Acórdão nº 07382/11 de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Maio de 2011
Magistrado Responsável | CRISTINA DOS SANTOS |
Data da Resolução | 12 de Maio de 2011 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
A................., SA, com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra dela vem recorrer, concluindo como segue: 1. A análise da sentença recorrida deve ter presente o interesse público, enquadrado nesta crise orçamental e económico-financeira que nos atormenta e atormentará no futuro, e que muito se deve a atitudes como as em causa nos presentes autos.
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Como muito bem decidiu o TCA do Sul a 29-04-2010, é do interesse público ter o maior número de concorrentes para conseguir o melhor resultado final possível o que, face aos condicionalismos económico-financeiros vividos actualmente, passa por conseguir propostas com igual ou equivalente qualidade aos preços mais baixos.
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Ora, a Câmara de ......... esqueceu-se destes desideratos no concurso em apreço, fazendo uma aplicação cega e restrita das peças procedimentais, sem curar de atender aos princípios da contratação pública e à prevalência do interesse público sobre certas formalidades que, no caso concreto e em face desses princípios, não podem ser consideradas essenciais e, como tal, jamais poderão resultar na exclusão dos concorrentes...
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Sem beliscar a natureza jurídica do Programa do Procedimento (PP) e do Caderno de Encargos (CE), o que está em causa nos autos e foi questionado pela Autora (aqui recorrente) é o valor "absoluto" da formalidade determinada no clausulado 12º e 15º do PP (preços unitários expressos por extenso).
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Neste particular e, salvo devido respeito, a interpretação do Tribunal a quo deixa muito a desejar, desde logo em termos de princípios da contratação pública: não é por se ter estipulado uma regra nos tais regulamentos concursais, que ela consubstancia uma formalidade essencial: é necessário aquilatar, face à situação de facto ocorrida, se ela era em concreto essencial ou não essencial...
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E nesse esforço interpretativo, as primeiras "regras" a ter bem presentes são as advindas dos princípios da contratação pública, desde logo os princípios comunitários, que têm como pano de fundo o interesse na maior concorrência possível.
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Daí que estes princípios sejam um corredor fundamental para a livre e sã concorrência que se pretende (como resultado) e que é instrumento da melhor decisão "pública".
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Desta forma, importar realçar que a concorrência entre as empresas, em sede de contratação pública, é um resultado que se visa alcançar, a par de outros (como a melhor gestão dos dinheiros públicos), e não a base ou fundamento do regime jurídico.
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Assim, é por demais evidente que, em sede de contratação pública, o fim visado passa, desde logo, por admitir o maior número de concorrentes, para conseguir o melhor resultado final possível, o que, face aos condicionalismos económico-financeiros vividos actualmente, implica conseguir o maior número de concorrentes e de propostas com igual ou equivalente qualidade aos preços mais baixos, como se refere no ac. do TCA do Sul de 29-4-2010.
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Por conseguinte, a "interpretação" das regras regulamentares do concurso e a sua aplicação devem ter em devida nota estes princípios, designadamente o princípio da concorrência e da melhor prossecução do interesse público.
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Ao interpretar as normas das cláusulas 12a e 15a, nº 2 alínea g) do Programa de Procedimento como "absolutas" e as suas formalidades como "essenciais", no caso em apreço e na análise da Proposta da aqui recorrente, tendo presente que o critério de adjudicação definido é o identificado na alínea b) do nº 1 do artigo 74º do CCP (mais baixo preço, conforme cláusula 18a do PP), o Exmo. Sr. Juiz a quo fez "letra morta" destes princípios, pois jamais poderia ter concluído, tout court, que daquelas estipulações decorre a imprescindibilidade da indicação por extenso de todos os preços (cfr. página 9 da sentença).
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Na verdade, atendendo ao interesse em ter o maior número possível de concorrentes, aquela imprescindibilidade só decorre se houver disparidade de preços na proposta em avaliação, caso em que actuará a regra regulamentar de que os preços por extenso prevalecem sobre os indicados em algarismos.
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Não havendo discrepâncias entre os preços indicados - a aqui recorrente indicou todos os preços unitários (em algarismos), para além de ter indicado o preço por lotes e o preço global por extenso e por algarismos, sem qualquer divergência - a regra não pode ser entendida como "formalidade essencial", isto é, como imprescindível, pois todos os atributos da proposta estão lá, permitindo ao Júri avaliar e comparar as propostas para, de entre elas, decidir a adjudicação.
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Assim, a sentença recorrida sufraga um entendimento que viola claramente o princípio da concorrência, em detrimento inclusive do interesse público, pois exclui a melhor proposta por uma mera formalidade não essencial e confirmou uma adjudicação pelo valor global de 14.096,84 € quando a proposta da aqui recorrente era de 11.755,88 €..
