Acórdão nº 02252/07 de Tribunal Central Administrativo Sul, 12 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelCRISTINA DOS SANTOS
Data da Resolução12 de Maio de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

A A.......... - Associação .................. ................., com os sinais nos autos, inconformada com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, dela vem recorrer, como segue: 1. Resulta dos próprios termos da fundamentação da sentença que se errou na aplicação do Direito, essencialmente por erro nos pressupostos subjacentes a tal decisão. Senão vejamos.

  1. No essencial, a decisão negatória da pretensão da A. assenta em dois aspectos: a) ausência de direito subjectivo ou interesse legítimo susceptível de lesão; b) ausência de causa adequada; Assim, 3. Quanto ao primeiro aspecto, sustenta-se na sentença recorrida que a portaria prevista no art. 12° do DL n° 421/83 tinha em vista assegurar a adaptação do regime constante do diploma aos sectores de actividade em que vigoravam regimes especiais de trabalho prestado às empresas concessionárias de serviço público e às empresas públicas.

  2. Esta afirmação é em si mesma verdadeira, posto que foi essa a intenção inequívoca do legislador, conquanto criticável do ponto de vista dos princípios. Mas foi essa a solução escolhida e haveria que acatá-la.

  3. Todavia, antes de mais, havia (há) que enquadrá-la e contextualizá-la. O que, como adiante se verá, não foi feito na sentença e, por essa via, se errou nos pressupostos.

  4. Mais se afirma na sentença que a norma do art. 7°, n° l, do DL n° 421/83, não foi qualificada pelo STJ como regra legal injuntiva, no âmbito da acção intentada pela A., tendo em vista a interpretação da Cl. 27°, n° 6, do AE, pelo que a alegada lesão em 25% correspondente à remuneração horária por cada hora ou fracção suplementar subsequente à primeira hora, prestado em dia de trabalho normal, não corresponde à ablação de um direito que, em rigor, não existe na esfera jurídica dos associados.

  5. Com o devido respeito, não se compreende esta convocação da decisão negatória (Ac. STJ). Incompreensivelmente, na sentença fundamenta-se a decisão, ao menos parcialmente, a partir de uma outra decisão judicial - o raciocínio parece ser este: como o STJ não qualificou a norma como injuntiva, logo não há direitos na esfera dos trabalhadores, logo não é possível reconhecer aqui (na presente acção) a lesão de qualquer direito.

  6. Com todo o respeito, é inadmissível este fundamento da sentença, quer do ponto de vista formal quer do ponto de vista material.

  7. Afirma-se igualmente na sentença que, de todo o modo, a invocada omissão não corporiza a alegada lesão porquanto a portaria de adaptação a aprovar sempre teria o sentido de adaptar o regime geral às condições particulares do trabalho prestado em empresas operadoras de serviços públicos, o que não implicaria forçosamente a repetição mimética do disposto no art. 7°, n° l, do DL n° 421/83, ou seja, a remuneração em 75%, após a primeira hora ou fracção de trabalho suplementar, em dia normal de trabalho.

  8. Este excerto permite-nos reforçar a conclusão de que a sentença enferma de erro de apreciação, impondo que se efectue a contextualização anteriormente referida. Com efeito, com o DL n° 421/83, pretendeu o legislador - em clara defesa dos interesses do Estado, e em violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da imparcialidade, diga-se - proteger provisoriamente, temporariamente, as empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos, determinando que, ao invés do que impôs às empresas privadas, as normas do DL n° 421/83 relativas à remuneração horária do trabalho suplementar não eram imediatamente aplicáveis - outros tempos e outras vontades económicas.

  9. Foi essa a razão, pois, para que se determinasse, nas disposições transitórias (art.12°), que seria publicada a portaria de adaptação no prazo máximo de 3 meses, a qual apenas vigoraria por um ano.

  10. Clássico: um prazo de 3 meses para adaptar administrativamente o acto legislativo (o que, desde logo, permitiria questionar a sua conformidade constitucional), e um prazo de um ano de vigência de regras especiais, ditas de "adaptação", ao regime (do DL n° 421/83) que, a partir de então, vigoraria em todos os sectores de actividade, inclusive naqueles em operassem empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos.

  11. Só que a portaria nunca foi emanada, o regime geral nunca foi adaptado, e, pasme-se, as regras gerais imperativas (cuja possibilidade de derrogação sectorial tinha um prazo limitado) nunca foram aplicadas.

  12. Se por um lado a portaria deveria ter sido emanada no prazo máximo de 3 meses e, como sustentou o R., nunca poderia ter vigorado para além de 31MAR85, o que é certo é que a falta de emanação da portaria foi aproveitada pelo Estado, empresas públicas e concessionárias de serviços públicos para, com esse fundamento, não procederem - até 30NOV04 -, à aplicação das regras gerais e imperativas do art. 7° do DL n° 421/83.

