Acórdão nº 0109/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução12 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

A…, advogada, litigando em causa própria, instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, acção declarativa contra o Município de Penela pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 2.014.000$00, acrescida dos correspondentes juros moratórios, a título de indemnização, pelos danos patrimoniais sofridos no acidente de viação ocorrido na estrada municipal Penela-Coimbra cuja responsabilidade imputa ao Réu.

Sem êxito já que essa acção foi julgada totalmente improcedente.

Inconformada, a Autora agravou para este Tribunal rematando o seu discurso alegatório com a formulação das seguintes conclusões: 1. Constata-se que posteriormente à decisão sobre a matéria de facto não foi efectuada outra reapreciação, além da sentença entretanto proferida nos autos e de que ora se recorre - não se procedendo na sentença ao exame critico da prova, nem a explicitação da forma como se formou a convicção do tribunal a quo.

  1. Nada mais se dizendo quanto aos factos provados e não provados para além da remissão para a decisão sobre a matéria de facto.

  2. Pelo que, na sentença proferida é patente a omissão de pronúncia quanto à factualidade material que o Tribunal a quo considerou provada e não provada e bem assim, à respectiva formação da sua convicção e fundamentação, o que consubstancia uma nulidade nos termos supra invocados.

  3. Efectivamente, aliás, não é feita qualquer referência na sentença recorrida quanto à matéria de facto controvertida que o Tribunal a quo considerou como não provada.

  4. E não consta da sentença os factos que foram dados como não provados - com indicação específica dos pontos base instrutória, não bastando a remessa (apenas quanto aos factos provados para a resposta aos quesitos) para a decisão da matéria de facto, devendo antes na sentença constar tal factualidade, provada e não provada, com referência aos elementos de prova que considerou, ou não, relevantes.

  5. Era pois essencial à tese da Recorrente poder-se saber, a fim de impugnar ou não a decisão sobre aquela factualidade (provada e não provada), qual a fundamentação que levou o Tribunal a quo a decidir como decidiu.

  6. Fundamentação essa que deveria constar da sentença recorrida, quanto aos factos provados e não provados, não bastando a remissão para a audiência preliminar ou para a resposta aos quesitos.

  7. Incumbia ao Tribunal a quo pronunciar-se, concretamente, na sentença, sobre todas as questões colocadas e controvertidas no âmbito da matéria de facto e de direito.

  8. O que, claramente, não logrou fazer sendo patente a omissão de pronúncia e de conhecimento quanto à matéria que o Tribunal a quo entendeu ser não provada e, bem assim, quanto à fundamentação.

  9. Implica, tal omissão, a sua anulação e a devolução dos autos a segunda instância para colmatar tal omissão.

  10. Sendo que, com tal omissão de pronúncia, foram violados os direitos de defesa do arguido, e como tal, foi violado o art. 32°, n.º 1, da CRP, pelo que, a sentença recorrida padece de nulidade e de inconstitucionalidade.

  11. Enferma, ainda, e em consequência a decisão do TAF de Coimbra, de nulidade, nos termos do art. 668°, n.° 1, al. d), do CPC, pois, o Tribunal a quo pelo retro exposto, não se pronunciou sobre questões relevantes para a decisão da causa.

  12. Sem conceder e no tocante à materialidade factual, entendemos que ficou assente que a via municipal, naquela curva para a esquerda onde ocorreu o acidente, não tinha qualquer protecção contra a saída da via - alínea C) da especificação.

  13. E ficou assente que a Estrada Ansião/Penela foi construída em inertes calcários - alínea D) da matéria assente.

  14. E ficou ainda assente que após o acidente de 10-07-2000, da Autora, aquele troço sofre de obras de rectificação e repavimentação - vide alínea E) da matéria assente.

  15. Por outro lado, foi provado que o acidente teve lugar numa curva à esquerda atento o sentido Ansião-Penela fotografada nos doc.s de fls. 14 a 18 da p.i.

  16. E foi provado que no momento do acidente não ocorriam as melhores condições de aderência, ao piso da faixa de rodagem, dos pneumáticos que, no caso, eram novos - ponto 4 dos factos provados na sentença recorrida.

  17. Foi também provado que naquele troço e curva por vezes os camiões referidos em A) da matéria assente, também provenientes da Central de Britagem existente nas proximidades daquela curva, a cerca de 400 metros (alínea G da especificação) e outros veículos automóveis, “largam resíduos de lubrificação e óleo na curva em causa” - como também decorre das fotografias tomadas após o acidente e dadas aos autos a fls. 14 e 18.

  18. Ficou provado que ao aproximar-se da curva o veículo entrou imediatamente em derrapagem, escorregando descontroladamente – vd. ponto 6 dos factos provados da sentença.

  19. E ficou provado que, por isso, a autora não conseguiu evitar que a viatura fosse projectada para fora da via, para o lado direito do seu sentido de marcha - ponto 7 dos factos provados da sentença recorrida.

