Acórdão nº 0746/10 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2010
Magistrado Responsável | SÃO PEDRO |
Data da Resolução | 07 de Dezembro de 2010 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo 1.
Relatório A…, em nome próprio e em representação da filha menor B…, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a acção ordinária, para efectivação de responsabilidade civil extracontratual, por si intentada contra IEP – INSTITUTO DE ESTRADAS DE PORTUGAL, recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1 - Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a acção comum sob a forma de processo ordinário para efectivação da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação, ocorrido a 9 de Novembro de 2000, em que faleceu C…, contra o IEP - Instituto de Estradas de Portugal, S.A., com fundamento na violação por este das normas de traçado P3/94, que impunham a existência de guardas de segurança no local.
2 - Decisão que negou provimento à acção por não se encontrarem cumpridos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, desde logo, a ilicitude e culpa do comportamento do R..
3 - Não se conforma a A. com tal decisão, uma vez que a conduta do R. - omissão do dever de instalação de guardas de segurança no local por onde o falecido C… veio a descer o talude, a cair no poço situado na sua base e morrer afogado - é não apenas ilícita (nos termos do artigo 6° do Decreto Lei n° 48051, de 21/11/1967) e culposa (atenta a presunção legal contida no artigo 493°, n° I do Código Civil, aplicável por força do artigo 4°, nº 1 do Decreto Lei n° 48051, de 21/11/1967 ), como se verifica ainda o nexo de causalidade entre esse facto ilícito e os danos sofridos pela A., pelo que a decisão recorrida deve ser revogada, proferindo-se decisão que julgue procedente a acção, fixando a indemnização pelos danos sofridos pela A ..
4 - A decisão recorrida não aplicou, como devia, as normas legais aplicáveis à matéria de facto dada como provada - concretamente, o artigo 10°, n° 1 do Decreto-Lei nº 222/98, de 17/7, os artigos 18° e 104° da Lei nº 2037, de 19/8/1949, o Decreto-Lei nº 13/71, de 23/1, as normas técnicas quanto às guardas de segurança JAE P3/94, o artigo 5°, n° 2 do Decreto-Lei nº 237/99, o artigo 4°, nº 2, alínea a) do Estatuto do IEP anexo ao DL nº 237/99, o artigo 4°, nºs 1, alíneas a) e b) e 2, alíneas a) e c) do Estatuto do ICERR em anexo ao DL nº 237/99, de 25/6, o artigo 6°, nºs 2 e 4, alínea a) do Decreto-Lei n° 227/2002, de 30/10 e o artigo 4°, nºs 1, alíneas g), j) e l) e 2, alíneas a), i), l) e n) do Estatuto do IEP em anexo ao Decreto-Lei n° 227/2002, de 30/10 - pelo padece do vício de errada subsunção da matéria de facto ao direito aplicável.
5 - A conduta ilícita do R. traduz-se na falta de instalação de guardas de segurança na curva, situada na EN 359-7, concretamente no cruzamento que dá acesso à povoação de Gardete (Cfr. ponto 3 da matéria de facto dada como provada), pela qual C… veio a sair em direcção ao talude, em cuja base se encontrava um poço, no qual veio a cair, morrendo afogado, conforme resultava obrigatório das normas de traçado JAE P3/94 (Cfr. doc. n° 12 junto com a petição inicial).
6 - Pese embora a matéria dada como provada nos pontos 35 ("o ramal da EN na 359 tem pouco trânsito, tendo os últimos trabalhos de remodelação nesta estrada ocorrido entre 1975 e 1976, a cargo da D…, SARL.
") e 36 ("As normas de traçado do IEP referidas no artigo 48º da p. i. e documento nº 12 junto com a p. i. são normas de projecto de traçado de 1994, que inexistiam aquando da realização das obras referidas na alínea precedente."), atenta a legislação em vigor à data do acidente supra referida na conclusão 4, as normas técnicas P3/94 quanto às guardas de segurança deviam ter sido implementadas pelo R. no descrito local da EN-359.
7 - A concreta configuração da estrada (curva, com inclinação de 0,282%), do talude (com inclinação de 60% e altura de 6,15 metros) e a existência do poço (desprotegido) na sua base (cfr. pontos 10, 15, 16 e 17 da matéria de facto dada como provada), o qual era do conhecimento do R. (cfr. ponto 33 da matéria de facto provada), ofereciam perigo para o trânsito, pelo que o dever de instalação de guardas de segurança no referido local resultava igualmente para o R. das regras de prudência de comum.
8 - A sentença recorrida fez ainda uma errada interpretação do que deva entender-se por "regras de prudência comum".
9 - A ilicitude da conduta do R. resulta da violação das normas técnicas JAE P3/94 (não instalação de guardas de segurança - cfr. pontos 4 e 14 da matéria de facto dada como provada) quando por imposição legal, lhe competia "zelar pela manutenção permanente de condições de infra-estruturação e conservação e de salvaguarda do estatuto da estrada que permitam a livre e segura circulação.
