Acórdão nº 854/08.2TTVFR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 31 de Janeiro de 2011
Magistrado Responsável | EDUARDO PETERSEN SILVA |
Data da Resolução | 31 de Janeiro de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 854/08.2TTVFR.P1 Apelação – 2ª Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 21) Adjunto: Desembargador Machado da Silva (reg. nº 1.489) Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B………., casado, cortador de peles, residente em ………., Santa Maria da Feira, interpôs a presente acção declarativa de condenação contra “C………., Ldª”, com sede em ………., Santa Maria da Feira, pedindo a declaração de ilicitude do seu despedimento e condenação da Ré no pagamento de indemnização no montante de €29.275,12 e no pagamento de retribuições vencidas e vincendas até à data da sentença, e juros.
Alegou em síntese que foi admitido ao serviço da Ré em 1971 para trabalhar na fábrica de calçado.
Por carta de 28.3.2008 a Ré, na conclusão de processo disciplinar que lhe instaurou, aplicou-lhe a sanção de despedimento.
O A. não proferiu as expressões que lhe foram imputadas no dia em que o seu carro apareceu riscado no estacionamento da empresa, os factos foram inventados para sobre ele e sobre a sua esposa, também despedida, ser exercida uma retaliação pessoal pelo facto deles não terem tomado o partido do sócio gerente da Ré, após a sua conflituosa separação da cunhada do A. e irmã da sua esposa, de quem foi companheiro durante 19 anos.
O A. e a esposa mantiveram, nesse tempo, uma relação de amizade e convivência com o sócio gerente, e após a separação e o não terem tomado o seu partido, o sócio gerente deixou de lhes falar.
As expressões efectivamente usadas pelo A. situaram-se no plano meramente pessoal e não tiveram qualquer consequência ao nível da relação de trabalho.
O A. nunca foi objecto de processo disciplinar.
A Ré contestou, alegando que as relações pessoais entre o seu legal representante e o A. nunca foram valoradas em sede laboral, que houve diversos actos de vandalismo no estacionamento, que o A. acusou o sócio gerente de lhe ter riscado o carro e de lhe furar pneus, chamou-lhe ordinário e ameaçou a gerente D………. dizendo-lhe “ainda te fodo as trombas”, que estes factos foram presenciados por outros funcionários da empresa, que face à gravidade do sucedido lhe instaurou processo disciplinar e que nele se decidiu pela impossibilidade da manutenção do vínculo laboral, tanto mais que a concreta actividade exercida pelo A., a de cortador, implica necessariamente uma relação de confiança com a entidade patronal, dada a responsabilidade inerente.
Na sequência do despedimento o A. recebeu da Ré todos os créditos a que tinha direito, declarando nada mais ter a receber.
O A. era conflituoso, arrogante e pouco cooperante, provocava colegas e desestabilizava o ambiente de trabalho.
Concluiu pela improcedência da acção e pediu a condenação do A. como litigante de má-fé.
O A. respondeu à matéria que entendeu ser excepcional, referindo que declarou ter recebido os créditos que recebeu, que nada têm com os que reclama nesta acção, respondeu à litigância de má-fé, devolvendo-a e pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé, e pronunciou-se sobre diligências probatórias.
Foi proferido despacho saneador com dispensa de selecção de matéria de facto.
Procedeu-se a julgamento, gravado, no decurso do qual foi pedida e admitida a junção de documentos relativos aos depoimentos prestados no processo disciplinar, e a final foi proferido despacho que consignou a matéria de facto provada e a respectiva fundamentação, sem reclamações.
Foi então proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e julgou improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.
Inconformado, o A. interpõe o presente recurso, formulando a final as seguintes conclusões: 1) Objecto do recurso: o Tribunal de recurso deverá reapreciar a prova gravada e efectuar uma nova análise da questão jurídica debatida nos presentes autos.
2) A indicação dos concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida será efectuada, nos termos legais (art. 685º-B/1,b do CPC) por referência ao registo da gravação da audiência de julgamento.
3) Não foi prestada prova suficiente que permitisse ao Tribunal a quo considerar provado que "Acto continuo, o Autor, dirigindo-se a D………, disse "ainda te fodo as trombas". (Facto 29) 4) O testemunho prestado por E………. não é adequado a fundamentar a prova do Facto 29.
5) Enquanto falou espontaneamente, relatando livremente aquilo bem quis, a testemunha E……….nunca referiu que o A. tivesse dirigido à gerente D………. qualquer expressão injuriosa, designadamente aquela que consta do quesito 29. Quer dizer, voluntariamente, e apesar de estar num registo mentiroso e maledicente, a referida testemunha nunca disse que o A. tinha dirigido à sua irmã a expressão "ainda te fodo as trombas". (Cfr. depoimento que a testemunha FE………. prestou na audiência de julgamento, e que está registado entre 00.08.41 a 00.17.30) 6) Posteriormente, e depois de muita insistência, a mesma testemunha vem a dizer, em resposta a uma pergunta totalmente sugestiva efectuada pela mandatária da R., que também tinha ouvido a expressão "ainda te fodo as trombas". (Cfr. depoimento que a testemunha E………. prestou na audiência de julgamento, e que está registado entre 00.45.39 a 00.46.13) 7) Do art. 638º/3 do C.P.C. decorre que as perguntas sugestivas não são admitidas pela lei e, consequentemente, que as respostas a tais perguntas ilegais não têm valor probatório, porque obtidas em através de uma forma que a lei proíbe.
