Acórdão nº 2226/07 – 7TJVNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução11 de Janeiro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1) Tal como prevê o artigo 847.º do Código Civil, a compensação é uma forma de extinção das obrigações quando os obrigados são simultaneamente credor e devedor, operando-se o que, em linguagem coloquial, se apoda de “encontro de contas”.

2) Então, o compensante, se demandado (ou interpelado) para cumprir exonera-se do seu débito através da realização do seu crédito, na mesma lide.

3) A compensação legal ali prevista não é automática mas sempre potestativa, por depender de uma declaração de vontade, ou pedido, do titular do crédito secundário.

4) Esse pedido surge pela via da reconvenção se o crédito do demandado for superior ao do demandante mas sê-lo-á por excepção peremptória se o contra - crédito for de montante inferior ao pedido.

5) São pressupostos da compensação legal a validade do crédito principal e uma reciprocidade creditícia.

6) São requisitos do instituto a exigibilidade, em sentido forte (não mera expectativa, nem resultante de obrigação natural), do contra - crédito, a sua titularidade pelo compensante e a homogeneidade dos créditos, sendo irrelevante a sua iliquidez.

7) Impedem a extinção por compensação os créditos do Estado (ou outra pessoa colectiva de direito público) salvo excepção legal, a sua impenhorabilidade e a proveniência de factos ilícitos dolosos (neste dois últimos casos excepto se ambos o forem).

8) O facto ilícito tanto pode, para este efeito, ser gerado no âmbito da responsabilidade contratual como no da responsabilidade aquiliana.

9) O juízo de causalidade numa perspectiva meramente naturalística de apuramento da relação causa-efeito, insere-se no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 729.º, n.º 1 e 722.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

10) Assente esse nexo naturalístico, pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade, que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil.

11) O artigo 563.º do Código Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.

12) De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis.

13) O disposto nos artigos 916.º e 917.º do Código Civil é aplicável apenas à venda de coisas defeituosas, que não à denúncia de danos causados pela mora no cumprimento de contratos de compra e venda.

14) O abuso de direito, que dispensa o “animus nocendi” tem por base a existência de um direito subjectivo na esfera jurídica do agente, já que tem como principal escopo impedir que a estrita aplicação da lei conduza a notória ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, comportando duas modalidades: “venire contra factum proprium” e situações de desequilíbrio, como sejam o exercício danoso inútil, a actuação dolosa e a desproporção grave entre o exercício do e o sacrifício por ele imposto a outrem.

Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça “A... – Têxteis Unipessoal, Limitada” requereu - por injunção – a condenação da Ré “E...R... – Têxteis, Limitada” a pagar-lhe a quantia de 20.833, 76 euros, sendo 19.599,16 euros de capital, 1038,60 euros de juros e 192,00 euros de taxa de justiça que já pagou.

Alegou, nuclearmente, ter celebrado com a demandada um contrato de fornecimento de bens ou serviços que prestou, tendo emitido as facturas respectivas (n.º 158 e 194) que a Ré não pagou, embora lhas tivesse enviado.

Contestou esta impugnando os factos e dizendo que a factura n.º 158 está compensada com um crédito que tem sobre a requerente que deu origem à emissão de nota de débito (n.º 2007026), sendo que a factura n.º 194 não tem fundamento nem nunca foi, por si, aceite.

Exigiu, em consequência, que fosse indemnizada, nos termos compensatórios.

O processo passou a seguir a forma ordinária.

Na pendência da lide, a Autora foi declarada insolvente e os autos prosseguiram contra a massa representada pelo Administrador.

No 4.º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão a acção foi julgada parcialmente procedente e a Ré condenada a pagar à Autora 14.837,82 euros, com juros, à taxa legal, contados das datas de emissão das facturas.

Mas, “operando a compensação de créditos, face ao crédito da ré sobre a autora”, julgou “totalmente liquidada a quantia em causa, não mais devendo a ré à autora.” Absolveu, ainda, a Ré “do demais peticionado”.

A Autora apelou para a Relação do Porto que confirmou o julgado.

Inconformada, pede revista assim, e no essencial, concluindo a sua alegação: - Por uma eventual penalização que tenha sido aplicada à Recorrida, não pode a recorrente ser responsabilizada dado não existir nexo de causalidade entre tal penalização e qualquer conduta culposa da Recorrente; - Por outro lado, ocorre um comportamento clamorosamente ofensivo da boa fé, por parte da Recorrida, pelo que estamos perante uma situação de abuso de direito; - É de aplicar à situação dos autos, por analogia, a caducidade do direito de reclamar o reembolso de eventuais indemnizações, pagas por mora no cumprimento das obrigações; - Assim, não há lugar a qualquer compensação, devendo a Recorrida ser condenada a pagar à Recorrente não só os montantes em dívida na sentença como também no pagamento integral da factura 194; - Independentemente das eventuais penalizações, a Ré recebeu sem reserva todas as mercadorias que constam das facturas dos autos e nunca pôs em causa, aquando do recebimento, que podia haver penalizações por qualquer atraso, sendo certo que a Recorrente é completamente alheia a qualquer penalização aplicada à Recorrida por parte de um terceiro; - Foram violados os artigos 562.º, 563.º, 334.º, 762.º, 763.º, 798.º, 799.º, 328.º, 329.º e 333.º do Código Civil e 463.º e 471.º do Código Comercial.

A Ré contra-alegou em defesa do julgado.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: 1. A autora forneceu à ré, a pedido desta, os bens e serviços constantes da factura 158, pelo preço de 11.586,96 euros, datada de 26/09/2006 (Doc. de fls. 3).

  1. A ré exerce, como actividade habitual e com intuito de lucro, a comercialização de artigos de vestuário.

  2. A autora exerce, de forma habitual, sistemática e com intuito de lucro, a indústria de confecção de artigos têxteis.

  3. A ré mantém com a empresa espanhola “A...” um contrato de execução de encomendas, no âmbito do qual estão definidas as condições de fornecimento daquela a esta última, designadamente quanto a preços por artigos e prazos de entrega de encomendas.

  4. No âmbito das relações comerciais entre autora e ré, a autora produziu diversos artigos, mais concretamente os constantes das notas de encomendas e respectivas facturas juntas aos autos com a contestação (Doc. 1 a 344).

  5. A factura 158 faz parte integrante do programa de encomendas entregue para execução pela ré à autora em Março de 2006.

  6. A autora forneceu à ré, a pedido desta, pelo menos, os tecidos verde e vermelho, da factura n.º 194, nos valores de 95,85 euros e 92,00 euros, tendo procedido à reparação e eliminação dos defeitos existentes nos acolchoados, serviços estes que facturou à ré, pelos valores de 1.476,00 euros e 1.060,00 euros, debitando-lhe ainda as diferenças entre o preço acordado de tecidos e acolchoados (1,70 euros e 1,45 euros) e os efectivamente facturados pela ré (2,70...

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