  13. Tal circunstância é imputável aos trabalhadores representados pela A., ou a esta própria? Obviamente que não.

  14. Não se pode afirmar, por ausência de nexo, que a portaria de adaptação não seria forçosamente de teor idêntico, em repetição mimética, do art. 7°, n° 1. O que está aqui em causa não é, nem alguma vez foi, o teor da portaria de adaptação, outrossim a sua não emanação que serviu de desculpa, rectius, de fundamento à não aplicação do art. 7º, nº l, do DL nº 421/83 aos sectores acima referidos.

  15. Muito menos se pode trazer à colação a decisão do STJ no processo em que a A. foi parte, uma vez que os pressupostos são completamente diferentes e, pior que isso, a mesma não fazer caso julgado nos presentes autos. O que não invalida a sua invocação pela A. no intuito de "explicar" ao tribunal quais os antecedentes nesta matéria.

  16. Portanto, dos três argumentos invocados na sentença relativamente à ausência de direito subjectivo ou interesse legítimo dos trabalhadores, apenas resta um que, embora dele se discorde, é o único verdadeiramente relacionado com a questão subjacente - a portaria prevista no art. 12° do DL n° 421/83 tinha em vista assegurar a adaptação do regime constante do diploma aos sectores de actividade em que vigoravam regimes especiais de trabalho prestado às empresas concessionárias de serviço público e às empresas públicas.

  17. Como vimos, cabia ao Estado emanar a portaria de adaptação a fim de assegurar "a normalização da situação existente", e optou-se pela "adaptação da nova disciplina às características de tais sectores [através de portarias] que, no entanto, apenas vigorarão pelo tempo indispensável para que se criem condições que permitam a plena aplicação do regime agora instituído".

  18. Ao contrário do que se afirma na sentença, os trabalhadores adquiriram direitos ou, pelo menos, interesses juridicamente protegidos, com a entrada em vigor do DL n° 421/83 - o de auferirem uma remuneração horária por cada hora ou fracção suplementar subsequente à primeira hora, prestado em dia de trabalho normal, no valor de 75%.

  19. Todavia, esse seu direito foi conferido condicionadamente, ou seja, durante um período de tempo, por força da adaptação do sector às novas regras, o valor remuneratório seria diferente.

  20. E dependia da emanação da portaria de adaptação, e subsequente cessação da sua vigência, a integral produção de efeitos, sem limitações, das regras imperativas do DL n° 421/83.

  21. Só que o Estado, juiz em causa própria, leia-se, legislador em causa própria, nunca emanou a portaria com o deliberado intuito de protelar a situação, desprezando, pura e simplesmente, o comando que se havia auto-imposto.

  22. Ou seja, o direito dos trabalhadores existe, sempre existiu (desde a entrada em vigor do DL n° 421/83), mas ficou "refém" da emanação da portaria de adaptação que nunca se verificou.

  23. Só o Estado, aqui Réu, pode responder por isso, sob pena de ser duplamente beneficiado o infractor.

  24. E neste ponto argumentativo entroncamos na segunda vertente da decisão negatória: a suposta ausência de causa adequada.

  25. Sustenta-se na sentença que a diferença de 25% (entre o valor/horário de remuneração de 75% previsto na lei, e o valor de 50% previsto no AE a que a A. aderiu), e a falta de percepção desse valor pelos trabalhadores, não decorre da omissão de emanação da portaria de adaptação Outrossim da adesão ao AE pela A.

  26. Poderíamos quase afirmar que, para o Tribunal a quo, haverá aqui uma espécie de "consentimento do lesado"(?), de contribuição do lesado para a produção dos danos (?), de “venire contra factum proprium” (?).

  27. É certo que o Tribunal enquadrou a questão como falta de um dos pressuposto da responsabilidade civil - o nexo causal, segundo a teoria da causalidade adequada.

  28. No entanto, com o devido respeito, fá-lo, uma vez mais, de forma desenquadrada da realidade. A A., ao aderir ao AE, não fez com que os seus associados fossem excluídos da aplicação do regime geral, como se afirma na sentença.

    A adesão ao AE foi, precisamente, a forma de a A. evitar maiores danos aos seus associados.

  29. É que se assim não tivesse sido, nem os 50% de valor hora seriam pagos, uma vez que a concessionária invocaria, como sempre fez, a ausência de portaria de adaptação.

  30. O Estado, enquanto colectividade organizada política e administrativamente, não pode (não deve) comportar-se como se de qualquer inadimplente se tratasse.

  31. Já aqui dissemos que a omissão de regulamentação foi a pedra de toque para a não aplicação generalizada das normas imperativas do DL n° 421/83, e no caso da empregadora (.........) dos associados da A. em particular, apenas se tendo mitigado a lesão e os inerentes danos com a adesão ao AE.

  32. Mas remanesce a questão subjacente aos presentes autos - a diferença remuneratória, em 25%, configura um dano patrimonial dos associados da A., dano esse que tem como causa adequada a omissão da regulamentação a qual permitiria, ou, dito ao contrário, deixaria de constituir obstáculo à aplicação das regras imperativas do DL n° 421/83.

  33. Basta atentar no teor da fundamentação da sentença do STJ, assim como dos demais arestos citados na p.i. (vg., Ac...

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