Acórdão nº 0850/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelADÉRITO SANTOS
Data da Resolução27 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, na Secção do Contencioso Administrativo, do Supremo Tribunal Administrativo: 1.

A…, S.A., veio interpor recurso de revista, nos termos do art. 150 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), do acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul (TCAS), que negou provimento ao recurso interposto da sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, que julgou improcedente a acção de contencioso pré-contratual, proposta contra a Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, E.P.E, e na qual pedia: (i) a anulação da deliberação, de 5.11.2009, do Conselho de Administração da Ré (R.), que excluiu a proposta daquela A… e adjudicou à firma B…, S.A., o serviço de alimentação objecto do Concurso Público nº 18000209; (ii) a condenação da R. a abster-se de celebrar o contrato com a B…, ou a anular o mesmo, caso já tenha sido celebrado; (iii) a condenação da R. a admitir a proposta da A…; (iv) a condenação da R. a adjudicar à A… o serviço de alimentação objecto do referido concurso público.

Apresentou alegação (fls. 741 a 756, dos autos), na qual formulou as seguintes conclusões: 1.

São as seguintes as questões que se colocam na presente revista: 1ª- O interessado pode impugnar o acto de adjudicação no prazo de um mês a contar da respectiva notificação/conhecimento com fundamento na ilegalidade de norma do Programa do Concurso nos termos do disposto no Art. ° 51º nº 4 do CPTA ou, ao invés, terá forçosamente que impugnar a norma do Programa do Concurso no prazo de um mês a contar da respectiva notificação/conhecimento, não sendo aplicável o disposto no Art. ° 51° n.º 4 do CPTA porquanto o Art.º 50º do CCP e o Art.º 100º nº 2 do CPTA funcionam como lei especial ressalvada por aquela norma? 2ª- É ou não legal a introdução no Programa do Concurso de uma norma que exija que as propostas contenham elementos que não respeitam ao objecto do concurso na medida em que serão aplicáveis apenas após o período a que o mesmo se reporta e caso a entidade adjudicante venha a prorrogar a prestação dos serviços com o adjudicatário mediante a adopção de outro procedimento (v. g. o ajuste directo)? E, consequentemente, é ou não legal a exclusão de uma proposta fundada num elemento que não respeita ao objecto do concurso? 2.

No caso sub judice, a Recorrente impugnou judicialmente a deliberação de 5 de Novembro de 2009 do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, E.P.E. que excluiu a sua proposta e adjudicou à A…o serviço de alimentação objecto do concurso público nº 18000209.

  1. Fê-lo com fundamento (entre outros) na ilegalidade da disposição do Art. ° 12° n.º 2 al. d) do Programa do Concurso que exige que as propostas contenham os "critérios de revisão de preços a adoptar no final do primeiro ano de vigência de cada contrato" uma vez que, estabelecendo o Programa do Concurso no seu Art.° 4° que o concurso tem por objecto a prestação de serviços por um período de um ano, a revisão de preço é um aspecto que não diz respeito ao objecto do concurso mas e eventualmente ao objecto de um outro procedimento a adoptar pela entidade adjudicante se pretender prorrogar a prestação dos serviços com o adjudicatário.

  2. Porém, o Acórdão recorrido entendeu não ser aplicável ao caso em apreciação o disposto no Art. ° 51° n.º 3 do CPTA porquanto no seu entender o Art.º 50° do CCP e o Art.º 100° n.º 2 do CPTA funcionam como lei especial ressalvada por aquela disposição.

  3. As questões colocadas na presente revista revestem de relevância jurídica fundamental na medida em que são de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar e são, também, questões novas relativamente as quais o Supremo Tribunal Administrativo não teve ainda a oportunidade de se pronunciar.

  4. Por outro lado, as questões revestem de relevância social fundamental na medida em que são susceptíveis de se colocar em futuros procedimentos concursais.

  5. É manifestamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para acabar com a incerteza e a instabilidade na resolução destas questões.

