Acórdão nº 01910/09.5BEPRT-A-B de Tribunal Central Administrativo Norte, 01 de Abril de 2011
Magistrado Responsável | Rog |
Data da Resolução | 01 de Abril de 2011 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: O Município do Porto veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 9 de Dezembro de 2010, a fls. 871 e seguintes, pela qual foram declarados ineficazes os actos de execução material praticados pela contra-interessada J. …, L.da. na pendência do pedido de suspensão deduzido pelos ora recorridos, A… e outros.
Invocou para tanto que a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação ao caso concreto, o disposto no artigo 128º, n. 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, no artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo, e no artigo 102º, n.º1, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, na interpretação imposta pelo artigo 272º da Constituição da República Portuguesa.
J. …, L. da apresentou recurso autónomo mas essencialmente com os mesmos fundamentos.
Os Requerentes, ora Recorridos, A… e outros, contra-alegram defendendo a manutenção da decisão recorrida.
O Ministério Público neste Tribunal não emitiu pronúncia sobre os recursos.
*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
*São estas as conclusões das alegações do primeiro recurso jurisdicional e que definem respectivo objecto: 1. O douto despacho em apreço viola o disposto no artigo 128.º do CPTA, artigo 9.º do Código Civil, artigo 102.ºdo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), 3.º do Código de Procedimento Administrativo, artigos 2.º, 3.ºe n.º 2 do artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa.
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A questão a decidir no âmbito deste incidente era a de saber se por força do disposto no artigo 128.º do CPTA o Município do Porto tinha o poder/dever de, recebido duplicado do requerimento inicial, embargar a obra licenciada pelo acto suspendendo, caso a contra-interessada não suspendesse a sua execução.
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Mais concretamente, se o embargo poderia ser incluído no dever emergente do n.º 2 do artigo 128.º do CPTA de a autoridade requerida impedir que “os interessados procedam ou continuem a proceder à execução do acto”.
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O despacho recorrido fez uma errada aplicação do artigo 128.º do CPTA ao julgar procedente o incidente deduzido pelos Recorridos, tendo considerado que a entidade requerida, ora Recorrente, “não cumpriu com o dever de proibição que sobre ela impende”.
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O Tribunal a quo fundamenta a sua decisão nos seguintes termos: 6. “Por outro lado, já ficou bem patente nos autos [pese embora em momento processual anterior] a convicção deste Tribunal [no sentido] de que o dever que impende sobre a autoridade requerida em relação aos contra-interessados não se esgota com a simples notificação destes nos termos do artigo 128.º, n.º 2 do CPTA, antes exigindo-se que esta diligencie no sentido do acatamento por parte dos apontados contra-interessados da apontada proibição de execução, nem que para tal tenha de socorrer-se a medidas de fiscalização de tutela da legalidade urbanísticas, tais como o embargo da obra, pois só assim faz sentido o dever de impedir a execução e/ou continuação da execução do acto suspendendo previsto no n.º 2 do artigo 128.º do CPTA.” (sublinhado nosso).
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As notas de rodapé não são consideradas parte decisória ou sequer fundamentação de qualquer decisão despacho ou sentença do Tribunal.
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O douto despacho recorrido assenta unicamente na convicção do Tribunal a quo de que o artigo 128.º n.º 2 do CPTA exige que o Município do Porto diligencie no sentido do acatamento por parte da contra-interessada da proibição de execução, nem que para tal tenha de socorrer-se a medidas de fiscalização de tutela da legalidade urbanísticas, tais como o embargo da obra, “pois só assim faz sentido o dever de impedir a execução e/ou continuação da execução do acto suspendendo previsto no n.º 2 do artigo 128.º do CPTA.
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Dispõe o artigo 9.º do Código Civil que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstruir, a partir do texto o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições do tempo em que é aplicada.
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O despacho recorrido ao fazer a interpretação do alcance do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 128.º do CPTA fez uma interpretação que não tem na letra da lei o mínimo de correspondência e ignora por completo a unidade do sistema jurídico, violou o artigo 9.º do Código Civil.
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Conforme resulta da epígrafe e da letra do n.º 1 do artigo 128.º o que este preceito determina a proibição da autoridade administrativa “executar o acto administrativo”.
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Pelo simples efeito da citação para uma providência cautelar de suspensão da eficácia do acto a entidade requerida fica impedida de o executar, até que seja decidida a providência em questão, sendo que o acto suspendendo continua válido e eficaz.
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O Município do Porto não praticou qualquer acto ou operação material de execução do acto suspendendo.
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Apenas se e quando fosse decretada a providência cautelar requerida de suspensão de eficácia do acto é que os efeitos do acto de licenciamento em questão estariam suspensos.
