Acórdão nº 06780/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelCOELHO DA CUNHA
Data da Resolução12 de Maio de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção Administrativa do TCA -Sul 1- Relatório O Sistema de Indemnização de Investidores (SII), vieram interpor recurso jurisdicional do despacho do Mmº Juiz do TAC de Lisboa, de fls.2575 a 2588, proferido em 29.07.2010, que decidiu manter a medida cautelar provisoriamente decretada do despacho de fls.1036, 1052, enunciando nas suas alegações as conclusões seguintes: “1.

O presente recurso é admissível porque o n°5 do art. 131° do CPTA se aplica apenas à decisão de decretamento provisório e não ao despacho que aprecia pedido de manutenção, levantamento ou alteração da providência, conforme defende a doutrina e tem decidido a jurisprudência (cf., a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo nº05746/09, e disponível em www.dgsi.pt.) e também porque não se trata de uma decisão meramente interlocutória, sujeita ao regime previsto no art. 142°, n°5, do CPTA.

  1. A criação do SII pelo Decreto-Lei n.°222/99 decorre da transposição da Directiva 97/9/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de Março, e tem como principais objectivos a manutenção da confiança no sistema financeiro e a protecção dos investidores comuns, com exclusão, portanto, entre outros, dos investidores profissionais e qualificados.

  2. O despacho recorrido decidiu a manutenção do decretamento provisório da providência cautelar sem apreciar os argumentos alegados pelo Requerido no seu pedido de levantamento — mesmo tendo sido alegada uma excepção dilatória de ilegitimidade, que configura uma das questões que o Tribunal tem obrigatoriamente de conhecer, nos termos do art. 660°, n°1, do CPC.

  3. Os Requerentes não têm legitimidade para propor a acção principal de que a presente providência estará dependente, sendo, assim, manifesta a ausência de qualquer situação jurídica a tutelar.

  4. Os Requerentes não demonstram serem titulares de qualquer interesse em agir, como já decidiu o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em procedimento cautelar em tudo idêntico ao presente, que corre termos na 3ªUnidade Orgânica, sob o n°921/10.2BELSB.

  5. A contracção do empréstimo pelo SII ou a realização do pagamento das indemnizações aos investidores não é susceptível de causar qualquer lesão aos Requerentes, sendo certo que o pedido das contribuições que por eles venham a ser devidas ao Sistema não está iminente.

  6. Ainda que tal pedido de contribuições tivesse lugar antes de proferida a decisão final da presente providência cautelar - o que não se afigura plausível -, não estaríamos perante uma lesão irreversível, pois, no caso de os pagamentos serem declarados ilegais, sempre o SII teria meios para devolver às entidades participantes o valor das contribuições por eles efectuadas (nomeadamente, através i) da cobrança dos valores aos investidores, cujos bens estão devidamente identificados no âmbito do FEI, ii) do produto de coimas aplicadas pelo Banco de Portugal a empresas de investimento que sejam participantes do Sistema, à data da infracção, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito, iii) do produto de coimas aplicadas a entidades participantes por incumprimento das obrigações a que se encontram obrigadas no âmbito do Sistema, e iv) do produto de coimas aplicadas, nos termos e nos casos previstos no CdVM, a entidades habilitadas a exercer actividades de intermediação em valores mobiliários que sejam participantes do Sistema).

  7. Só o futuro pedido aos Requerentes (e demais entidades participantes) das contribuições que por eles venham a ser devidas no âmbito do accionamento de SII afectará as respectivas situações jurídicas.

  8. Não se verificando, assim, a existência de periculum in mora - muito menos a qualificado para o decretamento provisório da providência - deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que decrete o levantamento da providência.

  9. Sem prejuízo do requerido, importa lembrar que no âmbito dos contratos de gestão de carteiras por conta de outrem é normal as carteiras sob gestão integrarem, a todo o momento, para além de instrumentos financeiros, também liquidez ou, na terminologia do artigo 3.° do Decreto-Lei do SII, "fundos".

  10. O património integrante das carteiras sob gestão, isto é, tanto a liquidez como os instrumentos financeiros que a compõem, continua a ser, a todo o momento, propriedade do cliente (ao contrário do que sucede, por exemplo, quando se trate de depósitos bancários), nomeadamente por força do princípio da segregação patrimonial consagrado no artigo 306.° do Código dos Valores Mobiliários.

  11. Os contratos de gestão de carteiras podem ser com ou sem garantia de rendibilidade (cf. art. 336.°, n.°2, do Código dos Valores Mobiliários): - no caso dos contratos de gestão de carteiras sem garantia de rendibilidade o risco de mercado ou de desvalorização dos activos corre por conta de cliente; - ao contrário, no caso dos contratos de gestão de carteiras com garantia de rendibilidade, o risco de mercado ou de desvalorização dos activos corre por conta do gestor, ficando o cliente exposto aos riscos de crédito e de solvabilidade do próprio gestor.

