Acórdão nº 00161/08.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Janeiro de 2011
Magistrado Responsável | Carlos Lu |
Data da Resolução | 20 de Janeiro de 2011 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.
RELATÓRIO MUNICÍPIO DE CASTELO DE PAIVA, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Penafiel, datada de 24.07.2009, que julgou procedente a acção administrativa especial contra si deduzida por F… e anulou a deliberação da Câmara Municipal que ordenou ao aqui recorrido a cessação da utilização como armazém de materiais de construção e estaleiro que este vinha fazendo numa construção licenciada para habitação bifamiliar.
Formula o R., aqui recorrente jurisdicional, nas respectivas alegações (cfr. fls. 158 e segs. e após convite a correcção de fls. 209 e segs.
- paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...
1 - O acto impugnado foi anulado por ter sido julgado procedente o vício de incompetência alegado pelo A./recorrido, por ter sido considerado que a competência para o acto em causa resultava somente no disposto no art. 109.º, n.º 1 do DL 555/99, de 16 de Dezembro - o que levou em termos concretos a um errado ou incorrecto julgamento.
2 - In casu as competências conferidas ao Presidente da Câmara Municipal, embora próprias, não são exclusivas, pois, conforme vem disposto na Lei 169/99, de 18/09, a Câmara Municipal é o órgão executivo colegial (art. 56.º) e é um dos dois órgãos representativos do Município (conjuntamente com a Assembleia Municipal) (art. 2.º) e nos termos do estipulado no n.º 5 do art. 64.º da mesma Lei, a Câmara Municipal tem competências no âmbito do licenciamento, mais propriamente nas matérias relativas a conceder licenças nos casos e nos termos estabelecidos por lei, designadamente para construção, reedificação, utilização, conservação ou demolição de edifícios, assim como para estabelecimentos insalubres, incómodos, perigosos ou tóxicos.
3 - Ora, a Lei 169/99, de 18/09, porque respeita ao desenvolvimento das «bases gerais dos regimes jurídicos» constitui diploma de valor hierárquico superior, de acordo com o n.º 2 do art. 112.º da CRP. Se a Lei 169/99 dá competência à Câmara Municipal (órgão) competência no âmbito dos licenciamentos para conceder licenças de utilização, também lhe confere poderes para cassar as licenças e fazer cessar a utilização ilegal que se possa verificar (como aconteceu no caso presente).
4 - A salvaguarda do interesse público em conjugação com a eficiência administrativa que o tempo actual exige e a que todo o cidadão aspira, impõe que o próprio legislador consagre medidas que, correspondendo a tal desiderato, permitam a segurança e certeza jurídica ao consagrarem a validade dos actos praticados, em definitivo; é, assim, nesta lógica de entendimento que se pode e deve considerar a estipulação legal da competência conferida pelo art. 109.º do DL 555/99, sendo esta medida de simplificação de procedimentos, na busca de uma aproximação entre o tempo administrativo e o tempo real. Esta estipulação legal de competência do presidente da Câmara não a torna exclusiva.
5 - A questão apreciada pelo acto impugnado insere-se genericamente no âmbito do licenciamento de utilização de uma edificação, consequentemente insere-se no âmbito das competências conferidas à Câmara Municipal pela alínea a) do n.º 5 art. 64º da Lei 169/99.
6 - Sendo competências próprias da Câmara Municipal, as matérias referentes a licenciamentos e utilização (entre outras), aquela outra atribuída ao Presidente da Câmara Municipal pelo art. 109.º do DL 555/99, foi-o por questões de ordem prática e de eficiência administrativa. Nunca em exclusivo. É que a Câmara Municipal tem competência para a prática do acto impugnado, razão pela qual tal acto não se encontra ferido de vício de incompetência.
7 - Concretamente, a decisão recorrida mostra-se incorrecta, porquanto não foi considerada, antes ignorada, a norma contida no n.º 5 do art. 64.º da Lei 169/99, lei à qual se encontra subordinado o DL 555/99, conforme n.º 2 do art. 112.º da CRP.
8 - Se tivesse sido aplicada o normativo inserto na alínea a) do n.º 5 do art. 64.º da Lei 169/99, como deveria ter sido, a decisão teria sido necessariamente a da improcedência do vício de incompetência, pois ao órgão Câmara Municipal está atribuída legalmente (com força ou valor superior à norma do art. 10.9º do DL 555/99) a competência para o acto impugnado.
9 - A decisão recorrida violou o disposto na al. a) do n.º 5 do art. 64.º da Lei 169/99.
Sem prescindir: 10 - A notificação feita ao A. foi assinada pessoalmente pelo Presidente da Câmara, assumindo como sua a deliberação da Câmara Municipal. De notar, conforme factualidade dada por provada: - sob o item 4.º, foi o Presidente da Câmara quem ordenou que a questão fosse levada a reunião camarária; - sob o item 5.º, a deliberação camarária foi tomada nominalmente e aprovou a proposta trazida à reunião pelo Presidente da Câmara; - sob o item 6.º, foi o Presidente da Câmara quem subscreveu a notificação que deu a conhecer a deliberação camarária.
