Acórdão nº 210/07.0TBCDN.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Dezembro de 2010

Data07 Dezembro 2010
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA A REVISTA Sumário : I - Se os danos peticionados, numa acção declarativa de condenação, correspondem a sequelas lesivas de um acidente de viação (ocorrido em 25-12-1995), que se manifestaram posteriormente (em 15-10-2004), o prazo de prescrição, previsto no art. 498.º, n.º 1, do CC, começou a correr a partir desta última data, pois que só nesse momento o lesado teve conhecimento do direito à indemnização (em relação a esses danos).

II - A excepção do caso julgado visa evitar que a mesma acção, uma vez válida e definitivamente decidida, venha a ser posteriormente decidida de forma diferente, pelo mesmo ou outro tribunal, traduzindo-se a identidade de acções, relevante para a aferição de caso julgado, numa contradição prática de decisões judiciais, de tal forma que não possam executar-se umas sem detrimento de outras.

III - A autoridade do caso julgado, decorrente de uma sentença homologatória de um termo de transacção, em que se consignou, além do mais, que: “A autora (…) reduz o pedido à quantia de (…) contra o recebimento da qual se considera integralmente indemnizada de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais”, apenas inclui os danos já então exigidos, aí não cabendo os prejuízos que só posteriormente vieram a revelar-se.

IV - Um acidente de viação derivado, por exemplo, de o veículo ser levado ao embate por um vento ciclónico, impeditivo da realização de qualquer manobra contrária por parte do condutor, constituirá um acidente causado por força maior. Pelo contrário, uma derrapagem é uma ocorrência decorrente das características intrínsecas de cada veículo automóvel, que dependerá de maiores ou menores condições de aderência à via, particularmente em condições climatéricas desfavoráveis, como será o caso de vias molhadas ou com lençóis de água.

V - Provando-se, em concreto, que o veículo automóvel, ao entrar no lençol de água, deslizou sobre a água e guinou para a direita, tendo perdido totalmente a aderência pneumática, ficou demonstrado que o automóvel derrapou na água em razão da sua própria natureza e não por qualquer efeito exógeno.

VI - A nova redacção do art. 504.º do CC, introduzida pelo DL n.º 14/96, de 06-03, visou harmonizar aquela disposição com a Directiva 90/232/CEE, de 14-05, a qual estabeleceu, no seu art. 6.º, um terminus para que os Estados-membros procedessem à sua transposição, que, no caso da República Portuguesa, foi fixado em 31-12-1995.

VII - Tendo o acidente ocorrido em 25-12-1995, ainda não se tinha esgotado o prazo para que Portugal introduzisse no seu direito interno o estabelecido na Directiva, pelo que o nela disposto não pode ter aplicação.

VIII - Mesmo que tivesse transcorrido o prazo para a transposição da Directiva 90/232/CEE, aquando da verificação do sinistro, nem por isso a mesma seria directamente invocável entre particulares, por não gozar de efeito directo horizontal, sendo de aplicar a redacção originária do art. 504.º do CC aos casos ocorridos antes daquela transposição, operada pelo DL n.º 14/96, para o direito interno.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, residente na Rua ..., Condeixa-a-Velha, propôs a presente acção com processo ordinário contra Companhia de Seguros F... S.A.

, com sede no Largo ..., Lisboa, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 83.010,25 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e bem assim do montante que se vier a liquidar em execução de sentença com os gastos necessários de colocação de uma prótese do ombro direito, com a alteração da incapacidade que daí decorra.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo no dia 25 de Dezembro de 1995, quando seguia como passageira do veículo com a matrícula ...-...-EG, o condutor do mesmo, BB, por seguir completamente distraído, entrou de modo brusco e repentino num lençol de água, despistando-se, indo embater contra uma árvore. Em consequência desse embate, sobrevieram-lhe os danos que indica e de que se quer ver ressarcida.

A R. contestou arguindo a excepção da prescrição, bem como a do ressarcimento integral dos danos efectuado em acção anteriormente intentada pela A. Para além disso, sustentou que o condutor não teve culpa na produção do acidente, pelo que, seguindo a A. “à boleia”, face à redacção do art. 504° nº 2 do C. Civil que então vigorava, não está obrigada ao ressarcimento dos danos.

Impugnou ainda os danos invocados.

A R. não ofereceu resposta sendo certo, porém, que na petição inicial já havia alegado que os danos agora invocados, se vieram a manifestar já depois de ter sido celebrada transacção na acção anterior.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador onde se relegou para a sentença a apreciação da excepção da prescrição, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória.