  20. E ficou provado que a viatura resvalou até ao fundo de um talude oblíquo, de 2 metros de profundidade, onde embateu - vide ponto 8 dos factos provados na sentença recorrida.

  21. E assim, temos que conjugada a matéria assente com a factualidade provada, julgando em contrário, o julgador a quo violou, por erro de interpretação a presunção de culpa prevista no a 493.° n.° 1 do CC.

  22. Há um nexo de causalidade adequada entre a conduta culposa do R., por omissão, e o resultado danoso produzido, pelo que é legitimo concluir pela obrigação de aquele indemnizar a Autora. (art.° 493°, n°1° do CC).

  23. Por outro lado, tendo ocorrido a gravação dos depoimentos prestados, por um lado, impugnando-se a decisão com base neles proferida, como se explicitou, é admissível a alteração da matéria de facto ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do citado art. 712.° do CPC.

  24. Está-se perante uma situação enquadrável na alínea b) do mesmo número, que admite a possibilidade de alteração da matéria de facto se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.

  25. Deste modo, entendemos que, tomando em consideração a matéria assente - alíneas A), C), D) e E) da especificação - com a factualidade provada - factos provados 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9 da sentença - sempre tais factos, provados, conjugadamente, teriam de determinar decisão diversa, por constituírem causas adequadas e necessárias à produção do efeito: despiste.

  26. E, consequentemente, por se tratar de um equipamento, indubitavelmente, à responsabilidade do réu, que incumbia vigiar, zelar, conservar, prevenindo fenómenos de despiste, nomeadamente face à comprovada existência de uma “formação rochosa”, “de pedras”, no “talude obliquo” com uma profundidade de 2 metros, que existia para além da berma, que era, além do mais lisa relativamente ao piso da via e feita de areia (vd. fotografias juntas aos autos a fls. 14 a 18 dos autos), 28. O réu, violou, indubitavelmente, um dever geral de cuidado que lhe é imposto em razão da função pública que exerce e o obriga a vigiar as condições de segurança da via municipal, por forma a evitar e prevenir o elevado número de acidentes.

  27. Efectivamente, como se provou, apesar de ter um “talude oblíquo de 2 metros de profundidade” no qual existia, acrescidamente, uma “formação rochosa do exterior da via” (cfr. ponto 11 da BI, documento de ofício-resposta do Réu, n.° 1289, datado de 24.05.2000, a fls. dos autos, em que o mesmo reconhece no ponto 2 da resposta a existência da mencionada “formação rochosa no exterior da via” e depoimento da testemunha e irmã da Autora, Sr.ª B…), aquela curva à esquerda, com aquela configuração, contígua a um talude com 2 metros de profundidade e formação rochosa no exterior, não tinha guardas de segurança.

  28. Ora o tocante à construção da via, Estrada Municipal n.° 559, no local do acidente, segundo as mais elementares regras e boas práticas de construção de vias, tendo o despiste ocorrido ao aproximar-se de uma curva para a esquerda, atento o sentido de marcha da Autora, o “relevé” ou inclinação da mesma deveria estar disposta também para a esquerda, ou seja, de fora para dentro - vide doc. de fls. 13 a 16 dos autos.

  29. É pois, nosso entendimento, que ficou provado que a inclinação da via, nesse local, estava disposta para a direita, ou seja, de dentro para fora - razão pela qual, tendo a Autora iniciado a derrapagem ”ao aproximar-se da curva”, tal como a testemunha da Autora, também sinistrado, Dr.

    C…, em acidente de 21-03-2000, “não conseguiu evitar ser projectado para o exterior da via”, como foi a Autora.

  30. Saliente-se que, no caso vertente, ficou provado que o veículo da Autora tinha pneus novos, como referiu a testemunha B… e resulta dos registos fotográficos dos rodados do veículo e da factura junta aos autos.

  31. E assim, tal defeito construtivo, tratando-se também de uma curva à esquerda, em plano descendente no sentido de marcha da autora, terá como consequência óbvia e necessária a projecção das viaturas para fora da faixa de rodagem! 34. Acresce que, o piso da estrada, de inertes calcários, como ficou provado, e que na data do acidente “não ocorriam as melhores condições de aderência ao piso da faixa de rodagem, dos pneumáticos que, no caso, eram novos” (resposta ao ponto 6 da BI).

  32. Estes factos, conjugadamente, do pavimento da Estrada Ansião/Penela, construído “com inertes calcários” alínea E) da especificação - e com “resíduos de lubrificação e óleo na curva em causa” dos camiões da alínea A) da especificação e dos veículos automóveis que utilizavam a dita Estrada Ansião/Penela e da Central de Britagem (alínea G) da matéria assente), numa curva para a esquerda, bastaria para que com chuva “miúda” os pneumáticos, no caso, “novos” do veículo da Autora, não tivessem condições de aderir ao piso da faixa de rodagem.

  33. Daí, obviamente, como se descreve na factualidade provada, o veiculo da autora ter entrado em derrapagem, escorregando - cfr. ponto 6 dos factos provados.

  34. ...

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