  12. Os clientes de gestão de carteiras por conta de outrem do BPP são titulares de dois principais tipos de créditos sobre o Banco: - créditos emergentes das garantias prestadas pelo Banco (incluindo os emergentes (i) das garantias de reembolso do capital, (ii) das garantias de remuneração e (iii) dos correspondentes juros moratórios); - créditos emergentes de correcções.

  13. Os créditos emergentes das garantias correspondem a fundos devidos aos clientes pelo BPP, por força do direito de crédito emergente do contrato de gestão de carteiras com garantia, celebrado entre o Banco e os clientes, e nos termos do qual o Banco está obrigado a restituir a diferença, quando negativa, entre o valor dos activos integrantes da carteira e o valor da garantia.

  14. Por sua vez, os créditos emergentes das correcções decorrem da restituição às carteiras dos clientes de fundos que lhes foram irregular e abusivamente subtraídos.

  15. Por exemplo, só nos dias 5 e 7 de Novembro de 2008 foram abusiva e indevidamente subtraídos às carteiras dos clientes de 25 SIVs fundos no montante total de €40.000.000 (quarenta milhões de euros), tendo esse valor sido posteriormente estornado, o que deu origem a um crédito de correcção.

  16. Não obstante tanto os créditos emergentes das correcções quanto os créditos emergentes de garantias se encontrarem cobertos pelo SII, existe, ainda assim, um conjunto relevante de diferenças entre eles para efeitos do decretamento provisório da presente providência.

  17. Entre essas diferenças avulta, nomeadamente, o facto de os créditos emergentes de correcções corresponderem (/) a fundos de que os clientes são proprietários; (ii) a uma reposição do património das carteiras dos clientes na situação em que este se encontraria se as irregularidades e fraudes de que as carteiras foram alvo não tivessem sido praticadas; (iii) a fundos cobertos pelo artigo 3º do Decreto-Lei do SII, na parte em que este artigo não tem a ver com a questão interpretativa que foi resolvida pelo aditamento de um n.°2 àquele preceito pelo Decreto-Lei nº162/2009; e (iv) a créditos que se situam completamente fora do âmbito da questão de retroactividade colocada pelos Requerentes.

  18. Por seu turno, os créditos emergentes das garantias correspondem (i) a fundos de que os clientes são credores (mas não proprietários); (ii) a uma obrigação de pagamento aos clientes, nos termos contratualmente estipulados; (iii) a fundos cobertos pelo artigo 3.°, n.°1, do Decreto-Lei do SII e expressamente referidos no n.°2 desse artigo; e (iv) aos únicos créditos em relação aos quais respeita a questão da retroactividade suscitada pelos Requerentes.

  19. Sublinhe-se que a "relação completa dos fundos e instrumentos financeiros cobertos e dos respectivos titulares, devidamente identificados", enviada pela Comissão Liquidatária do BPP ao SII, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.°, n.°1, do Regulamento do SH, aprovado pela Portaria nº1266/2001, de 6 de Novembro, conforme alterado pela Portaria nº1426- A/2009, de 18 de Dezembro de 2009, discrimina e individualiza perfeitamente; em relação a cada investidor, os créditos emergentes das garantias e os emergentes das correcções, bem como os respectivos valores.

  20. É indisputável que os créditos emergentes de correcções são sempre indemnizáveis, qualquer que seja a redacção do Decreto-Lei do SH que se considere aplicável ao caso concreto.

  21. A providência requerida pelos Requerentes tem por objecto apenas os créditos emergentes de garantias, pelo que, tendo em conta que a causa de pedir exerce uma função individualizadora do pedido, a decisão judicial deve cingir-se àqueles créditos.

  22. Como indica o Considerando (3) da Directiva 97/9/CE, a garantia de protecção dos investidores em caso de fraude foi um dos objectivos que, expressamente, deram origem à adopção da citada Directiva - objecto de transposição pelo Decreto-Lei n°222/99, de 22 de Junho.

  23. Tal como se escreve na justificação de motivos da recentíssima Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, que altera a Directiva 97/9/CE, de 12.07.2010: "A DSII [Directiva 97/9/CE relativa aos sistemas de indemnização aos investidores] assegura a protecção dos investidores contra o risco de fraude, administração dolosa ou erros operacionais que impeçam a empresa de investimento de restituir os activos aos seus clientes." 25.

    Os casos de fraude ou apropriação indevidos de activos dos clientes têm sido os casos típicos de accionamento dos sistemas de indemnização aos investidores em toda a Europa.

  24. Não se compreende a distinção efectuada pelo Tribunal entre créditos que devam ser reembolsados e créditos que devam ser restituídos e, muito menos...

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