Acórdão nº 476/09.0PBBGC.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelEDUARDA LOBO
Data da Resolução13 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 476/09.0PBBGC.P1 1ª secção Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Colectivo que corre termos na 1ª Vara Criminal do Porto com o nº 476/09.0PBBGC, foi submetido a julgamento o arguido B…, tendo a final sido proferido acórdão depositado em 01.07.2010 que condenou o arguido como autor material de um crime de violação p. e p. no artº 164º nº 1 do C.Penal, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova. Foi ainda o arguido condenado a pagar à assistente/demandante C… a quantia de € 30.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Inconformados com a decisão condenatória, dela vieram o Ministério Público, a assistente e o arguido interpor recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: A) Recurso do Ministério Público: ……………………………… ……………………………… ………………………………* *III – O DIREITO Tendo sido documentada a prova produzida em audiência de julgamento, os poderes de cognição deste tribunal abrangem a matéria de facto e de direito (art.º 428.º do C.P.P.).

No entanto, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].

Pese embora a ordem por que foram apresentados os requerimentos de interposição de recurso - sendo o do arguido apresentado em último lugar -, determinasse a respectiva ordem de apreciação neste Tribunal, impõe-se que se dê preferência ao recurso do arguido, na medida em que a sua eventual procedência, designadamente quanto à impugnação da matéria de facto, poderá tornar inútil o conhecimento dos restantes.

No requerimento de interposição de recurso, o arguido impugna a forma como o tribunal recorrido efectuou a apreciação da prova produzida em julgamento, alegando que o depoimento da assistente (com base no qual o tribunal recorrido alicerçou essencialmente a sua convicção) apresenta discrepâncias e contradições que lhe retiram credibilidade, e que o mesmo conflitua com o depoimento prestado pelo pai e pela mãe da assistente, que foram as primeiras pessoas com as quais aquela contactou, e de imediato, após ter saído do consultório do arguido.

É sabido que a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.

No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[3].

No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P.Penal.

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente. O recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa[4].

Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.Penal: «3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.» A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.). É nesta exigência que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º4.

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008[5], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: - a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações; - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso; - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º][6].

Como se constata da leitura quer da motivação, quer das conclusões do recurso, o recorrente cumpriu escrupulosamente o regime prescrito nos n°s 3 e 4 do citado preceito legal.

Alega o recorrente que a divergência entre a versão constante da acusação e a que foi “vazada” no acórdão recorrido, “deixa a descoberto errâncias e devaneios da assistente, que socavam, de modo irreparável, a credibilidade do seu depoimento”.

Ora, como vem sendo entendido de modo uniforme pela jurisprudência dos tribunais superiores: “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”[7].

Consequentemente, a crítica à convicção do tribunal a quo sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção do Recorrente sobre a prova produzida.

Efectivamente, o julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”[8].

Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.

Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade[9].

Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias[10] “a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o...

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