Acórdão nº 027/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Fevereiro de 2011

Magistrado ResponsávelALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Tribunal dos Conflitos: 1.

1.1. A… S.A., com sede na Rua …, Torre …, piso …, Letra J, em Lisboa, propôs nas Varas Cíveis de Lisboa, 8ª Vara - 2ª Secção, acção judicial declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra o Município de Lisboa, pedindo a sua condenação ao pagamento de quantia monetária alegadamente correspondente ao preço de trabalhos realizados no âmbito do concurso público denominado Concurso 2 - Fase B/Venda de lotes 1, 2, 3 e 4 da Zona Central de Chelas.

Para o efeito, articulou, nomeadamente: “ […] 8° Pelas deliberações (n.º 305/96 de 26 de Junho e 320/96 de 10 de Julho e 72/96 de 18 de Julho) veio a Câmara Municipal de Lisboa lançar um concurso público denominado Concurso 2 - Fase B/Venda de lotes 7, 2, 3 e 4 da Zona Central de Chelas (adiante designado concurso)[…] […] 10º O objecto do concurso consistia na venda dos lotes 1 a 4 da Quadra Central de Chelas.

  1. O preço a pagar pelo vencedor do concurso seria efectuado nos seguintes termos:

  1. O essencial do preço através da dação em cumprimento, pelo adjudicatário-adquirente - os ora autores - de um bem futuro, a saber as obras de prolongamento da Avenida Estados Unidos da América em Lisboa, desde a Rotunda da Bela Vista, até à Avenida Infante D. Henrique, obras complementares e envolventes, tal como definidas no n.º 2.1.2 do Caderno de Encargos e demais documentação contratual; b) Restante do preço seria pago em dinheiro […] 12° As referidas obras seriam projectadas e construídas pelo vencedor do concurso em regime de concepção/construção obedecendo ao caderno de encargos e Programa de Concurso […] […] 15° Os autores, associados em consórcio, vieram a vencer o referido concurso com a sua proposta […] 16° Na sequência da deliberação de adjudicação proferida pela ré em 26/02/1997, foi celebrado entre a ré e os autores, em 25/5/1997, um contrato de promessa de compra e venda dos lotes 1 a 4 da Quadra Central de Chelas […] 17º O preço total a pagar pelos autores pelos lotes 1 a 4 da Quadra Central de Chelas foi fixado em € 27.670.813,34 (o que corresponde, à taxa legal em vigor, ao valor de PTE 5.547.500.000$00), os quais seriam pagos nos seguintes termos conforme supra referido em 11°: a) € 26.242.754,96 (o que corresponde ao valor de PTE 5.261.200.000$00) através da dação em cumprimento das obras de prolongamento da Avenida Estados Unidos da América em Lisboa, desde a Rotunda da Bela Vista, até à Avenida Infante D. Henrique, obras complementares e envolventes, tal como definidas no nº 2.1.2 do Caderno de Encargos e demais documentação contratual; b) € 1.428.058,38 € (o que corresponde, a PTE 286.300.000$00) em numerário, quando da recepção das obras. […] […] 35º Por comunicação datada de 25/01/1999 a ré determinou - por instruções expressas do Presidente da Câmara Municipal - que os autores realizassem os trabalhos complementares aos inicialmente previstos, para assegurar a ligação da rede viária em construção à rede interna de Chelas (pedonal e viária […] […] 41° Em 28/06/1999 a ré informou os autores que os trabalhos referidos na comunicação de 25/01/1999 (cfr. supra artigo 35°) seriam executados no âmbito do contrato de promessa de compra e venda como “(...) trabalhos complementares indispensáveis ao funcionamento adequado do sistema e serão liquidados neste âmbito, devendo ser apresentado o auto de medição com anterior metodologia” […] […] 60° Em 22 de Março de 2001 a ré emitiu declaração confirmando que as contraprestações da autora no âmbito do contrato de promessa de compra e venda (quadra central de Cheias) estavam cumpridas […].

    […] 65º Por comunicação interna datada de 16/05/2001 veio o director Municipal de Infra-estruturas e Saneamento a informar o directo do DPPC que os trabalhos complementares autorizados pelo Presidente do município ascendem a € 2.307.705,68 IVA (o que corresponde a PTE 462.653.451500) - trabalhos referidos nos supra artigos 39° a 43° […].” […] 156º A ré incumpriu a sua contra prestação no contrato estabelecido com os autores.

    157º E incumpriu pois em face da alteração da base do negócio que constituía a contraprestação da autora para com a ré, com o consequente aumento de valor da obra a mesma não pagou a diferença de valor que era devido e reclamado pelas autores.