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Um entendimento contrário – como o que resulta, na prática, do despacho recorrido – levaria a que a proibição de executar o acto tivesse os mesmos efeitos que o decretamento de uma providência cautelar, ao arrepio das mais basilares regras do Direito e do ordenamento jurídico em vigor, porquanto operaria ope legis, sem qualquer exercício do direito ao contraditório, o que seria manifestamente ilegal e inaceitável.
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Atenta a natureza do acto suspendendo emitido pelo Recorrente só a Contra-Interessada poderia evitar prosseguir com a construção da obra em apreço.
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Na verdade, a intervenção do Recorrente esgotou-se na emissão do alvará que titula o acto de licenciamento, não ficando a sua execução dependente da prática de qualquer acto – jurídico ou material - por parte deste.
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Trata-se de um acto instantâneo no que ao Recorrente se refere.
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O exercício do direito de edificar pelo particular depende de um acto administrativo prévio de controlo da legalidade e da oportunidade da operação urbanística em causa, pelo que um acto administrativo que como o acto suspendendo licencia uma operação urbanística permite ao particular exercer o seu direito de construir.
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A construção da obra licenciada pelo acto suspendendo por parte da Contra-Interessada consubstancia um exercício de um direito próprio desta e não depende de qualquer actuação/execução por parte do Município do Porto.
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Os efeitos do n.º 1 do artigo 128.º são apenas os de não se poder “iniciar ou prosseguir a execução do acto”, pelo que o acto de licenciamento da construção continua a existir, plenamente válido e eficaz, apenas sendo automática a suspensão da sua execução.
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Não estamos, portanto, perante uma situação de suspensão provisória dos efeitos/eficácia do acto admissível apenas nos termos do artigo 131.º do CPTA, que impusesse ao Município outro tipo de actuação.
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Recorrido só poderia ordenar o embargo da obra em apreço nos casos expressamente previstos no n.º 1 do artigo 102.º do RJUE.
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O acto de embargo é um acto cujos pressupostos e requisitos são vinculados, isto é, encontram-se taxativamente previstos na lei.
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Nem de outro modo poderia ser pois que o embargo, enquanto medida de polícia urbanística consagrada no RJUE tem de respeitar o princípio da reserva de lei e da tipicidade, nos termos do artigo 272.º da Constituição da República Portuguesa.
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Estando o acto de licenciamento da construção válido e eficaz, Município do Porto não poderia, com fundamento nas citadas alíneas do artigo 102.º do RJUE, ordenar o embargo da obra em apreço, pois a Contra-interessada continua a dispor de um acto de licenciamento para a obra em questão, que o Município do Porto reputa como plenamente válido, à luz das disposições legais que lhe são aplicáveis.
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A este propósito cumpre citar ANDRÉ FOLQUE: “O embargo, verdadeiro acto administrativo impositivo de um dever de non facere, justifica-se por um de três motivos taxativamente enumerados no artigo 102.º, n.º 1: ou por se verificar que a obra é clandestina (sem licença ou autorização)) ou por estar a ser executada ao arrepio dos projectos aprovados e das condições estipuladas ou ainda por violar norma legal ou regulamentar aplicável.” 28. Tendo em conta o que vem dito, não pode confundir-se a proibição do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA de “não iniciar ou prosseguir a execução” do acto, com o decretamento de uma providência cautelar, essa sim apta a verdadeiramente suspender os efeitos/eficácia do acto de licenciamento da obra.
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Interpretar o n.º 1 do artigo 128.º no sentido de que com a simples interposição de uma providência cautelar de suspensão de eficácia de um acto administrativo fica suspensa a sua eficácia, logo que recebido o duplicado do requerimento inicial pela Administração, é atribuir a este preceito legal um alcance que o Legislador manifestamente não pretendeu, pois que é atribuir, na prática, ao n.º 1 do artigo 128.º do CPTA os mesmos efeitos que se logram obter através do decretamento provisório de uma providência.
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O despacho recorrido ao impor ao Município do Porto que ordene o embargo da obra em apreço, ao abrigo do disposto no artigo 128.º do CPTA, é ostensivamente ilegal.
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Como se viu, ao impor que o Município do Porto cumpra o dever que para si resulta do n.º 2 do artigo 128.º “tenha de socorrer-se a medidas de fiscalização de tutela da legalidade urbanísticas, tais como o embargo da obra” para é também inconstitucional, por impor que o Recorrido exerça uma medida de polícia urbanística para um fim diferente daquele para o qual foi consagrada e à revelia dos seus pressupostos legais, tudo em violação dos artigos 2.º, 3.º e n.º 2 do artigo 272.º da CRP.
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Nem do n.º 2 do artigo 128.º, nem do artigo 102.º do RJUE, decorre qualquer poder/dever para o Município do Porto que o habilitem, na situação em apreço nos presentes autos, a...
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