Acórdão nº 038/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2011
Magistrado Responsável | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Data da Resolução | 02 de Fevereiro de 2011 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório - 1 – A…, S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 2 de Dezembro de 2010, que julgou improcedente a reclamação por si deduzida contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras - 3, datado de 18/08/2010, que indeferiu o reconhecimento da prescrição da dívida exequenda em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º 3522200201880551, respeitante a IRC do ano de 1993, apresentando as seguintes conclusões:
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O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, de 2 de Dezembro de 2010, que julgou “improcedente a presente reclamação, mantendo-se a decisão do órgão de execução fiscal impugnada”, que havia sido apresentada em 6 de Setembro de 2010 pela Reclamante ora Recorrente. A instância em causa tem origem na Reclamação do acto de não reconhecimento da prescrição da dívida objecto do processo de execução fiscal n.º 3522200201880551, respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do ano de 1993, instaurado pelo Serviço de Finanças de Oeiras - 3.
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Assim, a sentença recorrida conclui pela não prescrição das “dívidas de IRC e Juros Compensatórios do ano de 1993”, entendendo a ora Recorrente que tal assenta em erro de julgamento no que respeita à análise da matéria de direito que lhe subjaz.
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Ora, no entendimento da Recorrente, tendo o facto tributário em causa ocorrido no ano de 1993, e sendo a lei tributária aplicável o CPT, então o prazo de prescrição em concreto aplicável é de 10 anos. A sentença considera que, “A lei reguladora do regime da prescrição das dívidas tributárias é a que vigorar à data da sua constituição”, embora considere igualmente que, já as causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional poderão ser as que vigoram pela “lei em vigor à data da verificação desses mesmos factos, e não por aquela que determina o prazo”, ou seja, pela LGT e não apenas pelo CPT. A decisão recorrida estriba-se para o efeito no determinado no Acórdão do STA n.º 297/08 de 21/05/2008 e na interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil: “os efeitos jurídicos de factos são determinados pela lei vigente no momento em que eles ocorrem”. Para também concluir a sentença recorrida que, “Assim, uma vez determinado o quantitativo do prazo de prescrição é a lei nova a única competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição que têm os factos que ocorreram na sua vigência”.
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Pelo que, uma vez que o n.º 1 do artigo 49.º da LGT prevê que a apresentação de impugnação interrompe a prescrição, e uma vez que em 24/05/2002, já na vigência da LGT, a ora Recorrente havia apresentado Impugnação Judicial, tal circunstância interrompeu efectivamente o prazo prescricional, o que determinaria que em concreto, não estivesse ainda prescrita a dívida em causa.
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Para a Recorrente tal interpretação das normas em causa acolhida pela decisão recorrida é ilegal e inclusive inconstitucional, pelo que, a dívida em causa respeitante ao IRC de 1993 já está prescrita.
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O sentido “garantístico” do prazo de prescrição compreende também as causas suspensivas e interruptivas da prescrição. Caso contrário, uma lei posterior que não tocasse no prazo de prescrição, poderia alargar este indefinidamente, retirando-lhe qualquer sentido. Ou seja: o prazo de prescrição é uno com as suas causas suspensivas e interruptivas, sob pena de inconstitucionalidade.
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Esta interpretação decorre, aliás, dos princípios da legalidade tributária e da não retroactividade da lei fiscal, hoje previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”). A não retroactividade prevista no artigo 103º da CRP assenta numa ideia de previsibilidade: deve poder prever-se o futuro com base nos factos presentes, nomeadamente nas normas jurídicas vigentes.
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Se fosse possível interpretar/aplicar o artigo 49.º da LGT no sentido da sua aplicação imediata, conforme pretende a decisão recorrida, essa norma e sua interpretação seria sempre inconstitucional. Não pode pois aceitar-se a interpretação vertida na sentença recorrida de acordo com a qual, a apresentação de impugnação judicial constitui facto interruptivo ao abrigo do artigo 49.º da LGT. Na medida em que não é aplicável ao caso concreto o regime da prescrição previsto na LGT. De tal forma que, a inovação introduzida vigoraria assim apenas para o futuro.
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Pretender aplicar, como sucede com a decisão recorrida, as causas de interrupção ou de suspensão do prazo de prescrição a um prazo apenas computado nos termos do CPT viola o princípio da reserva da lei formal- tipicidade e da não retroactividade, assente nas indicadas necessidades de segurança dos sujeitos passivos.
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Contudo, esta é apenas uma das faces do problema dado que há também que ter em conta a proibição de aplicação do Direito “à la carte”. O problema que agora se suscitará contende com o princípio da separação de poderes e com a impossibilidade de transformar o julgador em legislador. Assume-se, pois, frontal e irrestritamente o seguinte comando: Existindo em concreto um problema de sucessão/aplicação no tempo, rege o caso “decidindo” a lei aplicável no momento da verificação do facto relevante. A aplicação retroactiva da Lei aceita-se se e na medida em que for mais favorável. De qualquer forma, o que não pode nunca o julgador pretender, é adoptar uma solução combinada de regimes distintos.
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Neste específico sentido, “o melhor de dois mundos” é solução que não colhe. Não pode enfim o julgador colocar sobre a beca a capa do legislador: as normas que regulam as causas suspensivas ou interruptivas da prescrição têm um sentido garantístico dos sujeitos passivos, estando submetidas, nomeadamente, ao princípio da reversa (sic) absoluta da lei formal e à proibição da retroactividade dos impostos (artigo 103.º da CRP).
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Assim, verificado um facto tributário, as causas de interrupção ou suspensão da prescrição da respectiva obrigação tributária são as previstas na lei no momento em que o facto tributário se gerou. A aplicação de normas sucessivas implicará uma retroactividade, com violação do disposto no artigo 103.º da CR. Assim como a frontal violação do princípio da separação de poderes, não sendo permitido ao julgador, como se pretende na sentença recorrida, escolher o melhor de dois mundos, ou seja, para efeitos de prescrição, e naquilo que extravasa a escolha do prazo prescricional aplicável, aplicar e retirar efeitos de causas interruptivas previstas na LGT e no CPT.
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O que a sentença recorrida manifestamente não vem respeitar.
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Conforme determina a legislação constitucional, a Recorrente pretende que seja analisada pelo Tribunal “ad quem” a constitucionalidade da seguinte matéria, sendo que a interpretação cujo juízo de inconstitucionalidade se suscita foi acolhido na sentença recorrida: A sentença recorrida aplica ao caso concreto causas interruptivas da prescrição previstas em legislação - LGT - que não estava em vigor à data da verificação do facto gerador de imposto: “Estando em causa uma dívida relativa a IRC referente ao exercício de 1993, e, atento esse mesmo facto tributário, aplicar em concreto e retirar consequências de causas interruptivas do prazo prescricional previstas na LGT - inexistente no momento da verificação do facto tributário - configura uma interpretação que viola frontalmente o princípio da retroactividade (sic) da lei fiscal...
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