A A. veio posteriormente requerer a ampliação do pedido, com a formulação de pedido de condenação da R. nos montantes de € 25.500 a título de danos não patrimoniais e de € 77.111,51 referente a danos não patrimoniais, ampliação essa que foi admitida por despacho de 22 de Dezembro de 2008.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

Nesta foi proferida a seguinte decisão: “Julgo a acção parcialmente procedente, por provada na mesma medida, e, consequentemente, a) julgo improcedentes as excepções suscitadas pela Ré; b) condeno a Ré Companhia de Seguros F... M... SA. a pagar à A AA a quantia de trinta e cinco mil quinhentos e cinco euros e quarenta e um cêntimos (€ 35.505,41) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação da Ré até efectivo e integral pagamento; c) condeno a Ré Companhia de Seguros F... M..., SA. a pagar à A. a quantia de quinze mil euros (€ 15.000) a título de danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados da presente data até integral e efectivo pagamento; d) condeno a Ré Companhia de Seguros F... M..., SA. a pagar à A. os custos decorrentes da intervenção cirúrgica a que a mesma venha a ser submetida para prótese do ombro direito (a incluir transportes, medicamentos e fisioterapia para recuperação funcional)”.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. Seguradora de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra tendo-se aí, por acórdão de 11-05-2010, julgado parcialmente procedente o recurso, condenando a R. a pagar à A. AA a quantia de € 26.994, 32 (vinte e seis mil novecentos e noventa e quatro euros e trinta e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a citação da R. até efectivo e integral pagamento. No mais confirmou-se a decisão recorrida.

1-3- Continuando irresignada com este acórdão, dele recorreu a R. Seguradora para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Nos termos do artigo 498° do CC, o prazo de prescrição inicia-se a partir do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, dos pressupostos deste, ainda que com desconhecimento da extensão integral dos danos, no caso dos autos o acidente é de 1995, a A. instaurou em 1998 uma primeira acção para ressarcimento de todos os danos, alegou ter contraído lesões graves e invocou no corpo da petição, danos futuros previsíveis, que relegaria para liquidação em execução de sentença, e só não se compreende que não tenha formulado o correspondente pedido que anunciara, mas tal omissão só a ela é imputável, uma vez que o artigo 564°, 2 do CC, e os artigos 471° e 378° e seguintes e 661°, 2 e 805° do CPC possibilitavam-lhe a formulação de pedidos genéricos, de modo que quando a ré foi citada agora nesta acção estavam volvidos mais de 11 anos contados a partir do acidente, momento em que a Autora tomou conhecimento do seu direito, dos respectivos pressupostos, ainda que com desconhecimento da extensão integral dos danos físicos e sequelas, volvidos mais de 5 anos a partir da data em que na primitiva acção a A. transigiu com a Ré, e ocorre, pois, prescrição dos pretensos direitos.

  1. - A Autora na primitiva acção previu e configurou despesas e danos futuros, omitiu é certo o correspondente pedido de liquidação ulterior, acabou por transigir com a ora requerente, declarou-se integralmente indemnizada de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes do acidente, os quais tornam agora a estar em discussão nos presentes autos, a sentença que homologou a transacção celebrada naquela primitiva acção configura caso julgado material relativamente à pretensão reformulada na presente acção, porque nesta última repete-se o tema e o objecto processual da primeira, e daí que ocorra a excepção dilatória de caso julgado (art. 494° alínea i) do CPC), que é de conhecimento oficioso (art. 495° do CPC), obstando à apreciação de mérito (art° 494°, 498°, 673° e 675°, 1 do CPC), e ditando a absolvição da ora requerente da instância (art. 228°- 1 alínea e) do CPC).

  2. - A A. aos 14/04/2000, na primitiva acção, desconhecendo a extensão integral dos danos entendeu dever transigir com a recorrente, como tal foi celebrado termo de transacção no processo, perante o Juiz, foi lavrado o correspondente auto público, e por consequência foi subscrita declaração de quitação em que a A. manifestou livremente a sua vontade, declarando-se integralmente ressarcida, indemnizada e compensada de todos os danos emergentes das lesões físicas do acidente mediante o recebimento, ao tempo (Abril /2000) de 800 contos, para além de 585 contos que recebera adiantadamente pelo Centro Regional de Segurança Social e que a ora recorrente reembolsou, e deste modo e assim quer a declaração...

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