Acórdão nº 710/04.3TUGMR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução25 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : 1. A obrigatoriedade de implementação de medidas de segurança contra quedas em altura em telhados só existe, se o telhado, pela natureza, estrutura e inclinação da sua superfície e por efeito das condições atmosféricas, oferecer um efectivo risco de queda.

  1. Compete à entidade que invoque a descaracterização do acidente, com fundamento na negligência grosseira e na violação, sem causa justificativa, das regras de segurança no trabalho por parte do sinistrado, alegar e provar os factos que permitam concluir pela existência do referido risco.

    Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1.

    Na fase contenciosa da presente acção emergente de acidente de trabalho, o sinistrado AA demandou a Companhia de Seguros BB, S. A.

    , pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe € 8.717, 21, a título de indemnização por incapacidade temporária, € 6.532,80, a título de pensão anual e vitalícia, acrescida de € 816,60, a título de pensão devida a seu filho CC (estudante universitário a seu cargo) e € 7.266,43, a título de despesas de transportes, médicas e medicamentosas, umas e outras acrescidas de juros de mora contados desde a citação.

    Em resumo, o autor alegou ter sofrido um acidente de trabalho no dia 15 de Junho de 2004 (posteriormente rectificado para 15 de Julho de 2004 - despacho de fls. 456), quando, remunerada e subordinadamente, exercia as funções de gerente da sociedade DD, L.da, que tinha transferido para a ré a sua responsabilidade por acidentes de trabalho, acidente esse que consistiu em ter caído ao solo, quando se encontrava em cima de uma placa, a cerca de 7 metros do solo, de que lhe resultaram lesões determinantes de incapacidade temporária absoluta para o trabalho que, por terem decorrido mais de 18 meses, se converteu em permanente.

    A ré seguradora contestou, alegando, em resumo e de relevante para o recurso de revista, que o acidente tinha ocorrido quando o sinistrado se encontrava em cima do telhado, a proceder à substituição das telhas, devendo o mesmo ser descaracterizado por ter resultado exclusivamente da conduta negligentemente grosseira e da violação das regras de segurança por parte do sinistrado, por este não ter implementado quaisquer medidas de segurança destinadas a prevenir o risco de queda, risco esse que era manifestamente elevado. E, sem prescindir, alegou que o acidente se ficou a dever à violação, por parte da entidade empregadora, das condições de segurança, pelo que a sua responsabilidade, a existir, sempre seria meramente subsidiária.

    Chamada a intervir, a entidade empregadora (DD, L.da) contestou rejeitando a violação das regras sobre a segurança no trabalho que lhe foi assacada pela ré seguradora.

    Proferido o despacho saneador, seleccionada a matéria de facto assente, elaborada a base instrutória que foi objecto de reclamação que veio a ser indeferida, realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, a ré seguradora foi considerada a única e principal responsável pela reparação do acidente, tendo sido condenada a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia e demais prestações referidas na sentença.

    A companhia de seguros apelou da sentença, continuando a defender a tese da descaracterização do acidente – nas vertentes da negligência grosseira e da violação das regras de segurança, por parte do sinistrado – e, sem prescindir, a tese da imputação do acidente à violação, por banda da empregadora, das regras de segurança no trabalho.

    Fê-lo, todavia, sem sucesso, uma vez que o Tribunal da Relação do Porto confirmou a sentença da 1.ª instância.

    Mantendo o seu inconformismo, a seguradora interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: «I. Com o devido respeito por diferente opinião, entende a Recorrente que a sentença fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos em discussão nos presentes autos relativamente a duas questões essenciais, a saber, a descaracterização do acidente e a violação das regras de segurança pela entidade empregadora.

    1. E ainda, relativamente à questão do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança impostas por lei à entidade empregadora e a ocorrência do acidente, conexa com as duas questões referidas na conclusão anterior.

    2. Perante o factualismo provado nos autos, para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido, dúvidas não restam de que o acidente dos autos ocorreu por negligência grosseira e violação de regras de segurança, quer por parte do sinistrado, sem causa justificativa, quer por parte da entidade empregadora.

    3. Em relação à descaracterização prevista na al. a) do art. 7.º da Lei 100/97, o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão - e a consequente condenação da ora Recorrente - no facto da matéria apurada não permitir "( ... ) sustentar que o A. tenha actuado com intenção ou dolo de violar essas regras de segurança, ou seja, que se verifiquem os citados requisitos condicionadores da descaracterização do acidente nos termos prescritos. na al. a) do art. 7° da Lei 100/97, de 13.09." V. No entanto, o próprio Tribunal a quo reconhece que "Da apreciação crítica e conjugada da matéria de facto, verifica-se que, do ponto de vista objectivo, o A. efectivamente não usou algumas das medidas de segurança previstas nas disposições legais citadas, pois não usava cinto de segurança ou arnês numa linha de vida e não tinha instalado previamente uma plataforma de trabalho, escadas de telhador, tábuas de rojo ou redes de suspensão" (sublinhado nosso).