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Na verdade, a Proposta da recorrente continha todos os atributos, pelo que era susceptível de avaliação e de comparação com as demais, pelo que carece de fundamento a sua exclusão ao abrigo do art. 70º, nº 2 alínea c) do CCP.
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Na verdade, não apresentar os preços unitários indicados por extenso (mas apenas em algarismos) é diferente de não apresentar tout court os preços unitários ou haver contradições entre os preços apresentados (unitários, parciais e preço global), estes sim erros impossibilitadores de avaliação e comparação da proposta.
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O que se analisa nos presentes autos, é simplesmente o (in)cumprimento de uma mera formalidade que passava por não só apresentar o preço em algarismos (o que a aqui recorrente faz na sua Proposta quanto aos preços unitários), mas também "traduzi-los" por extenso (o que a aqui recorrente fez para os preços por lotes e preço global da proposta)...
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Daqui resulta que a razão da exclusão da Proposta da aqui recorrente é, ao invés do que decidiu o tribunal a quo (cfr. página 11 da sentença), não a omissão ou erro de qualquer atributo da proposta, mas sim o incumprimento daquela formalidade, preços unitários (e apenas estes) também por extenso.
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Ora, como se pode constatar na fundamentação jurídica, e tendo em conta o vertido no PP e CE e sobretudo na Proposta da concorrente (que apresenta todos os preços: os unitários em algarismos e os parciais e global em algarismos e também por extenso), não se vislumbra como a entidade adjudicante fica impedida ou impossibilitada de avaliar e comparar a Proposta da concorrente com as demais propostas.
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Não se vislumbra e a sentença recorrida não explica, nem demonstra.
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Efectivamente, a Proposta da Concorrente está devidamente instruída, contendo todos os elementos solicitados e, sobretudo, tendo a indicação de todos os preços, unitários, parciais e totais, sem que entre eles haja qualquer divergência, pelo que o Júri conhece todos os atributos da Proposta, inclusive os respectivos preços unitários.
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Assim, o Júri não só podia, como devia, ter comparado todas as propostas "em jogo", não se compreendendo o entendimento do Tribunal a quo: é verdade que para a entidade adjudicante a mera indicação de preços unitários por algarismos era insuficiente no caso de haver divergências entre preços, tendo estipulado, precisamente, a regra de prevalência dos preços indicados por extenso, mas na Proposta da aqui recorrente, Areal Editores SA, não há qualquer divergência entre os preços.
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Os preços unitários apresentados, todos somados e tendo em conta a quantidade de cada produto solicitada, condiz com o respectivo "preço parcial" ou do "lote", que por sua vez, todos somados, dão, sem erro, o preço global da proposta, o que significa que, no caso concreto, não havendo divergência, os preços unitários por extenso tornam-se dispensáveis, ou se se quiser, não essenciais.
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É que conhecendo-se todos os preços, unitários, parciais (ou por lotes) e global, sem que haja qualquer divergência, o Júri conhece os atributos da proposta, podendo compará-la com as demais e decidi-la nos termos do critério de adjudicação definido, mesmo que alguma formalidade (não essencial) tenha sido omitida.
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Na verdade, a forma como a concorrente apresentou a Proposta, designadamente os respectivos atributos, não tange minimamente com a possibilidade da sua avaliação e comparação com as demais.
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Assim, ao invés do confirmado na sentença recorrida (ver páginas 10 e 11), não podia a Proposta da Areal Editores ser excluída, no caso sub judice, com base na alínea c) do número 2 do artigo 70º do CCP, o que consubstancia, portanto, errónea fundamentação jurídica (mesmo erro que inquina o acto de adjudicação impugnado).
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Forçoso é, pois, concluir que a forma de apresentação dos atributos da Proposta da A.......... (preços unitários por algarismos, preços por lotes e global por algarismos e por extenso, sem que haja qualquer divergência) permitia ao Júri conhecer todos os preços, constatar a sua conformidade com os preços por lotes e com o preço global e, portanto, face à inexistência de nenhuma divergência, avaliar a Proposta em causa e compará-la com as demais, decidindo nos termos do critério de adjudicação definido.
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Ao não decidir desta forma, o Exmo. Sr. Juiz a quo errou, acrescentando, ainda, uma omissão grave, pois não se vislumbra qualquer explicação para o entendimento da "impossibilidade de avaliação" da Proposta e da sua "comparação" com as demais...
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Não se explica, logo, não se percebe, como é que, tendo todos os preços indicados, sem que haja qualquer divergência, se considera que é impossível avaliar a proposta em causa e compará-la com as demais.
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Assim, o suporte legal da exclusão da Proposta é manifestamente infundado, o que inquina a sentença (e o acto de adjudicação): a alínea c) do nº 2 do artigo 70º, para a qual se remete por força da alínea o) do art. 146º do CCP, não tem qualquer aplicação ao caso em apreço.
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Há, portanto, uma errada fundamentação jurídica e uma omissão que inquinam toda a sentença...
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