Acórdão nº 07062/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 26 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO PEREIRA GOUVEIA
Data da Resolução26 de Maio de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO N………., AG, com os sinais dos autos, intentou no T.A.C. de Lisboa um processo cautelar contra 1. INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, IP, e MINISTÉRIO DA ECONOMIA 2. e, como Contra-interessadas, T…….…, S.A., com os sinais dos autos, 3. e A…………..…, com os sinais dos autos, pedindo a suspensão da eficácia das Autorizações de Introdução no mercado (AIM) concedidas às contra-interessadas durante o período de vigência da patente PT ………, válida 26.6.2013, e do CCP nº 24, válido até 2.2.2015, relativamente aos medicamentos contendo como princípio activo o Valsartan.

Após os articulados, por despacho daquele tribunal foi decidido julgar improcedente o processo cautelar.

Inconformada, vem N.......... recorrer para este T.C.A.-Sul, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1.

O presente recurso tem efeito suspensivo nos termos dos arts. 143.°, n. 1 e n. 2 do CPTA em conjugação com o art. 692.° n. 3 alínea d) do CPC ex vi 140.° do CPTA, e sobe imediatamente e nos próprios autos, nos termos do artigo 147.°, n." } do CPT A.

  1. No que respeita aos factos que deveriam ter sido dados como provados, e não o foram, deverão ser aditados à decisão sobre a matéria de facto os seguintes factos alegados pela Requerente no seu requerimento inicial, os quais devem ter-se por confessados, nos termos dos artigos 490.° n. 2, 484° nº 1 e 385° nº 5 do CPC, ex vi art. l ° do CPT A: - Os medicamentos cujas AIMs as Contra-Interessadas solicitaram e obtiveram, contêm o Valsartan como princípio activo, isto é, o composto descrito nas revindicações de produto 1ª e 26ª da patente PT 96799.

    - Os Genéricos Valsartan contêm o Valsartan, como princípio activo e excipientes - tais como lactose mono-hidratada, croscarmelose sódica, povidona, estearato de magnésio, talco - que são excipientes normalmente utilizados pela indústria farmacêutica, o que corresponde ao descrito na reivindicação 35ª da Patente.

    - O VALSARTAN é um anti-hipertensor e os Genéricos Valsartan são preparações farmacêuticas com indicação anti-hipertensora.

  2. Se o tribunal a quo tivesse correctamente identificado a questão jurídica aqui em discussão, teria concluído, como foi alegado pela Recorrente no Requerimento Inicial, que, na acção principal, as AIMs impugnadas deveriam ser declaradas nulas ao abrigo dos artigos 135.0 e 133.°, n. 2 c) e d) do CPA e o MEI condenado a abster-se de emitir os PVPs, uma vez que levantam barreiras administrativas à exploração, pelas Contra Interessadas, de um produto protegido pela Patente e CCP, cuja consequência será permitir a violação de disposições constitucionais (artigos 62.0 e 266.0 da Constituição), que visam a protecção de um direito fundamental, aí violado, sendo o seu único efeito útil a viabilização de uma prática criminosa por terceiros.

  3. O direito exclusivo emergente da titularidade de uma patente e de um CCP goza das garantias estabelecidas para a propriedade em geral, nos expressos termos do art. 316.° do CPI.

  4. Tal como o direito de propriedade privada em geral é-lhe atribuída específica protecção constitucional, como direito fundamental tendo a natureza de "direitos, liberdades e garantias", beneficiando, assim, do regime constitucional que a estes é aplicável, conforme resulta do artigo 17.0 da Constituição.

  5. O princípio da legalidade contém um comando legal de obediência à lei e ao Direito que obriga a uma total conformidade não só com as leis e os princípios jurídicos que disciplinam especificamente uma certa conduta da Administração, mas também aqueles que constituem todo o ordenamento jurídico.

  6. A procedência da acção principal parece evidente e, mesmo que tal não ocorra, não é manifesta a sua falta de fundamento, pelo que, nessa perspectiva, deve ser a providência decretada, nos termos das alíneas a) e b) do n01 do artigo 120° do CPTA 8. A douta decisão recorrida faz uma interpretação incorrecta da noção de periculum in mora, tal como a mesma decorre da lei (art° 120° n01 do CPT A), uma vez que analisa, apenas, a verificação deste requisito na vertente do ''fundado receio" "da produção de prejuízos de difícil reparação" - concluindo pela sua não verificação - e é totalmente omissa quanto à verificação ou não do fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado.

  7. Ora, a primordial missão da providência cautelar administrativa não é a de evitar que se produzam prejuízos de difícil reparação, mas sim a de garantir a utilidade efectiva da sentença a proferir na acção principal, em linha com o dispositivo do n. 1 do artigo 112.° do CPTA, sendo que o risco primordial a ser evitado no quadro das providências cautelares é, exactamente, o do facto consumado, isto é, o da decisão na acção principal se tornar absolutamente inútil.

  8. Só se tal risco se não se verificar é que serão de considerar os "prejuízos de difícil reparação".

  9. No presente caso, se a protecção provisória dos direitos da Recorrente não for atendida no presente procedimento, o efeito útil da acção principal ficará comprometido.

