Acórdão nº 0947/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | RUI BOTELHO |
Data da Resolução | 08 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório B…, com melhor identificação nos autos, vem recorrer da sentença do TAC de Lisboa, de 1.2.10, que julgou improcedente a acção para reconhecimento de um direito que interpôs contra o DEPARTAMENTO PARA OS ASSUNTOS DO FUNDO SOCIAL EUROPEU (DAFSE) - actualmente Conselho Directivo do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu, I.P. (IGFSE) - pedindo a sua condenação no pagamento da quantia 39.355.916$00 Escudos.
Terminou a sua alegação apresentando as seguintes conclusões: A. O presente recurso vem interposto da sentença datada de 1 de Fevereiro de 2010 que julgou a acção instaurada pelo Autor totalmente improcedente.
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O processo tem por objecto a obtenção do pagamento das quantias devidas pelo DAFSE ao Recorrente em virtude das contribuições atribuídas à sociedade C… no âmbito do Fundo Social Europeu, pretendendo o Recorrente o reconhecimento desse Direito e a consequente condenação do DAFSE no pagamento das quantias devidas função do contrato de cessão de créditos celebrado entre o Autor e a C… em 18 de Dezembro de 2001.
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O valor em dívida reclamado corresponde ao montante exacto que foi cedido ao Autor pela C… através do contrato de cessão de créditos efectuado entre ambos, ou seja: (iv) 11.095.464$00 correspondentes aos montantes não pagos e relativos aos apoios não concedidos nas acções de formação 860156/19 e 860214/P3 realizadas em 1986; (v) 27.328.296$00 correspondentes a juros de mora pelo não pagamento atempado do montante referido no número anterior; e (vi) 698.871$00 correspondentes aos prejuízos sofridos pela C… como consequência do não pagamento atempado das supra referidas quantias.
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O DAPSE, através do seu Director Geral, não procedeu ao pagamento de todos os montantes a que se comprometera no âmbito dos apoios do Fundo Social Europeu, tendo a C… assumido a posição de credora contra o Réu, sendo certo que não existe razão alguma para o pagamento devidamente aprovado não ter sido realizado, na medida em que o processo respeitou todos os procedimentos necessários para a atribuição das contribuições do Fundo Social Europeu: (i) a candidatura foi apresentada em tempo e sede própria; (ii) a candidatura cumpriu todos os requisitos; (iii) a concessão da contribuição foi aprovada pela entidade comunitária com competência para o efeito; (iv) os créditos foram tempestivamente reclamados junto da entidade nacional com competência para efectuar o pagamento.
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A Sentença é nula por oposição entre a fundamentação e a decisão nos termos do artigo 668º n.° 1 alínea c) do CPC, na medida em que: (1) depois de considerar provados sob os n.°s 7, 8, 9, 20 e 49 factos concernentes à existência de um crédito pelo Recorrente sobre o DAFSE, o TAC de Lisboa concluiu que nenhuma quantia lhe era devida, considerando mesmo que “[o] contrato [de cessão de créditos] celebrado nada transmitiu ou transmitiu créditos extintos”; (ii) ou seja, não obstante o TAC de Lisboa ter considerado factos que atestam a existência do crédito reclamado, concluiu a final que o mesmo não existia, ou que existindo se encontraria “extinto”; (iii) não podem os factos dados como provados indiciar uma coisa e a decisão a final concluir por outra em sentido claramente diverso e mesmo contrária.
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A Sentença é nula por excesso de pronúncia nos termos do artigo 668°, n.° 1 alínea d) do CPC, porquanto: (i) as matérias que os Tribunais podem conhecer são, necessariamente, delimitadas pelo principio do dispositivo, o qual não foi respeitado na Sentença, na qual o Tribunal se pronunciou sobre questões que não podia conhecer; (ii) isto porque na Sentença refere-se que “[a]pós a decisão de aprovação dos pedidos de apoio comunitários, foi aberto um processo de inquérito destinado a averiguar da existência de ilícito criminal na gestão e aplicação de apoios concedidos pelo FSE e pelo Estado Português à C…, após o qual o A. (…) foi condenado pela prática de um crime de desvio de subsídio e a restituir à DAFSE a quantia de 18.529.296$00, quantia desviada e ainda não pagas? e que consequentemente, é o A. que deve ainda valores ao R. e não o inverso. Mais se diga que, seguindo os raciocínios do A. de que o que está na base do seu pedido é um contrato de cessão de créditos, frente a este é sempre possível o R.
invocar a compensação” (sublinhado nosso); (iii) ou seja, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a compensação de créditos quando esta questão não foi alegada pelas partes, não tendo sido respeitado o disposto no artigo 848º do CC; (iv) e, na verdade, o Recorrente não recebeu qualquer comunicação do DAFSE no sentido de a mesma entidade pretender operar uma compensação de créditos; não resulta do presente processo, nomeadamente dos articulados apresentados pelo Réu, a invocação da compensação de créditos; e percorrendo a contestação deduzida pelo DAFSE no processo que correu perante o TAC de Lisboa, facilmente se concluiu que o DAFSE não invocou a compensação.