    4. Ou seja, reconhece-se, novamente nesta sede, a violação por parte do sinistrado de regras de segurança previstas na lei, designadamente no art. 44.º do Decreto n.º 41821, de 11.08.1958, no art. 11.º da Portaria n.º 101/96, de 03.04. e o DL n.º 348/93, de 01.10, as quais existem precisamente para evitar acidentes de queda em altura como o que ocorreu na situação em análise.

    5. Ora, no caso dos autos, está provado que o telhado onde o sinistrado se encontrava a trabalhar é inclinado (cfr. ponto 20. da matéria de facto), logo, a previsão do citado art. 44.º é aplicável ao caso em análise.

    6. A lei não exige, para efeitos da sua aplicação, que o telhado seja inclinado num grau superior a "x" ou "y"; prevê de forma clara que "No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação (...) tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como (…)" (sombreado nosso).

    7. Face à factualidade dada como assente, nomeadamente a vertida nos pontos da matéria de facto provada citados no corpo da presente alegação, resulta que no momento em que ocorreu o acidente inexistiam as medidas de protecção colectiva e individual adequadas e eficazes susceptíveis de assegurar a segurança do A./sinistrado e evitar o acidente.

    8. O pressuposto em que assenta a decisão do Tribunal a quo – a existência de dolo ou intenção de violação das regras de segurança no trabalho por parte do A. sinistrado – não resulta da lei.

    9. O que se refere expressamente na al. a) do art. 7.º são duas situações distintas: por um lado, a actuação/omissão que a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei.

    10. No caso de actuação/omissão, sem causa justificativa, a citada norma legal não prevê o pressuposto referido na decisão recorrida, a saber, a existência de dolo ou intenção de violação de normas legais.

    11. Dos autos resulta que: - O sinistrado subiu ao telhado sem se munir previamente de quaisquer meios de protecção individual ou colectiva. (cfr. pontos 21, 22 e 23 da matéria de facto).

      - O A. sinistrado era um profissional experiente e conhecedor dos riscos de queda em altura, já que além de sócio e gerente da R. "DD, Lda.", exercia as funções de acompanhamento e supervisão das obras de construção civil efectuadas por aquela Ré (cfr. Alíneas A) e B) da matéria assente).

      - Como gerente da entidade empregadora, o A./sinistrado tinha a obrigação de dar o exemplo quanto ao cumprimento rigoroso das regras de segurança no trabalho.

      - O caso em análise não traduz qualquer situação de urgência que justificasse a violação daquelas regras de segurança.

    12. O A. sinistrado propôs-se subir ao telhado sem adoptar qualquer medida de protecção adequada, sabendo – porque é um trabalhador experiente e conhecedor dos riscos de queda em altura e porque é o legal representante da Ré empregadora – que essa atitude constituiria sempre um risco de queda.

    13. Assim, o sinistrado não só agiu de forma inconsiderada, imprudente e desapropriada, como ainda, violou normas de segurança previstas na lei sem qualquer justificação.

    14. Na verdade, a mais elementar prudência impunha que tal trabalho – ainda que simples e de mera rotina – fosse efectuado, pelo menos, com um cinto de segurança colocado de forma a evitar uma queda desamparada de uma altura de 7 metros! XVII. Aliás, no mesmo sentido já se pronunciou o STJ, em caso rigorosamente idêntico ao dos presentes autos (vide Ac. STJ de 14.03.2007, proferido no processo n.º 0654907, disponível em www.dgsi.pt/jstj), citado no corpo da presente alegação e que aqui se dá por reproduzido.

    15. Assim, o Tribunal a quo, ao sustentar a sua decisão na inexistência de dolo ou intenção de violação das regras de segurança impostas por lei, violou o disposto no art. 7.º, n.º 1, al. a) da LAT.

    16. A este propósito, cita-se ainda nesta sede o recente Acórdão do STJ, proferido em 23.09.2009, no processo n.º 323/04.1TTVCT.S1, disponível em www.dgsi.pt.jstj): “ A recorrente discorda do entendimento e da decisão da Relação, por continuar a defender a tese que o sinistrado violou o disposto no art.º 44.º do Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil, aprovado pelo Decreto n.º 41.281, de 11 de Agosto de 1958, e no art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril, ao ter subido ao telhado do pavilhão sem cinto ou arnês de segurança, sem tábuas de rojo, sem escalas de telhador e sem ter utilizado uma...

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