Acórdão nº 0995/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelRUI BOTELHO
Data da Resolução27 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I Relatório O ESTADO PORTUGUÊS vem recorrer da sentença do TAC de Lisboa, de 7.9.10, que julgou parcialmente procedente a acção interposta por B… e C…, na qualidade de legais representantes da sua filha, A…, e o condenou ao pagamento da quantia de € 37.454,00, a título de danos patrimoniais futuros, acrescida dos juros de mora vencidos, desde 1.11.2009, e vincendos, até integral pagamento, calculados à taxa de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor, ou, em alternativa, da pensão mensal de € 35 desde a data de propositura da presente acção até 15.4.2007 e, a partir desta última data, a pensão vitalícia mensal de € 99,41 - valor a actualizar anualmente, de acordo com a taxa de inflação, a partir do presente ano -, valores aos quais acrescem juros de mora vencidos, desde 01.11.2009, e vincendos, calculados à taxa de 4% ao ano e correspondentes taxas legais subsequentemente em vigor; e ainda ao pagamento da quantia de € 12.710, a título de danos não patrimoniais.

O Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado, alegou, vindo a concluir a sua alegação nos seguintes termos: 1. Pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou parcialmente procedente a acção de responsabilidade civil extracontratual proposta contra o Estado português, foi este condenado no pagamento de uma indemnização a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

2. Para alcançar tal decisão, o Tribunal a quo considerou que se verificava um comportamento omissivo dos agentes do Estado que, de forma culposa, não teriam diligenciado pela necessária conservação de uma tampa de sarjeta de despejo, dando assim causa aos danos sofridos pela Autora.

3. Todavia, ao invés do que decorre da decisão recorrida, certo é que, da matéria de facto dada como provada, não resulta que a aludida tampa de sarjeta tenha sido a causa das lesões físicas sofridas pela Autora.

4. Com efeito, não se logrou o apuramento de que a Autora tivesse tropeçado na tampa da sarjeta quando se aprestava para ir para a sala de aula, vindo, em consequência, a cair sobre a mesma.

5. Antes pelo contrário, o que se provou foi que a queda se deveu ao facto da Autora ter saltado de um muro relativamente alto (que é a parede da bancada do campo desportivo da Escola), vindo, em consequência, a cair desamparada para o outro lado do muro e a embater com uma zona do corpo na tampa da sarjeta e no degrau da valeta/passadeira existente no local.

6. Quer isto dizer que, no caso, a tampa da sarjeta só se tornou um obstáculo (como qualquer outro objecto, como uma simples pedra, o poderia representar), pela atitude de risco da Autora - que propicia a queda - ao saltar um muro de dimensões razoáveis, quando tinha, no local, uma passagem especial destinada à saída das bancadas, que dá acesso aos pavilhões onde se situam as salas de aula, para as quais se pretendia dirigir.

7. Daqui resulta, em nosso entendimento, que o Tribunal a quo não deveria ter dado como preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual ou delitual, designadamente a ilicitude, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

8. Assim, ao ter decidido pela condenação do Réu, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erroneamente as normas jurídicas aplicáveis ao caso em apreço, designadamente o disposto no Decreto-Lei n.° 48051, de 21 de Novembro de 1967 e, bem assim, o disposto nos artigos 483.°, 487.° e 563.° do Código Civil, não valorando correctamente a factualidade dada como provada.

Nestes termos e no demais de direito, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra, que absolva o Réu dos pedidos formulados pela Autora A…, porque só assim se fará Justiça.

Os recorridos concluíram, assim, a sua contra-alegação: 1. Contrariamente ao defendido pelo recorrente, na douta sentença em recurso encontram-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, 2. Nomeadamente a culpa, a ilicitude e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (únicos pressupostos em falta, segundo o recorrente).

3. Com efeito, a culpa efectiva do recorrente dimana claramente dos factos constantes dos pontos 11 dos Factos Assentes (locais onde a menor bateu com o corpo), 4. Do estado de degradação da tampa da sarjeta e do desnível que a mesma apresentava, 5. Do desnível da quina em relação à parte superior (cerca de 13 cm), onde a menor também embateu com o corpo, 6. Da falta de vigilância e da inexistência de qualquer sinalização ou proibição das crianças brincarem, correrem ou saltarem num local que fazia parte do recreio da Escola.

7. A degradação e características do piso da zona do recreio onde a A… caiu (tampa da sarjeta e quina) foram causa adequada dos danos sofridos pela menor.

8. Competia ao réu recorrente (Estado), nos termos do DL 141/93 de 26 de Abril, zelar pela boa conservação do recreio da Escola e tomar providências para que não existissem zonas perigosas no mesmo, 9. Ou, pelo menos, providenciar pela sinalização ou proibição de os menores frequentarem tais zonas.

10. Competia ao mesmo recorrente vigiar e cuidar das crianças, incluindo a A…, que na data do acidente estavam no recreio da Escola, 11. Não o tendo feito e não tendo provado sequer o seu dever de vigilância de uma criança de 10 anos que lhe estava confiada, ainda que culpa efectiva não decorresse dos factos provados - e efectivamente a mesma é notória e abundante - , ainda assim, o recorrente teria de ser condenado por não ter provado que cumpriu o seu dever de vigilância, 12. Ou que o dano se teria produzido ainda que o tivesse cumprido.

13. Do que resulta também que o Estado Português não logrou afastar a presunção de culpa decorrente do preceituado no art. 493º n.° 1 do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve a douta sentença em recurso ser mantida e confirmada, fazendo-se assim a costumada Justiça” Sem vistos, mas com distribuição prévia do projecto de acórdão, cumpre decidir.

II Factos A sentença recorrida deu como assentes os seguintes factos: 1) A autora A… é filha dos dois outros autores, B… e C…, e nasceu em 15.4.1986.

2) No ano lectivo de 1996/97 a A… frequentava o 5° ano do Ensino Obrigatório, na Escola Ensino Básico 2° e 3° …, sita na Av. …, Amadora, a qual faz parte da rede escolar do Ministério da Educação do Estado Português.

3) Em 28 de Outubro de 1996, cerca das 10h20, a A… sofreu uma queda na referida Escola … .

4) Desta queda resultaram lesões físicas para a A…, ficando a mesma sem parte do baço e sem o rim esquerdo que ficou seccionado em duas porções.

5) Cerca das 12h30m do mesmo dia 28.10.1996 uma funcionária da escola telefonou para a residência dos pais da A… dado conhecimento da queda.

6) No âmbito das normas que regem o Seguro Escolar, aprovadas por despacho de 23.6.1986 de Sua Exª. o Secretário de Estado da Educação e Administração Escolar, foi organizado pela Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL) um processo no qual foi atribuída à A… pela Junta médica uma desvalorização por incapacidade permanente parcial de 20%.

7) A DREL decidiu pagar como indemnização no âmbito do Seguro Escolar a importância de 2.235.958$00, excluindo desta indemnização os danos morais.

8) Desta decisão não foi interposto recurso contencioso.

9) Os autores não aceitaram a indemnização proposta pela DREL por não concordarem com o montante da mesma, dado não incluir o ressarcimento por danos morais, e também por não contemplar a possibilidade de pagamento através de renda vitalícia.

10) Na data em que o especificado acidente ocorreu a A… estava no recreio, acompanhada de, pelo menos, uma colega, no intervalo que precedia uma das aulas.

11) Após soar o toque da campainha, quando a A… se aprestava para ir para a sala de aulas, caiu desamparada e bateu com o corpo: - em diversas saliências de um bloco de cimento com, pelo menos, 5 cm de espessura, menos de um metro de comprimento e com cerca de...

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