Acórdão nº 029/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelANTÓNIO MADUREIRA
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. Relatório Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1.1.

    A Associação Nacional de Farmácias interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte e contra o Estado Português, na qual pediu a condenação dos Réus a pagarem-lhe: (i) os juros de mora relativos ao atraso no pagamento dos medicamentos e produtos dietéticos fornecidos pelas farmácias suas associadas aos utentes do Serviço Nacional de Saúde; (ii) o imposto do selo por ela pago na obtenção do crédito a que teve de recorrer para efectuar os pagamentos a essas farmácias que os Réus não efectuaram no devido tempo.

    Tendo desistido do pedido relativamente aos juros e sido homologada essa desistência, a acção foi julgada improcedente, por sentença de 4/5/2010 (fls 1160-1183 dos autos), relativamente ao pagamento da importância respeitante ao imposto do selo.

    Com ela se não conformando, a Autora interpôs o presente recurso, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões: 1. A Recorrente interpôs o presente recurso da sentença, a qual julgou a acção improcedente, por não provada e absolveu os Réus do pedido formulado pela A.

  2. Nos termos do n.º 1 do artigo 17º da versão inicial do Acordo (1988) a Recorrente deveria apresentar a cada Administração Regional de Saúde até ao dia 5 de cada mês, uma factura global dos fornecimentos efectuados pelas farmácias suas associadas no penúltimo mês. No n.º 3 do mesmo preceito estabelecia-se que cada Administração Regional de Saúde deveria pagar à Recorrente o montante da factura global até ao dia 10 do mês da sua apresentação. Significa isto que o prazo de pagamento era, portanto, de quarenta dias.

  3. Nos termos do artigo 1º da alteração ao Acordo (1997) o prazo de pagamento dos Recorridos à Recorrente foi alargado de quarenta para setenta dias, ou seja, quase o dobro. Ou seja, por via da alteração ao Acordo os Recorridos ficaram obrigados a efectuar à Recorrente o pagamento pelo fornecimento de medicamentos e de produtos dietéticos no prazo de 70 dias, a contar da apresentação das facturas. A cláusula 6ª da alteração ao Acordo preceituou que a partir do mês de Fevereiro de 1997, inclusive, o Ministério da Saúde assumia o compromisso de pagar todos os meses o valor integral do mês de facturação que fosse devido.

  4. Foi num espírito de franca cooperação com o Estado e com o Serviço Nacional de Saúde que a Recorrente assumiu a obrigação de adiantar às farmácias suas associadas os pagamentos devidos pelo fornecimento de medicamentos e de produtos dietéticos aos utentes do SNS. O prazo de pagamento do Serviço Nacional de Saúde à Recorrente, através dos Recorridos, foi inicialmente de 40 dias tendo sido alargado em 1997 para 70 dias, o que, demonstra a boa-fé e a postura de colaboração assumida pela Recorrente.

  5. As importâncias relativas ao fornecimento de medicamentos e de produtos dietéticos por parte das farmácias aos utentes do Serviço Nacional de Saúde, que eram adiantadas pela Recorrente às farmácias suas associadas, eram bastante elevadas, exigindo uma alta liquidez por parte desta.

  6. O reembolso de capital devido à Recorrente era efectuado com muito tempo de atraso, chegando tal atraso a atingir mais de um ano relativamente a algumas facturas. Portanto, a Recorrente viu-se inevitavelmente forçada a recorrer ao crédito bancário, pois não dispunha de capital próprio para poder continuar a cumprir a sua parte no Acordo, efectuando os pagamentos às farmácias suas associadas. O que implicou necessariamente o crescimento dos encargos bancários, designadamente a título de Imposto de Selo.

  7. De facto, resulta evidente e lógico, que se a Recorrente sempre pagou às farmácias dentro dos prazos estabelecidos no acordo com o Serviço Nacional de Saúde, quando os Recorridos não respeitavam esse prazo e acumulavam dívida vencida, tinha necessariamente que recorrer a financiamento bancário, pagando consequentemente juros e Imposto de Selo, para suportar essa dívida vencida.

  8. Só em virtude dos atrasos nos pagamentos verificados por parte dos Recorrentes houve necessidade de recorrer ao crédito bancário, já que, se estes pagassem à Recorrente dentro do prazo estabelecido, esta não teria necessidade de recorrer ao financiamento bancário e de suportar os encargos correspondentes, designadamente, o custo do Imposto de Selo. Nos termos da Tabela Geral do Imposto de Selo (actualmente, nos termos do artigo 17º), o recurso ao crédito bancário implica o pagamento de Imposto de Selo na proporção de 0,5% sobre o capital mutuado.

  9. Também o Imposto de Selo é indubitavelmente devido nos termos das cláusulas 7ª e 8ª do Acordo, incluindo as alterações introduzidas em 1997. Com efeito, a alteração ao Acordo não previa que a situação de atrasos no pagamento por parte dos Recorridos à Recorrente fosse sistemática – até porque tal jamais esteve na vontade conjectural das partes - de modo a obrigar esta última a recorrer frequentemente ao crédito bancário, o que necessariamente implicou o pagamento do Imposto de Selo.