  10. De facto, o direito emergente da Patente e do CCP, embora dotado da natureza de um direito fundamental protegido directamente pela Constituição, é um direito temporário.

  11. No caso destes autos, o tempo de exclusivo que ainda resta à Recorrente é de menos de cinco anos, uma vez que, como está provado, o CCP 24 caducará em 2 de Fevereiro de 2015.

  12. A sentença que, na acção principal, venha a decretar a nulidade das AIMs e prevenir a emissão pela DGAE dos PVPs dos autos não terá qualquer utilidade prática, uma vez que o exclusivo da Recorrente terá sido então eliminado, tendo-se assim consumado, pelo mero decurso do tempo de processamento da acção principal, a inutilidade de tal sentença.

  13. A douta decisão recorrida passou por tudo isto sem uma palavra, como se a lei, a jurisprudência e a doutrina fossem omissas sobre este assunto, desconsiderando a constituição do facto consumado e violando os artigos 112 n. 1 e 120.° n. 1 alíneas b) e c) do CPTA.

  14. E mesmo se assim não fosse considerado, o não decretamento desta providência causará danos imateriais de reparação difícil ou mesmo impossível.

  15. A comercialização dos Genéricos Valsartan irá, desde logo, implicar que a Recorrente fique, contra a sua vontade, privada do uso e fruição do exclusivo que constitui o conteúdo essencial do direito de propriedade industrial de que é titular, situação que, em todos os aspectos, equivalente à privação, com violência, do direito de propriedade de um bem a ela pertencente.

  16. Trata-se de uma ofensa ao direito da Recorrente, causador de um dano imaterial, consistente na ablação temporária de uma parte do activo integrador da esfera jurídica da Recorrente, o qual não poderá ser reparado mesmo que, na sequência de uma decisão condenatória, lhe viesse a ser atribuída uma compensação de natureza financeira.

  17. Tal compensação seria, na verdade, insusceptível de reintegrar a Recorrente no gozo do seu direito ao exclusivo da comercialização do invento.

  18. A aplicação correcta do princípio da teoria da causalidade adequada ao caso dos autos leva-nos a concluir que a autorização administrativa para a introdução no mercado de um medicamento (e de aprovação dos PVP) é causa adequada dos danos produzidos por essa introdução, uma vez que é condição desses danos actuando adequadamente para que se produzam.

  19. A decisão recorrida, ao negar a verificação do periculum in mora por considerar que se não verifica os prejuízos que a Recorrente justamente receia vir a produzir-se se a presente providência não for concedida, erra na interpretação do artigo 120.° do CPTA e do disposto no artigo 563.° do Código Civil.

  20. A providência requerida deve ser decretada porque se verificam todos os pressupostos legais para o seu decretamento.

  21. Tendo em conta o que foi provado nos presentes autos, conclui-se facilmente que os danos que resultariam da concessão da providência são manifestamente inferiores àqueles que podem resultar da sua recusa.

  22. Os efeitos do decretamento da providência invocados pelo Infarmed na sua Resolução Fundamentada, além de não serem reais, teriam sempre um carácter geral e não prevalecem jamais sobre direitos fundamentais análogos a direitos liberdades e garantias, como é o caso dos direitos da Recorrente.

  23. As Contra-Interessadas não alegaram quaisquer prejuízos próprios decorrentes do decretamento da providência e mesmo se se verificassem, nunca seriam superiores aos da Recorrente, ao contrário do que é exigido pelo n. ° 2 do artigo 120.° do CPTA para que as providências possam ser recusadas.

  24. A decisão recorrida violou e fez uma interpretação errada de diversos normativos legais, entre eles se contando os artigos 490.° n. 2, 484° , 385° nº 5 do CPC 511.° do CPC, artigo 563.° do CC, artigos 112.° e 120.° n. 1 a) e b) do CPTA, artigos 133.° n. 2 c) e d), 135.° do CPA e artigos 17,°, 18.°, 62.° e 266.° da Constituição.

  25. A decisão proferida pelo tribunal a quo a 14 de Julho de 2010 que indeferiu a impugnação da Resolução Fundamentada apresentada pela ora Recorrente assenta, salvo o devido respeito, numa série de equívocos, padecendo de ilegalidade.

  26. O artigo 128.° do CPTA, nomeadamente o seu número 4, não estipula que perante uma Resolução Fundamentada, a Requerente só possa requerer a declaração de ineficácia de actos de execução indevida.

  27. O n. 3 do artigo 128.° do CPTA prevê expressamente a possibilidade do Tribunal poder julgar improcedentes as razões em que se fundamenta a resolução, sem impor qualquer momento processual para a emissão de tal julgamento.

  28. Considerando os números 3 e 4 do artigo 128.° do CPTA, bem como a sua inserção sistemática, conclui-se que independentemente da existência, ou não, de actos de execução cuja declaração de ineficácia possa ser requerida nos termos do n. ° 4, pode o Tribunal escrutinar os fundamentos da Resolução em causa ao abrigo do referido n. °...

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