Acórdão nº 1808/07.1TBFLG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Março de 2011
Magistrado Responsável | RAQUEL R |
Data da Resolução | 29 de Março de 2011 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO.
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“B… Lda.” propôs a presente acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária decorrente de contrato contra “L…, Lda” pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de €46.017,60, correspondente a €43.574,36 do remanescente do capital em dívida do preço do calçado discriminado nas facturas juntas de fls.13 a 25, fabricado e entregue pela Autora a pedido da Ré, acrescido de €2.443,24 de juros vencidos até à data da propositura da acção, bem como juros vincendos até efectivo e integral pagamento.
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A Ré contestou, invocando, no que agora releva, a existência de defeitos na mercadoria para si produzida pela Autora para a Ré, cujo valor monta a €42.750,00, o que determinou a respectiva recolha e remessa para Portugal onde aquela se negou a recebê-la, pelo que se impõe operar a compensação entre os dois créditos.
Em reconvenção, pediu a condenação da Autora a pagar-lhe a quantia de €4.879,00 correspondente ao valor pago pela Ré pelo armazenamento da mercadoria que devolveu e não foi recebida, acrescida de juros à taxa legal anual, vencidos desde a citação e, bem assim, da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, relativa aos custos de armazenamento.
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Após, a demandante, não aceitando a alegada existência de defeitos da mercadoria e o seu reconhecimento, invocou também a caducidade do eventual direito da Ré a reclamar os defeitos da mercadoria.
Impugnou a matéria do pedido reconvencional.
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Treplicou a Ré, sustentando que o disposto no artº917º do CC não tem aplicação ao caso porque o negócio não está concluído, já que não foi pago o preço acordado.
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Foi proferido despacho saneador e realizou-se audiência de discussão e julgamento.
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A final, veio a ser proferida sentença que: a) julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré no pagamento de €38.695,36, acrescidos de juros vencidos e vincendos, contados à taxa comercial, desde 15.01.2007 até efectivo e integral pagamento, absolvendo-a do remanescente pedido; b) julgando improcedente o pedido reconvencional, dele absolveu a Reconvinda/Autora.
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Inconformada, apelou a ré, concluindo nos seguintes termos: I. Do conjunto da prova posta à disposição do Tribunal a quo e produzida na audiência, nomeadamente a resultante quer da prova pericial, quer da prova documental, quer da prova testemunhal, decorre à evidência o errado julgamento da matéria de facto vertida no Quesito 2º da Base Instrutória; II. Pelas razões expendidas no ponto B.1, para as quais, por brevidade, se remete, deve alterar-se a resposta ao quesito 2º da Base Instrutória, nos seguintes termos: III. O relatório pericial é claro ao afirmar: “A bota cinzenta possui um perímetro de cerca de 296 mm na parte inferior em que dobra para o peito do pé. A bota preta possui um perímetro na mesma zona de cerca de 303 mm”.
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Todas as testemunhas, quer as da Autora quer as da Ré foram unânimes ao afirmar que as botas com a referência Lisha encomendadas pela Ré à Autora eram exactamente iguais apenas diferindo na cor, sendo uma preta e outra cinzenta.
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Todas afirmaram que a Ré encomendou uma bota exactamente igual, feita com os mesmos moldes ou formas e que, por isso, deveriam ter as mesmas medidas e apenas tinham cores diferentes.
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Do relatório pericial efectuado podemos ver que a bota cinzenta tem menos 7 milímetros do que a bota preta.
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De acordo com o depoimento das testemunhas M… e F…, já transcritos, a diferença de um número para o outro, superior ou inferior, é de aproximadamente 5 a 6 milímetros.
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Ou seja, o número 37 na bota cinzenta era do tamanho de um 38 na bota preta.
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Daí que se entenda que ficou provado que “A mercadoria referida em D apresentava defeitos, nomeadamente, o tamanho era incorrecto e muito apertado, e a cor era diferente daquela que tinha sido encomendada e da que tinha a amostra apresentada pela autora à ré?”.
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E, assim sendo, por tudo quanto se deixou dito e ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 712.º do CPCiv., esse Venerando Tribunal pode – e deve – alterar a resposta dada pelo Tribunal a quo e considerar “provado” o quesito 2º da Base Instrutória.
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Mercê da correcção que se impõe quanto à matéria de facto, a solução jurídica dada à questão sub judice fica naturalmente comprometida, por ser evidente o seu desacerto.
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Assim, terá de considerar-se que as botas Lisha de cor cinzenta apresentavam os defeitos enunciados no quesito 2º e, conjugado tal quesito com a resposta dada aos quesitos 3º e 4º, dúvidas não poderão restar que a Apelada reconheceu os defeitos e aceitou a devolução de tal mercadoria.
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Em face disso deve a acção ser julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.
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Na reconvenção deduzida a Ré pediu fosse a Autora condenada a pagar-lhe a quantia de €4.879,00 resultante dos custos de armazenamento das botas em Portugal até 17/08/2007, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento e, bem assim, a condenação da Autora a pagar-lhe os custos de armazenamento desde 17/08/2007 até final, relegando-se para execução de sentença o seu montante final.
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Concluiu que a “a Reconvinda deve ser condenada no pagamento à Reconvinte da quantia de € 4.789,00, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento e, bem assim, da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa aos custos de armazenamento”.
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O Mº Juiz a quo não se pronunciou sobre este pedido, nomeadamente sobre o pagamento dos custos de armazenamento posteriores a Agosto de 2007, a liquidar em execução de sentença.
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Entendeu o Mº Juiz a quo que quanto aos custos de armazenamento a solução deveria ser no sentido de responsabilizar a Autora pelo seu pagamento.
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Na verdade, refere que a Autora aceitou expressamente receber a mercadoria nas suas instalações e depois recusou cumprir a obrigação assumida e dado que não que não havia fundamento para a Autora recusar o cumprimento da obrigação que assumiu, tornou-se responsável pelo prejuízo que desse incumprimento adveio à Ré, ou seja, pelo pagamento do valor de €4.879,00 correspondente ao armazenamento da mercadoria em Portugal, suportada pela Ré.
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Mas não se pronunciou sobre os custos de armazenamento posteriores a Agosto de 2007 e que a Ré / Reconvinte tinha peticionado.
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Houve assim omissão de pronuncia porquanto o Mº Juiz a quo deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar.
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Tal facto, nos termos do disposto no artº 668º, nº 1, al. d) gera a nulidade da Sentença, que aqui expressamente se requer.
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Todas as decisões judiciais carecem de ser devidamente fundamentadas, tratando-se, este, de um princípio geral inscrito no C.P. Civil a propósito dos actos dos magistrados.
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Os actos dos...
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