Acórdão nº 376/2002.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução24 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, residente em C.......C.......S......, Kwilu Ngongo, República Democrática do Congo, propôs a presente acção com processo ordinário contra o Banco Comercial Português SA, com sede na Rua Júlio Dinis, nº 705, 4050, 326, Porto, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia global € 23.909,68, acrescida de juros de mora sobre € 21.355,88 desde 30 de Novembro de 2002 e até integral pagamento. Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que em data anterior a Dezembro de 2001, abriu uma conta de depósito à ordem no Banco Pinto & Sotto Mayor SA, Agência de Albufeira, instituição que foi “ incorporada” no R., conta esta que tinha o nº 000000000. Em 27 de Dezembro de 2001 transferiu o saldo da identificada conta para uma conta de depósitos a prazo no mesmo Banco. Como tinha residência no estrangeiro, abriu a conta nº 00000000 domiciliada na Sucursal Financeira Exterior da Madeira. Em 14 de Março de 2001 era titular no Banco R. apenas das contas referenciadas. Em 16 de Março de 2001, o R. transferiu a quantia de 4.281.470$00 da conta a prazo referida para a conta à ordem referida no art. 3º da p.i. e seguidamente no mesmo dia transferiu essa mesma importância ( 4.281.470$00) para uma conta nas Filipinas do Banco ABN AMRO BANK; N.V. Amesterdão, Holanda em nome de um tal BB. Face a tal procedimento, em 27 de Abril de 2001, a A enviou ao R. a carta junta a fls. 13 – 14 em que manifesta o seu espanto pelo facto de lhe terem sido transferido aquele dinheiro sem a sua autorização e solicita que a importância referida lhe seja devolvida, o que até agora não aconteceu.

O R. contestou alegando, em resumo, que a ordem de transferência que recebeu continha instruções específicas para a liquidação do depósito a prazo e para a transferência do respectivo saldo para a conta nela identificada. Não omitiu os seus deveres de diligência e de cuidado, porquanto conferiu, por semelhança, a assinatura constante da carta com a existente nos seus ficheiros e que se baseava na cópia do bilhete de identidade que a A. remeteu à instituição em 22.03.96 para actualização dos seus dados. A missiva recebida vinha acompanhada de cópia do bilhete de identidade da A., o que reforçou a credibilidade que o banco atribuiu às instruções recepcionadas.

Termina pedindo a improcedência da acção.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta julgou-se a acção procedente por provada, condenando-se o R. a pagar à A. a quantia de € 21.355,58 acrescida de juros de mora, à taxa legal contados desde 27.04.2001 e até integral pagamento.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu o R. de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, tendo-se aí, por acórdão de 27-10-2010, julgado improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o R. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- No recurso de apelação, o Banco apelante impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração, nos termos e ao abrigo do disposto no nº 1, alínea a), do artigo 712° do CPC, por considerar que dos autos constam elementos de prova, quer documentais quer testemunhais (prova gravada), que impunham decisão diversa.

  1. - Para tanto, deu integral cumprimento ao disposto no artigo 690º-A do CPC, indicando os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, bem assim os concretos meios probatórios constantes do processo e da prova gravada que impunham decisão diversa da recorrida sobre os pontos de facto impugnados, indicou os depoimentos em que se fundava, por referência ao assinalado na acta, com transcrição de alguns deles.

  2. - Nos termos da lei processual, não podia o Tribunal da Relação de Évora deixar de proceder à reapreciação da prova, o que não fez, violando dessa forma os artigos 712°, n02 e 690°-A, do CPC.

  3. - Por isso, o acórdão recorrido deve ser anulado e o processo deve ser mandado baixar para, em cumprimento do determinado pelos citados normativos processuais, a Veneranda Relação de Évora proceder à reapreciação da prova.

  4. - Contrariamente ao entendido pela Relação, o quesito 27° não tem natureza conclusiva, porquanto o conceito de "semelhança" nele ínsito traduz um juízo eminentemente factual, resultante de observação visual, de exame físico, material, externo, que consiste na comparação de caracteres em documentos diferentes, no caso, a carta com a ordem de transferência e as fichas de assinaturas e documentos de identificação da autora existentes no Banco.

  5. - Não se trata de um conceito de direito nem de um juízo conclusivo de direito, antes do resultado de uma actividade de observação externa para verificação da semelhança gráfica de assinaturas, o que é do domínio factual e não domínio do direito.

  6. - Por isso, o quesito 27° não é conclusivo, mas factual, e merece resposta.

  7. - O comentário da Veneranda Relação aos quesitos 28° e 29° é consequência inequívoca da não reapreciação da prova gravada, no caso, da não audição dos depoimentos das testemunhas, de contrário não falaria em "rumores" mas em afirmações concretas de concretas testemunhas.

  8. - Na responsabilidade civil contratual cabe ao devedor ilidir a presunção de culpa que sobre ele recai, mas cabe ao credor provar o facto ilícito do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso.

  9. - Face à matéria dada como provada, tem de concluir-se que a autora não fez prova, cabendo-lhe esse ónus, do facto ilícito do não cumprimento, ou seja, de que a transferência dos autos não foi por si ordenada, ou seja ainda, de que a assinatura da ordem de transferência não é sua.

  10. - Em parte alguma dos autos se mostra provado que a ordem de transferência não foi dada pela autora, ou seja, que a assinatura nela aposta não é da autora.

  11. - Em contrapartida, mostra-se provado que o Banco conferiu a assinatura da carta com as dos seus registos, que a carta vinha acompanhada dos documentos de identificação da autora iguais aos existentes no Banco, que os dados da ordem de transferência estavam correctos e completos, e que só após toda essa verificação o Banco deu cumprimento à ordem de transferência.

  12. - O Banco ilidiu a presunção de culpa, ao passo que a autora não provou não ter dado a ordem de transferência, ou seja, não provou a falsidade da assinatura.

  13. - Mesmo que assim se não entenda, haverá que concluir...

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