  6. Com efeito, é fundamental para os interessados saberem se, não tendo impugnado uma norma do programa do concurso, perderam (ou não) a possibilidade de impugnar o acto final de adjudicação com fundamento na ilegalidade dessa norma.

  7. Por outro lado, é ainda fundamental para os interessados saberem se o Programa do Concurso pode exigir que as propostas contenham elementos que não respeitam ao objecto do concurso sendo apenas aplicáveis em caso de prorrogação da prestação dos serviços mediante a adopção de um outro procedimento, normalmente, o ajuste directo.

  8. Em conclusão, a admissão da presente revista justifica-se não apenas pela importância fundamental das questões nelas colocadas mas também porque é necessária para uma melhor aplicação do direito.

  9. Termos porque deverá a presente revista ser admitida nos termos do disposto no Art. ° 150° n.º 1 do CPTA.

  10. O Tribunal Central Administrativo Sul fez uma errada interpretação das disposições dos Art.ºs 51º n.º 3 e 100º n.º 2 do CPTA e do Art.º 50º do CCP.

  11. A impugnação directa do programa do concurso e do caderno de encargos e uma faculdade e não um ónus.

  12. Os artigos 100º a 103° do CPTA correspondem aos diplomas que, antes do Código, tiveram em vista proceder a transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro e da Directiva 92/13/CEE do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, as chamadas Directivas recursos.

  13. As Directivas recursos visam densificar o principio da tutela jurisdicional efectiva através do reforço da protecção jurídica conferida pelo direito comunitário, e adequar as exigências de uma tutela judicial efectiva as particularidades dos litígios que ocorrem no âmbito da contratação pública, eliminando as disparidades existentes nos vários ordenamentos jurídicos nacionais e reagindo contra o fracasso da aplicação do direito substantivo.

  14. Porque assim é, ou seja, porque as Directivas recursos visam reforçar a tutela jurisdicional efectiva, a impugnação directa do Programa do Concurso e do Caderno de Encargos prevista no Art.° 100º n.º 2 do CPTA tem que ser interpretada como uma faculdade e não como um ónus dos interessados (cf. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 3ª edição revista, 2010, pág. 666).

  15. Se o legislador do CCP tivesse querido que o pedido de esclarecimentos ou de rectificação das peças do procedimento previsto no Art.° 50° do CCP constituísse um ónus dos concorrentes, tê-lo-ia dito expressamente.

  16. Contudo, não o fez.

  17. Ao invés, o CCP, no seu Art.º 268°, estabeleceu o carácter facultativo das impugnações administrativas.

  18. Ao decidir como decidiu, violou o Acórdão recorrido as Directivas recursos, o Princípio da tutela jurisdicional efectiva e o Art.° 51° n.º 3 do CPTA.

  19. Resulta das disposições conjugadas dos Art.ºs 4°, 12° n.º 2 al. d) e 13° n.º 1 do Programa do Concurso e da Cláusula 2ª n.º 2 do Caderno de Encargos que a revisão de preço é um aspecto que não diz respeito ao objecto do concurso em apreço mas e eventualmente ao objecto de um outro procedimento a adoptar pela entidade adjudicante se pretender prorrogar a prestação dos serviços com o adjudicatário celebrando com este um novo contrato.

  20. Com efeito, o objecto do concurso é a prestação de serviços de alimentação pelo período de um ano (ou melhor, até ao termino do presente ano civil como esclarece a cláusula 2ª n.º 2 do Caderno de Encargos) e os critérios de revisão de preços só serão aplicáveis "no final do primeiro ano de vigência de cada contrato" e apenas e só se a entidade recorrida pretender celebrar novo contrato com o adjudicatário do concurso público em apreço mediante a adopção de ajuste directo ao abrigo do disposto no Art.º 27° n.º 1 al. a) do Código dos Contratos Públicos.

  21. Sendo a revisão dos preços apenas aplicável num eventual novo contrato...

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