8) O Sr. Juiz a quo foi complacente com o depoimento contraditório desta testemunha, que espontaneamente declarou que apenas tinha ouvido as expressões "filho da puta" (que não é admitida pelo A., nem pela R.), "vou-te foder" (que não é admitida pelo A., nem pela R.), "tu não passas de um corno" (que não é admitida pelo A., nem pela R.), e que teriam sido dirigidas ao seu pai, esclarecendo que nada mais tinha ouvido, e posteriormente, na sequência de perguntas sugestivas que lhe foram colocadas ilegalmente, começou por improvisar afirmando que o A. também tinha dito à sua irmã D………. "tu és igual a ele", e, na última, só depois da Advogada da R., já em desespero, lhe ter dito "nós temos aqui uma expressão: ainda te fodo as trombas", é que ele, seguindo a sugestão que lhe estava a ser dada, confirmou mentirosamente que também a tinha ouvido da boca do A..
9) Assentar a prova do facto 29 no depoimento da Testemunha E………. é violador da regra de direito probatório prevista no artigo 638º/3 do CPC e, para além disso, é revelador de falta de juízo critico, de falta de bom senso e de racionalidade na apreciação da prova.
10) Não foi prestada prova suficiente que permitisse ao Tribunal a quo considerar provado que a matéria inserta no facto 29º foi presenciada por um terceiro (facto 38), no caso a testemunha F………..
11) O F………. teve o registo típico do mentiroso que vai aparecendo pelos Tribunais e que os Senhores Desembargadores muitas vezes encontraram enquanto andaram pela 1ª instância. É aquela testemunha que não sabe de nada do que estava a acontecer, nem sabe o que aconteceu antes ou depois, e não ouviu mais nada para além da expressão que interessa à parte que a indicou.
12) A única coisa que disse ter ouvido foi a D………. a dizer "ponham-se lá fora senão chamo a policia" e o A. a responder-lhe "cala-te senão fodo-te as trombas". (Cfr. depoimento que a testemunha F………. prestou na audiência de julgamento, e que está registado entre 00.03.36 a 00.04.20.) É claramente uma testemunha instruída.
13) O contraste entre os depoimentos das testemunhas E………. e F………. é gritante e não permite provar os factos 29 e 38. O F………. não ouviu nada daquilo que o E………. disse ter ouvido; e o E………., espontaneamente, não ouviu aquilo que o F………. disse que ouviu. São duas versões distintas que se excluem reciprocamente. Torna-se claro que foram ambos instruídos para faltarem à verdade e beneficiarem a R..
14) No momento em que estão a ser redigidas estas alegações de recurso está em curso, no Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira, o julgamento do processo de impugnação do despedimento (Proc. 215/09.6 TTVFR) da esposa do A., G………., que foi despedida pela R. juntamente com o A. Já foram ouvidas as testemunhas E………. e F………. e, tal como se esperava, fizeram um depoimento contraditório em relação àquele que prestaram no presente processo. O recorrente já requereu a extracção de certidão dos depoimentos destas testemunhas a fim de juntá-los ao presente recurso, para que V.Exas. possam avaliar com maior acuidade a credibilidade destas duas testemunhas.
15) Não foi prestada prova suficiente que permitisse ao Tribunal a quo considerar provado que "O Autor, exaltado, referiu a E………. que o seu pai, o gerente H………., lhe riscou o carro". (facto 37) 16) Não há qualquer base probatória para dar como provado que o A. estava exaltado quando começou a falar com o E………., é esta própria testemunha que excluiu qualquer referência à "exaltação". (Cfr. depoimento que a testemunha E………. prestou na audiência de julgamento, e que está registado entre 00.43.33 a 00.44.23.
17) Logo, a expressão "exaltado" deve ser eliminada da matéria do facto 37.
18) Não foi prestada prova suficiente que permitisse ao Tribunal a quo considerar provado que "Autor e mulher trabalharam normalmente nos dias seguintes até ao recebimento da nota de culpa." (Facto 31) 19) A testemunha G………., esposa do A., que também foi objecto de um processo disciplinar e foi despedida ao mesmo tempo que o A., esclareceu que nenhum dos dois foi preventivamente suspenso com o recebimento da nota de culpa, que continuaram os dois a trabalhar diariamente na fábrica da R. e só deixaram de aí comparecer após receberem a decisão disciplinar de despedimento. (cfr. depoimento da testemunha G………., no registo de 00.18.30 a 00.20.29) 20) Atento o exposto, é óbvio que alegação do artigo 51º da petição inicial se ficou a dever a um lapso do mandatário do A. e que o conteúdo do facto 31 deverá ser alterado...
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