  10. Portanto, é normal que as partes, ao celebrarem a alteração ao Acordo, não tivessem previsto a necessidade de pagamento de Imposto de Selo, já que não se previa que a Recorrente tivesse que socorrer-se do mesmo para fazer face aos longos e repetidos atrasos no pagamento das facturas por parte dos Recorridos.

  11. Se o Imposto de Selo não for ressarcido à Recorrente, os Recorridos estariam a financiar-se à custa da primeira e esta estaria a suportar indevidamente os montantes devidos às farmácias pelo fornecimento de medicamentos aos utentes do Serviço Nacional de Saúde (dado que é ao Estado que compete assegurar esse pagamento), o que representaria um enriquecimento sem causa dos Recorridos, porquanto o Imposto de Selo, indevidamente suportado pela Recorrente e não reembolsado pelos Recorridos, reverte para o Estado, o qual é parte contratante do Acordo! 12. Os custos com o Imposto de Selo estão necessariamente abrangidos pelo Acordo, pois, de outra maneira, a Recorrente estaria a aceitar suportar um custo que não era de sua responsabilidade mas sim da responsabilidade dos Recorridos, e que, ainda para mais, representa uma receita para o próprio Estado.

  12. Não pode aceitar-se de modo nenhum que a Recorrente venha a ser prejudicada por ter assumido uma postura de auxílio e franca cooperação com o Estado no fornecimento de medicamentos aos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Mais do que isso, é contrário aos mais elementares princípios da boa-fé, vertidos no artigo 762.º n.º 2, que os Recorrentes, pelas suas condutas de atraso nos pagamentos à Recorrida, se venham a enriquecer com o seu próprio atraso, por via do embolso do valor correspondente ao Imposto de Selo.

  13. É óbvio que não é a Recorrente a beneficiária da operação de financiamento bancário, mas sim os Recorridos, pelo que, são estes as únicas entidades responsáveis pelo pagamento do Imposto de Selo. De facto, a entidade com interesse económico na concessão são apenas e tão-somente os Recorridos e nunca a Recorrente, como é óbvio, pois em última análise são os primeiros os únicos que beneficiam com a concessão do crédito! 15. De notar que, os Recorrentes pagaram Imposto de Selo relativamente ao ano de 2001, por força de aumentos de plafond de crédito (ao abrigo da Tabela de Imposto de Selo instituída pelo Orçamento de Estado para 2000), em decorrência directa dos seus atrasos nos pagamentos e mesmo o Imposto de Selo incidente sobre os juros foi sempre pago pelos Recorrentes desde o início de vigência do Acordo, sem qualquer objecção.

  14. Se os atrasos no pagamento das facturas não fossem constantes e sistemáticos, mas apenas eventuais, a dívida não se tornaria cada vez mais elevada, atingindo proporções extremas e, portanto, a Recorrente não teria que recorrer ao crédito bancário e consequentemente suportar o Imposto de Selo devido.

  15. As quantias devidas a título de imposto, as datas de interpelação para pagamento destas quantias, bem como os montantes de dívida atingida encontram-se pormenorizadamente descritos na Petição Inicial. Tudo conforme artigos 245º a 271º da Petição Inicial e Docs. n. ºs 202 a 259 juntos com esta.

  16. Verificou-se uma utilização abusiva por parte dos Recorridos do Acordo para obtenção de financiamento por parte da Recorrente. Tanto assim é, que ao longo dos tempos se registou uma propensão generalizada por parte dos Recorrentes para gastar cada vez mais dinheiro e pagar cada vez menos a sua dívida, não obstante a existência de orçamentos suplementares atribuídos ao Ministério da Saúde, sendo certo que os pagamentos efectuados à Recorrente não atingiam o valor orçamentado.

  17. O artigo 798.º do Código Civil estabelece o princípio geral de que o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Ora, no caso em apreço, é indubitável que a oneração da Recorrente com o pagamento do Imposto de Selo constitui um prejuízo, prejuízo esse causado pelos Recorridos (devedores). Daí que, não obstante tal pagamento não estar previsto contratualmente, o mesmo será devido, de acordo com o referido princípio geral.

  18. A propósito da interpretação da declaração negocial é aplicável o artigo 236º, sendo que a vontade real das partes era que não se verificassem atrasos constantes no pagamento, mas apenas e tão-somente a título excepcional, tendo por esse motivo o prazo de pagamento sido alargado para quase o dobro. Ora, as partes previram apenas a possibilidade de um atraso eventual e como tal limitaram-se a estabelecer a consequência da verificação deste atraso excepcional, não tendo configurado a hipótese de atrasos sistemáticos e repetidos. Ainda que existisse alguma dúvida sobre o sentido literal da declaração, sempre seria aplicável o artigo 237.º que, para os casos duvidosos, estabelece a prevalência, nos negócios...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT