Acórdão nº 00050/09.1BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Janeiro de 2011

Data27 Janeiro 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

F…, com os sinais nos autos, vem interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo TAF DE AVEIRO em 29/04/2010, que na acção administrativa comum, sob a forma ordinária, por si intentada contra a JUNTA DE FREGUESIA DE AVELÃS DE CIMA [JFAC] (do concelho de Anadia), declarou aquele Tribunal incompetente em razão da matéria para conhecer do pedido formulado pelo Autor a título principal na alínea A) pontos 1 a 3 do petitório, cabendo a respectiva competência aos Tribunais Comuns – artigos 13.º e 14.º do CPTA, 494.º, alínea a), 493.º n.º 2, do CPC, e julgou verificada a excepção peremptória de prescrição do pedido de indemnização formulado pelo Autor a título principal na alínea A) pontos 4 e ss do petitório, improcedendo a acção no demais peticionado, absolvendo-se, em consequência, a Ré do pedido – arts. 493.º n.º 1 e 3, 496.º, 487.º in fine do CPC ex vi arts. 1.º e 42.º do CPTA.

Para tanto alega em conclusão: “

  1. Neste recurso interessa apurar em primeiro lugar se “nos termos em que a acção vem configurada na Petição inicial, o núcleo central do objecto da presente acção cabe no âmbito da jurisdição administrativa e fiscal”.

  2. O douto despacho, reduz o quid disputatum aos artigos: - 1º, 2º e ss. (alegação da propriedade e da posse); - 25º, 1ª parte, 26º e 29º, 1ª parte (alegação de uma parte da primeira pretensão da Ré e da resposta do A.); - 50º (alegação de que a Ré avisou o A. de que ia fazer obras contra a sua autorização); - 51º, 2ª parte e 52º (primeiros danos que o A. observou no seu prédio); - 114º (alegação de que a conduta da Ré causou prejuízos ao Autor).

  3. A relação jurídica controvertida é configurada pelo Recorrente como uma relação em que um dos sujeitos é uma entidade administrativa (Junta de Freguesia) que através do órgão Presidente da Junta, na pessoa do seu Presidente pressiona o A. por diversos meios, incluindo o envio de uma carta em papel timbrado, autenticada com selo branco, assinada pelo Presidente e registada com aviso de recepção, em que aquele assume claramente as dificuldades em obter consentimento do Autor para levar a cabo o alargamento da via pública mediante um “corte” no terreno do jardim frontal à sua casa de habitação, chamando ao interesse que prossegue “interesse público” do “arranjo urbanístico do Largo do Fundo da Rua”.

  4. O núcleo central do objecto da presente acção encontra-se nos artigos 24º a 93º da Petição Inicial.

  5. A factualidade da PI pode ser integrada no âmbito das previsões das alíneas b, c, d e f) do nº 2 do art. 37º do CPTA.

  6. O Recorrente da forma como configura o quid disputatum expressamente invoca a violação do Direito Administrativo (cf. artigos 89º, 98º, 99º, 103º, 107º, 112º, 113º, 118º e 120º da PI).

  7. As consequências jurídicas que o Recorrente elenca como pedido na sua petição inicial derivam do regime da inexistência do acto: reposição do statu quo ante e indemnização pelos danos causados.

  8. O Recorrente pediu o reconhecimento do direito de propriedade porque antes a Ré lho negou. Noutra circunstância pediria apenas a declaração de inexistência do acto e reconstituição do statu quo porquanto o direito de propriedade é um pressuposto desses pedidos.

  9. Pese embora a actuação da Ré não tenha sido precedida de um acto expropriativo para levar por diante a remoção de uma tília e de um muro centenários e o corte do terreno do prédio do Recorrente, se o fim dessa actuação foi público («obras de arranjo urbanístico e de ordenamento do trânsito»), se tais operações estão previstas em normas de direito público como competência das Juntas de Freguesia (cf., entre outros, o art. 34º, nº2, al. f) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro), se constam das actas da Assembleia da Junta de Freguesia (cf. fls. dos autos), se foram realizadas por máquinas e agentes sob as ordens e instruções da Junta, faz sentido, concluir que, segundo a forma como o Autor configura o quid disputatum na Petição Inicial, tal conduta cabe na competência material do Tribunal administrativo.

  10. Se o Tribunal entendesse que o pedido não estava em conformidade com a causa de pedir, podia sempre, oficiosamente, ter ordenado a correcção da petição inicial ao abrigo do princípio da economia processual.

  11. Se o Autor alegou e provou, na petição inicial - e tal facto não foi impugnado pela Ré - ter o prédio registado em seu nome na Conservatória do Registo Predial de Anadia (cf. art 1º da PI), nos termos do art. 7º do Código de Registo Predial, o Tribunal podia presumir a propriedade.

  12. Se a Ré, sem título, se apropriou de uma parcela do prédio do A. invocando tratar-se de um “terreno, que se encontra omisso na matriz predial rústica” (pretendendo com isso significar que se encontra integrado na dominialidade pública), justifica-se a invocação e o pedido de reconhecimento do direito de propriedade perante o Tribunal administrativo.

  13. A contrario sensu, tendo por base certas declarações da Ré (de que uma parcela do prédio do A. é omissa na matriz – art. 36 da PI -, de que “existia um caminho público que ligava a Rua da Bela Vista à dita Rua do Canto, separando o aludido jardim da parte de construção do mencionado imóvel” - art. 21º da contestação -, de que “tal jardim constituía um «cotovelo» que entrava no sobredito Largo do Fundo da rua, criando ali um sério obstáculo à boa visibilidade e à circulação e segurança de todos os veículos e pessoas que lá passavam” - art. 22º da contestação -, e de que “impugna tudo o que em contrário é dito nos artigos 1º no que à parte do aludido «cotovelo» diz respeito” – art. 52º da contestação), em face da sugerida ou reivindicada dominialidade pública do terreno, seria sempre competente o tribunal administrativo.

  14. Há muito que a doutrina administrativa considera que “não faz qualquer sentido arranjar construções que, em nome de ilegalidades graves (cuja determinação é instável e vaga), desqualifiquem condutas indubitavelmente administrativas, que só cometeram o pecado de não revestirem conteúdo jurídico. É tempo de admitir que as operações materiais da Administração são uma categoria dogmática diversa do acto administrativo e que esse seu direito à diferença deve ser reconhecido ao nível do contencioso.” (cf. Carla Amado Gomes, Contributo para o Estudo das Operações Materiais da Administração Pública e do seu Controlo Jurisdicional, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, pp. 339-340); O) “Em função do critério estabelecido pelo legislador é preciso, para que uma operação material administrativa integre o conceito de relação jurídica administrativa, que o seu contexto vivencial indicie o desempenho da função administrativa e que se não prove a vontade de actuar nos termos do Direito privado. O desenvolvimento de tarefas do foro jurídico-administrativo rege-se, salvo prova em contrário, pelo Direito Administrativo, o que as arrasta para o âmbito do contencioso administrativo.” (cf.

    Ibidem); P) Atendendo ao “contexto vivencial” da operação material tal como foi configurado pelo A. na Petição Inicial (e bem assim pela própria Ré “porque era seu dever proteger quer as pessoas, quer os bens dessa mesma população e todos os transeuntes que por ali circulavam, decidiu levar a efeito as obras” – cf. art. 25º da contestação) deverá reconhecer-se na conduta da Junta de Freguesia a prática de actos de gestão pública.

  15. Para a conclusão acerca do tribunal competente, se torna indiferente a discussão sobre se os actos de ocupação alegadamente praticados se devem considerar efectivamente inseridos no estrito quadro do procedimento expropriativo ou se devem ser considerados no quadro da usualmente apelidada “via de facto”. O que efectivamente releva é que, em qualquer dos casos, o que, de direito, se pede é que seja declarada a inexistência do acto praticado e reposto o statu quo ante.

  16. Qualquer acto que a Administração produza relativamente a bens dos particulares que não seja precedido de um acto administrativo implica a inexistência do acto e daí o direito a que seja declarado juridicamente inexistente, à reposição do statu quo ante; à indemnização; à invocabilidade a todo o tempo e à presunção...

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