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Na Sentença, o Tribunal a quo errou na interpretação jurídica dos factos.
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Desde logo, o Tribunal errou na apreciação da matéria da prova trazida aos autos pelo Recorrente, devendo a Sentença ser alterada, nos termos do artigo 690.° do Código Civil, na medida em que a cessão de créditos foi de facto notificada ao DAFSE e, por inerência, ao seu Director Geral, Réu no presente processo, conforme resulta do documento nº 2 junto pelo Autor, ora Recorrente, ao processo com a sua petição inicial.
Mas, mesmo que se considerasse que a cessão não foi notificada ao Réu de forma extrajudicial, o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito, tendo violado o artigo 583.° do CC, dado que dúvidas não existem de que (i) a referida cessão foi comunicada judicialmente ao Réu com a notificação ao mesmo da petição inicial do Autor, ora Recorrente, de onde consta a referência ao contrato (cfr. artigo 5º da petição inicial), onde o mesmo é junto (cfr. documento n.° 2 junto com a petição inicial) e onde se alega a cessão de créditos; e (ii) tanto o Director do DAPSE foi notificado da cessão de créditos que contestou a petição inicial apresentada a juízo pelo ora Recorrente.
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O TAC teceu na Sentença considerações relativas a um contrato de cessão da posição contratual, previsto no artigo 424.° do Código Civil, quando a única e verdadeira causa de pedir no presente processo é de facto o contrato de cessão de créditos celebrado entre o Recorrente e a C… nos termos do disposto nos artigos 577.° e ss do CC, o que pode substanciar um excesso de pronúncia que acarreta a nulidade da Sentença nos termos do artigo 668.° n.° 1 alínea d) do CPC, K. O Tribunal a quo, também aqui, violou o principio do dispositivo, por vir conhecer e tecer considerações relativamente a factos não invocados pelas partes.
L. Atenta a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão n,° 0503/04, de 21 de Setembro de 2004, não se aceita que o TAC de Lisboa venha concluir que foi invocado um contrato de cessão de créditos, quando a verdadeira causa de pedir do processo seja um contrato de cessão da posição contratual.
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Ao contrário do que afirma o TAC de Lisboa na Sentença, o Recorrente não desconhece as diferenças entre as figuras do contrato de cessão de créditos e do contrato de cessão de posição contratual, tendo sido de facto a sua intenção fundamentar a sua causa de pedir no contrato de cessão de créditos que celebrou com a C… em 18 de Dezembro de 2001.
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O que o Autor, ora Recorrente, fez foi provar a existência de um contrato de cessão de créditos celebrado entre si e a C… e provar a efectiva existência dos créditos reclamados.
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Quer isto dizer que de facto os créditos em divida ao Recorrente decorrem de uma obrigação - a obrigação que incumbe sobre o DAFSE de transferir para a C… os montantes que se comprometeu a transferir para a mesma Sociedade em função das acções de formação que a mesma realizou em 1987.
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Ou seja, existia uma obrigação do DAFSE perante a C… - transferir para a mesma sociedade os montantes em dívida, correspondentes aos apoios do FSE pelas formações realizadas pela Sociedade em 1986 e, por outro lado, existe uma obrigação da C… perante o Recorrente, ou seja, cumprir o contrato de cessão de créditos celebrado com o mesmo.
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Por último, existe uma obrigação do DAFSE perante o Recorrente, ou seja, pagar os montantes devidos à C… ao Recorrente, pelo facto de a C… lhe ter cedido os créditos que lhe são devidos pelo DAFSE por contrato de cessão de créditos validamente notificado ao devedor.
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A causa de pedir do Recorrente resulta do assumir de uma posição contratual propriamente sua perante a C…, conforme decore das duas primeiras cláusulas do contrato de cessão de créditos celebrado entre o Amar e o Réu junto aos autos é suficiente para se concluir por este entendimento.
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Pelo exposto, conclui-se que a presente Sentença é nula, nos termos do artigo 668.° nº 1 alínea d) do CPC, por indagar sobre una causa de pedir não alegada, pronunciando-se assim sobre questões sobre as quais sobre as quais não se poderia ter pronunciado.
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Caso assim não se entenda, deverá a Sentença ser revista, nos termos do artigo 690.° nº 1 do CPC, por ter a mesma errado na interpretação dos factos e do direito.
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Ao contrário do que decorre da Sentença não é verdade que a compensação tenha sido operada, dado que em nenhum dos ofícios considerados pela Sentença foi efectivamente comunicado ao Recorrente a intenção de se proceder a um “acerto de contas”, a uma verdadeira compensação na acepção jurídica do termo.
V. Por outro lado e, em todo caso, sempre se dirá que mais uma vez o Tribunal errou na apreciação do direito, não se pronunciando sobre factos que deveria ter conhecido.
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Sendo a compensação uma causa de extinção das obrigações, teria sido importante o Tribunal se ter pronunciado sobre a obrigação concreta que a compensação extinguiu.
X. Acresce que a compensação só opera, por força do artigo 848.° do CC por declaração de...
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