    158° Nem tão pouco se pronunciou quanto ao mesmo valor, o que apenas pode ser [ido como aceitação do mesmo em face das inúmeras insistências dos autores para com a ré.

    159° Mais incumpriu, pois pediu trabalhos complementares.

    160º Aprovou os mesmos e o seu orçamento.

    161° Mandou executar.

    162° E confrontada com o pedido de pagamento, aceita o valor mas não paga.

    163° Em jeito de conclusão final a questão resume-se, apesar da já longa petição, a um caso de não pagamento do que é devido no âmbito de um contrato sinalagmático como é o caso, onde por todos e reconhecido que os autores efectuaram a sua contraprestação no mesmo de forma exigida pela ré”.

    1.2. O demandado contestou e suscitou, desde logo, a incompetência absoluta do Tribunal, por entender que o pedido formulado se radica num contrato administrativo o qual cumpre ser apreciado pela jurisdição administrativa.

    1.3. No saneador, foi proferido despacho a julgar procedente a excepção de incompetência absoluta arguida pelo réu, e foi este absolvido da instância.

    1.4. A autora não se conformou e interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

    1.5. Por acórdão daquele Tribunal (fls. 686-704), foi negado provimento ao recurso.

    1.6. De novo discordou a autora, interpondo recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, em cujas alegações concluiu: “1. Os interesses que estão subjacentes ao presente recurso de REVISTA EXCEPCIONAL assumem uma particular relevância social e jurídica, justificando a apreciação desta questão para uma melhor aplicação do direito, em primeiro lugar, porque os municípios celebram milhares de contratos com empresas/particulares, muitos dos quais não obedecem, por vontade das partes, à ambiência do direito administrativo, prevendo-se, por isso, que a questão aprecianda surja repetidamente, atenta a natureza do ente público subscritor do acordo; em segundo lugar, porque, é relativamente frequente a remissão para o disposto no DL 405/93, de 10 de Dezembro (ou legislação anterior ou posterior sobre o tema), nos contratos de empreitada de obras particulares, pelo que, urge esclarecer o alcance da mesma, quando surja em circunstâncias como a presente. É, por isso, manifesta a pertinência e admissibilidade processual da presente revista excepcional; 2. Ao decidir como decidiu, o Acórdão incorreu, s.m.o., numa errada interpretação e aplicação do comando legal ínsito na alínea f) do art.° 4.º do ETAF, podendo, resumidamente, elencar-se da seguinte forma os argumentos em que as Recorrentes fundam o recurso do Acórdão:

  2. A acção que opôs as Recorrentes à Recorrida funda-se, e tem como configuração do pedido, a responsabilidade contratual; b) Recorrentes e Recorrida não celebraram um contrato de empreitada de obras públicas, mas sim uma compra a venda, como consta do objecto da oferta púbica de contratação lançada; c) A estarmos perante um contrato de empreitada de obras públicas - o que não se admite - sem a preexistência de concurso público ou forma de escolha do contratante ao abrigo de disposições de direito público e com absoluta ausência e preterição das formalidades exigíveis ao caso, padeceria o mesmo de nulidade insanável; d) O lançamento e coordenação do concurso foram realizados pela empresa B…, a qual, à data dos factos e como amplamente divulgado, fugia à disciplina pública (terá sido esse o incentivo para a forma de contratação escolhida); e) Os trabalhos realizados a mais e os trabalhos complementares tiveram como origem directa e intrínseca o contrato promessa e o contrato definitivo de compra e venda dos lotes, não existindo assim um contrato de empreitada de obras públicas; f) Para decidir a matéria da excepção da incompetência absoluta, o Tribunal deveria ter considerado a factualidade emergente dos articulados, isto é, o que foi alegado como “causa petendi” e, também o pedido formulado pelas Recorrentes. O que não sucedeu, s.m.o.; g) O contrato celebrado entre as partes é um contrato de direito privado e já não um contrato de direito administrativo, porquanto: 1. A deliberação de contratar da Recorrida constituiu um acto de direito privado e não um acto administrativo definitivo e executório; 2. Não constava do anúncio ou do programa do concurso, nem do contrato promessa e da escritura, que o mesmo seria regido por normas de direito administrativo; 3. Não está em causa um litígio emergente de uma relação jurídico-administrativa; 4. A relação estabelecida entre Recorrentes e Recorrida é uma relação jurídico-privada; 5. O contrato em apreço não teve como efeito a constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídico-administrativa; 6. O concurso foi lançado pela empresa B… e não pela Recorrida; 7. A Recorrida nunca actuou com ius imperii; 8. A Recorrida na negociação, celebração e execução do contrato não actuou com poderes de...

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