Acórdão nº 0798/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2010
Magistrado Responsável | FERNANDA XAVIER |
Data da Resolução | 07 de Dezembro de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I- RELATÓRIO O MUNICÍPIO DE VILA FRANCA DE XIRA veio requerer contra a PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS, a suspensão de eficácia do pretenso acto administrativo, alegadamente contido no artº78º, nº2 do Decreto-Lei nº72-A/2010 de 18.06, que determinou a retenção de verbas ao requerente, a título de contribuição para o Serviço Nacional de Saúde (SNS), nas transferências do Orçamento de Estado para 2010, ou a providência que o Tribunal considere adequada a garantir a intangibilidade das receitas municipais, corolário do princípio constitucional da autonomia das autarquias locais, pedido que faz ao abrigo dos artº112º e segs. do CPA e como preliminar de acção administrativa especial de impugnação de actos que irá intentar.
Alega, para o efeito e em síntese, que o acto suspendendo é manifestamente ilegal e inconstitucional, já que fragiliza e debilita o princípio da autodeterminação financeira das autarquias locais (artº64º e 238º da CRP) e foi proferido em matéria reservada à Assembleia da República (artº165º, nº1 q) da CRP), sem dispor da necessária credencial desta para o efeito (lei de autorização habilitante), pelo que a situação se enquadra no artº120º, nº1 a) do CPTA.
Porém e por cautela de patrocínio, alega ainda que da referida retenção de verbas resultam prejuízos irreparáveis para o Município e que a requerida suspensão é a única forma de proteger o interesse público, face à forma como o legislador, no caso concreto, o definiu e como a Administração Central agiu, pelo que conclui que se verificam todos os requisitos para que seja decretada a requerida suspensão.
A entidade requerida veio deduzir oposição, concluindo, a final, que: a) Não há acto administrativo a que seja aplicável a providência cautelar, mas apenas e só normas jurídicas orçamentais de aplicação genérica a todas as Autarquias Locais; b) Não há “ fumus bonus iuris”, já que nem o artº 154º da Lei do Orçamento para 2010, nem o artº78º do Decreto-Lei nº72-A/2010 são ilegais ou inconstitucionais; c) O Requerente não fez prova do “ periculum in mora”; d) A eventual concessão da requerida providência geraria prejuízos para o interesse público, alterando o quadro orçamental de receitas e despesas estabelecido, com antecedência, no Orçamento do Estado, conforme Resolução Fundamentada que junta, nos termos do artº128º do CPTA.
Sem vistos, atento a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência, para decisão.
*II- FUNDAMENTAÇÃO 1.
O requerente pretende a suspensão da eficácia do pretenso acto materialmente administrativo contido no nº2 do artº78º do DL 72-A/2010, de 18 de Junho, onde se determina a retenção, a título de contribuição para o SNS, nas verbas relativas às transferências do OE para as autarquias locais, dos montantes a que se alude no artº154º da Lei do OE para 2010, especificados no Anexo II daquele DL, por o considerar manifestamente ilegal e inconstitucional e causador ao requerente de prejuízos irreparáveis, além de lesivo do interesse público.
A entidade demandada sustenta, por sua vez e em síntese, que o acto suspendendo não é um acto administrativo, mas um acto normativo, como, de resto, já decidiu este STA (acórdão de 21.10.2010, no P.713/10-11, 1ª Secção, 1ª Subsecção), pelo que a providência deve ser indeferida por não ter objecto possível e que, de qualquer modo, não se verificam os requisitos legais para o decretamento da requerida providência.
Comecemos então por apreciar se o acto suspendendo é, como defende o requerente, um acto materialmente administrativo sob a forma de lei, ou se como defende a entendida requerida estamos perante um acto normativo.
Esta questão logra prioridade de conhecimento, uma vez que dela depende a impugnabilidade do acto suspendendo perante os tribunais administrativos e contende com a própria competência deste Tribunal para conhecer da acção principal e, consequentemente, do presente incidente, matéria que é de ordem pública e precede o conhecimento de qualquer outra matéria (artº13º do CPTA).
Vejamos então: 2.
O pretenso acto administrativo, aqui suspendendo, está contido no artº78º, nº2 do Decreto Lei nº 72-A/2010 e, portanto, está inserido no diploma legal que veio estabelecer as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado (OE) para 2010, aprovado pela Lei n.º 3-B/2010 de 28 de Abril (cf. artº1º do referido DL).
Contudo, a impugnabilidade dos actos administrativos não depende da respectiva forma, tal como está hoje consagrado na lei constitucional e na lei ordinária (cf. artº268º, nº4 da CRP e artº52º, nº1 e 2 do CPTA). O que significa que o critério adoptado pelo legislador para efeitos de garantia contenciosa juntos dos tribunais administrativos, para efeitos de distinção entre actos administrativos e actos normativos, é um critério material e não formal ou orgânico.
Assim, o artº4º, nº2 a) do actual ETAF, ao excluir do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de «actos praticados no exercício da função política e legislativa», deve ser conjugado com os citados artº268º, nº4 da CRP e artº52º, nº1 e 2 do CPTA e, portanto, deve também ser interpretado como não abrangendo os actos materialmente administrativos, praticados sob a forma de lei.
E, assim sendo, se o nº2 do artº78º do DL 72-A/2010 contiver um acto materialmente administrativo, ainda que sob a forma de lei, tal não obstará a que este Tribunal conheça do pedido formulado pelo requerente.
Interessa, pois, apurar, o que é um acto administrativo do ponto de vista material.
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O conceito substantivo ou...
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