11 - Destes factos dados por provados, retira-se também que a decisão que consubstancia o acto impugnado está conforme e foi no sentido da vontade do Presidente da Câmara que, ao enviar a proposta a apreciação camarária e ao subscrever, ele próprio, a notificação enviada ao A., toma como sua a deliberação tomada em reunião da Câmara Municipal.
12 - O discurso e estilo utilizado na notificação levada a conhecimento do A. revela uma relação directa entre o subscritor da notificação (Presidente da Câmara) e o seu destinatário (o A.) (cfr. com a transcrição da notificação constante do facto provado sob o n.º 6).
13 - Também por todos é sabido que na esfera da actividade administrativa autárquica existem diversas forças em confronto, com entendimentos diversos de como se deve gerir o interesse público e se relacionar com os cidadãos/munícipes; por vezes, a quem tem de decidir surgem dúvidas e preocupações, para as quais necessita de saber o entendimento dos seus pares para a tomada de decisão adequada e justa, quer pela oportunidade, quer pela análise do respectivo contexto.
14 - Dado que na notificação feita ao A., através da qual é dado conhecimento da decisão sobre a sua pretensão de prorrogação de prazo para «ultrapassar a situação existente», não é feita referência, mesmo que de forma indirecta, à deliberação camarária, sempre se poderá entender que a mesma foi pretendida pelo Presidente da Câmara como suporte e fundamento da sua própria decisão.
15 - Relativamente ao A. é a notificação que lhe foi remetida que, em si mesma, contém a decisão sobre a questão em apreciação, que constitui o acto administrativo com efeitos na sua esfera jurídica; a decisão notificada é assumida e subscrita pelo Presidente da Câmara e é sob esta roupagem que afecta a esfera jurídica do A..
16 - Por tudo isto, não restam dúvidas quanto à autoria do acto impugnado, sendo assumido formal, material e individualmente pelo Presidente da Câmara, pelo que a decisão recorrido não levou em consideração as circunstâncias em que foi elaborada e assinada a notificação contendo o acto impugnado remetida ao A. recorrido e, neste facto concreto da não ponderação, análise e avaliação dos factos contidos na matéria de facto dada por provada, designadamente a do 6.º item, mas também os 4.º e 5.º, uma vez que analisados estes factos se conclui, com segurança ter sido o acto impugnado assumido pelo Presidente da Câmara e nessa medida respeitado o disposto no art. 109.º do DL 555/99. Ainda: 17 - Não compreendem os RR. o sentido e alcance da pretensão de anulação do acto impugnado por parte do A., nem aceitam esta sua postura, porquanto, o acto impugnado limita-se a conceder o prazo de 180 dias para o A. «ultrapassar a situação existente», isto é, com o acto impugnado, o A. viu a sua pretensão deferida, pelo que ao recorrer contenciosamente para obter a anulação do acto, o A. lançou mão a um abuso de direito, que a lei não admite (art. 334.º do CC).
18 - Se apenas pretendeu que ficasse claro ter sido praticado pelo Presidente da Câmara, facilmente, com um pedido de esclarecimento, poderia obtê-lo; mas não, o A. sabendo da ilegalidade da sua posição, não reclamou ou pediu esclarecimentos da eventual incompetência para a prática do acto e vem, agora, lamentar-se com esse facto. A presente acção só poderá ser entendida como um expediente dilatório para o cumprimento do prazo de 180 dias para o A. «ultrapassar a situação existente», a que ele próprio se auto-vinculou, aquando do exercício do direito de audiência.
19 - Também a decisão recorrida se mostra errada ou incorrectamente proferida por não ter relevado a postura abusiva do A., em claro abuso de direito, pelo que a decisão recorrida violou igualmente o disposto no art. 334.º do CC.
19 - O acto administrativo impugnado é, por conseguinte, válido, tendo sido praticado por quem tem competência para tal, tendo-se violado os normativos supra citados …”.
O A., aqui recorrido, veio produzir contra-alegações (cfr. fls. 174 e segs. e fls. 225 e segs.
) nas quais pugna pela manutenção do julgado, terminando concluindo nos seguintes termos: “...
-
A cessação da utilização/ocupação de edifícios em desconformidade com os fins previstos na respectiva licença é da exclusiva competência do presidente da câmara municipal, conforme dispõe o art. 109.º, n.º 1, do DL 555/99, de 16 de Agosto, sendo da competência da câmara apenas o despejo administrativo em caso de incumprimento da ordem de cessação da actividade, para além das demais competências deste órgão que se encontram previstas no art. 64.º, n.º 5 da Lei 169/99, de 18.09.
-
A própria Lei 169/99, de 18 de Setembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro, estabelece, a par da competência do órgão Câmara Municipal, um conjunto importantíssimo de competências que são exclusivas do respectivo presidente (cfr. art. 68.º).
-
Essas...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO