e) que o "arguido conduzia sem considerar e atender aos termos em que seguia o veiculo que o precedia. ".

  4. De igual modo, deu como provado na al. i) que" () embate ficou a dever-se ao facto de o arguido, na ocasião, ter assumido um tipo de condução descuidada e leviana, não cuidando, como lhe era exigível e possível, de circular, considerando a presença, na via, à sua frente do veículo pesado de mercadorias dirigido por GC.... ".

  5. Deu como provado ainda, na al. j), que "O arguido podia e devia ter evitado o embate pois poderia ter abrandado a marcha e parado atrás daquele ou efectuar a sua ultrapassagem de forma segura. ", e na ai. k) que "Era possível e exigível ao arguido que circulasse a uma distância do veiculo que o precedia que evitasse a colisão com o mesmo.

  6. Considerando provado igualmente na al. I) que "Caso o arguido seguisse a velocidade inferior a 110 Km/h., poderia desviar-se do veículo pesado e assinalado. ", concluindo por isso e dando como provado na al. m) que "O arguido actuou deforma livre e consciente, bem sabendo ser a sua conduta proibida por lei. " 10. Acontece que, da análise da prova produzida, não resultou provado que o arguido conduzia sem considerar e atender aos termos do veiculo em que seguia, não ficou provado que o embate ficou a dever-se ao facto de o arguido ter assumido um tipo de condução descuidada e leviana, não ficou provado que o arguido podia e devia ter evitado o embate e não ficou provado que o arguido não circulasse a uma distância de segurança do veículo pesado que seguia à sua frente 11. Assim como não resultou provado a velocidade a que o arguido circulava, não tendo ficado, igualmente provado que, se o arguido circulasse a uma velocidade inferior a 110 Km/h, poderia desviar-se do veículo pesado assinalado.

  7. Não podendo, por inexistência de elementos probatórios, o Tribunal a quo considerar que o arguido actuou de forma livre e consciente, porquanto tal não resultou provado.

  8. Com efeito, com o depoimento da testemunha GC..., não ficou provada a culpabilidade do arguido no acidente, e consequentemente não resultam provados os factos que o Tribunal a quo considera provados nas al.s e), i), j), k), I) e m) da douta sentença, cfr. o respectivo depoimento supra transcrito.

  9. De igual forma com o depoimento da testemunha NC... não ficou provada a culpa do arguido no acidente, designadamente o nexo de causalidade entre a condução do arguido e a morte do pendura, cfr. respectivo depoimento supra transcrito.

  10. Assim como não resulta provada a factualidade do depoimento da testemunha MF..., gravado em CD, de 10:55:46 a 11:03:30, igualmente supra transcrito.

  11. Assim, não resultou dos autos, nem da prova, testemunhal e documental produzida (quer globalmente considerada quer apreciada individualmente), matéria suficiente para que se possa concluir que o recorrente circulava em excesso de velocidade, 17. Pelo que a prova produzida impunha decisão diversa da obtida pelo Tribunal a quo, pelas seguintes razões: 18. Desde logo, dos depoimentos das testemunhas GC... e NC..., somente resultou que o conta-quilómetros estava bloqueado a 165 Km/h. Nenhum deles afirmou ter, sequer, visto o veiculo ligeiro de mercadorias antes do acidente, nem tão pouco em excesso de velocidade, sabendo ambos: o primeiro por ter ouvido dizer, não podendo por este motivo, o depoimento da testemunha ser valorado nesta parte, e o outro porque, viu o conta-quilómetros e viu que o mesmo bloqueara naquela velocidade.

  12. Todavia, não resultou do depoimento de nenhuma testemunha, nem há nenhum elemento pericial ou técnico, nos autos, probatório do excesso de velocidade.

  13. Não há registo de entrada do veículo ligeiro de mercadorias na auto-estrada, pelo que não se pode simular a velocidade de circulação do referido veículo, aquando do embate.

  14. O facto de o conta-quilómetros ter bloqueado à velocidade supra referida, não prova que fosse aquela a velocidade a que o veículo circulava, desde logo, porque com o embate a frente do veículo ficou completamente destrui da o que afecta inelutavelmente o comportamento de todos os instrumentos do painel do referido veiculo, e há mesmo vários ensaios e estudos que provam isso mesmo.

  15. O facto de existirem indícios encefálicos na galera do pesado de mercadorias, não prova igualmente o excesso de velocidade, porquanto resultou provado do depoimento da testemunha NC... que o pendura (vitima do acidente) não tinha o cinto de segurança colocado, reconhecendo inclusive esta testemunha, que talvez o desfecho tivesse sido outro, apesar do embate, se a vitima estivesse protegida com o cinto de segurança.

    Sem o cinto, o corpo fica solto no interior do veículo, pelo que facilmente é expelido embatendo desgovernado, em todos os obstáculos.

  16. Acresce que o Tribunal a quo, conforme resulta do teor da sentença, baseou a sua convicção, também" ... perante o silêncio do arguido ... " 24. Segundo resulta do art. 343.° do C.P.P., o arguido tem o direito de prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal esteja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo.

  17. O direito ao silêncio, está inserido na defesa pessoal do arguido na medida em que lhe é garantida a liberdade de autodeterminação, para decidir se colabora ou não com a justiça. Desde logo, o direito ao silêncio implica a liberdade individual do indivíduo e é tido como o pilar da estrutura acusatória do processo penal, consagrada no n." 5 do art. 32.

    0 da C.R.P .. , que delimita o principio da presunção de inocência não só como uma atribuição do ónus da prova ao Tribunal, mas também como o direito do arguido a ser sujeito processual do processo e, por conseguinte, não ter que participar coactivamente na produção de prova.

  18. Pelo que a posição do arguido há-de ser sempre de...

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