", bem como das regras de prudência comum no caso.
10 - Da legislação referida na conclusão 4, resulta que incumbe ao R. assegurar a conservação das estradas nacionais sob sua jurisdição, promovendo a melhoria contínua das condições de circulação, com segurança para os utilizadores, bem como a protecção das infra-estruturas rodoviárias e a sua funcionalidade, nomeadamente no que se refere à ocupação das zonas envolventes.
11 - Sendo que no dever de melhoria da segurança rodoviária das estradas nacionais inclui-se não apenas o reforço da sinalização vertical e horizontal, o guiamento e balizamento, mas também a instalação de guardas de segurança nos locais onde, do ponto de vista técnico, as mesmas sejam exigidas.
12 - O falecido C… circulava a cerca de 40km/h (cfr. ponto 8 da matéria de facto dada como provada), velocidade bem mais reduzida do que o limite máximo de velocidade de circulação no local, velocidade essa adequada às circunstâncias, atendendo a que a estrada fazia uma curva, se encontrava na proximidade de um cruzamento e havia nevoeiro.
13 - Por causa não apurada, entrou em despiste saindo da estrada em que seguia e descendo pelo talude da mesma, até atingir o poço que se situava na sua base (cfr. pontos 3, 7, 9, 10, 11, 12 e 13).
14 - Não obstante o despiste, a existência de guardas de segurança na referida curva teriam evitado que o veículo (até porque seguia a velocidade reduzida) descesse o talude em direcção ao poço, caísse no mesmo, e a consequente morte do condutor.
15 - A colocação de guardas de segurança visa assegurar a retenção dos veículos dentro da estrada, evitando a sua saída, minimizando, dessa forma, as consequências de um despiste, sejam eles a colisão com objectos situados na berma da estrada ou a queda no talude da estrada.
16 - A queda pelo talude da estrada (em cuja base se encontrava o poço no qual o C… veio a morrer afogado) constitui o perigo que se visa acautelar pela regra de prudência comum que impõe a instalação de guardas de segurança numa estrada.
17 - Provada a ilicitude da conduta omissiva do R., verifica-se o preenchimento do pressuposto da culpa do R. por força da presunção legal contida no artigo 493°, nº 1 do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 4°, nº 1 do Decreto Lei nº 48051, de 21/11/1967.
18 - À responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por facto ilícito de gestão pública, designadamente no que respeita à violação dos deveres de fiscalização e conservação de vias de trânsito, é aplicável a presunção de culpa prevista no referido art. 493.°, n.º 1 do Código Civil.
19 - Pelo que incumbe ao R. ilidir essa presunção provando que adoptou todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem susceptíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.
20 - Tal presunção não só não foi ilidida como, atento o ponto 35 da matéria de facto dada como provada (" ...
os últimos trabalhos de remodelação nesta estrada ocorrido entre 1975-1976, a cargo da D…, SARL "), fica a certeza de que o R. não deu cumprimento ao dever de conservação (vigilância da EN-359) durante cerca de 25 anos.
21 - A inexistência de guardas de segurança no local do acidente aliada à obrigação do R. de assegurar a circulação em condições de segurança nas vias sob sua jurisdição, caracteriza não só o facto ilícito, como, simultaneamente, deixa perceber a existência de culpa, pois que, se as guardas de segurança ali não foram colocadas foi porque o R. não cumpriu aquela obrigação.
22 - Se a berma direita, atento o sentido de marcha I.P.2 - Barragem da Pracana, da EN-359, na curva junto ao cruzamento de acesso à povoação de Gardete, se encontrasse devidamente equipada com dispositivos de segurança, o veículo não teria, após o despiste, descido o respectivo talude e caído no interior do poço situado na sua base.
23 - Pelo que a existência das guardas de segurança no referido local teria certamente evitado a morte do C….
24 - Verifica, pois, ainda o nexo de causalidade - o qual deverá ser entendido na formulação negativa proposta por ENNECERUS-LEHMAN: a condição será inadequada quando, segundo a sua natureza geral, é indiferente para a produção do dano - entre o facto ilícito do R. (a falta de guardas de segurança na berma direita da EN-359 junto ao cruzamento de acesso à povoação de Gardete) e os danos sofridos pela A.
(queda no talude, e consequentes queda no poço existente na sua base e morte por afogamento do C…).
25 - A queda no talude (com as posteriores consequências que daí derivaram...) é consequência adequada, provável, típica (previsível) da falta de guardas de segurança na estrada.
26 - De tudo o supra exposto resulta que se encontram preenchidos todos os pressupostos de responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito do R., culpa do R., danos da A. e nexo de causalidade entre o facto e os danos), que fundam o direito da A. a ser indemnizada...
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