Acórdão nº 3646/04.4TBVFR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelHÉLDER ROQUE
Data da Resolução23 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA A REVISTA Sumário : I - Decidindo-se no saneador pela inexistência da invocada ineptidão da petição inicial, por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, com trânsito em julgado, tal obsta à sua reapreciação posterior, em sede de recurso, ainda que no contexto da necessidade de ampliação da matéria de facto, salvo em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou caso ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

II - A faculdade de ampliação da matéria de facto não significa que o STJ possa mandar averiguar factos que as partes não articularam, ou, por outra forma, trouxeram à apreciação do tribunal, contendendo antes com a situação em que as instâncias seleccionaram, imperfeitamente, a matéria da prova, amputando-a de elementos que consideravam dispensáveis, mas que se verifica tornarem-se imprescindíveis para que o STJ possa definir o direito aplicável.

III - Sendo a retribuição um elemento essencial do conceito de empreitada, e podendo o seu montante ou a forma da remuneração serem determinados, em momento ulterior ao do seu ajuste, deverá ser definido um critério para assentar no valor desta prestação, na insuficiência do qual a fixação do preço é realizada pelo tribunal, segundo juízos de equidade.

IV - A autonomia do empreiteiro não é prejudicada pelo facto de o comitente poder, por si ou por intermédio de terceiro, elaborar os projectos e fiscalizar os trabalhos de execução da obra, verificando se esta está a ser realizada, em conformidade com os requisitos a que deve obedecer a sua execução.

V - Sendo a empreitada uma das modalidades do contrato de prestação de serviço, mas, também, um dos contratos em especial tipificados, as disposições sobre o mandato só são extensivas, com as necessárias adaptações, aquelas modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente, entre as quais não se conta a empreitada.

VI - A específica desistência do empreiteiro corresponde a uma denúncia atípica, a qual, ou apresenta um regime próprio, como acontece com a desistência do dono da obra, ou está sujeita às consequências da resolução, cujo regime segue, na falta de regras específicas.

VII - O não cumprimento da prestação do empreiteiro é definitivo e a si imputável, na hipótese de o mesmo ter, expressamente, declarado que já não realizaria a obra, como acontece quando desiste de a concluir.

VIII - Encontrando-se o direito do empreiteiro paralisado, por força do exercício da exceptio non rite adimpleti contratus, por parte do comitente, que goza da faculdade de recusar o cumprimento da prestação em que foi condenado, enquanto aquele não corrigir os defeitos existentes na obra e que lhe são imputáveis, não se acha, consequentemente, em mora o dono da obra, apesar do crédito em que foi condenado não ser já ilíquido, porquanto ainda se não se mostra exigível, o que significa, afinal, que a eventual mora deste só se iniciará quando, corrigidos que forem pelo empreiteiro os vários defeitos que a obra ainda regista e realizada a dedução ao valor da prestação que lhe é devida a quantia respeitante às deficiências outrora existentes na obra e que lhe são imputáveis, mas, oportunamente, reparadas pelo comitente, este não disponibilize, de imediato, a prestação pecuniária de sua responsabilidade.

Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA AA, residente na Rua ..., ..., propôs a presente acção, com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB e esposa, CC, residentes em ..., freguesia de ..., ..., pedindo que, na sua procedência, estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de €25.059,80, acrescida de juros de mora, já vencidos, desde 28 de Fevereiro de 2003, no montante de €1.294,20, e dos vincendos, até integral liquidação daquele primeiro quantitativo, alegando, para o efeito, e, em síntese, que, no exercício da sua actividade de empresário da construção civil, aceitou uma proposta dos réus no sentido de se encarregar da construção de uma moradia que os últimos tinham já iniciado, podendo, para tanto, contratar os trabalhos das suas empresas ou de terceiros e adquirir os materiais no local que melhor entendesse, obrigando-se os réus a ir procedendo à entrega ao autor das quantias necessárias para custear a execução da dita moradia, à media da sua construção.

Adiantou que o preço a pagar pelos serviços por si prestados não havia sido, desde logo, acordado, mas que seria devido, no final da obra, e calculado em função do custo total da mesma, sendo que, tendo os seus serviços finalizado, no início de Fevereiro de 2003, apresentou aos réus um saldo, a seu favor, relativo às despesas tidas com a execução da mencionada obra, no valor de €15.059,80, o que os mesmos aceitaram, para além do preço dos seus serviços, que se fixava em €10.000,00, montantes esses que, até ao presente, os réus não pagaram.

Na parte da contestação que ainda interessa considerar, os réus impugnam a alegação inicial, acrescentando que os trabalhos de execução da obra apresentavam várias deficiências que, enquanto não corrigidas, justificavam o não pagamento do que, eventualmente, fosse devido ao autor.

Na réplica, o autor conclui, nos precisos termos da petição inicial.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, e, em consequência, condenou os réus a pagar ao autor a quantia de €22.559,80, com a faculdade daqueles se recusarem a fazê-lo, enquanto o último não proceder à reparação dos defeitos existentes na obra e que lhe são imputáveis.

Desta sentença, o autor e os réus interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação interposta pelos réus, mas, parcialmente, procedente o recuso interposto pelo autor e, nessa medida, alterando o sentenciado, condenou os réus a pagarem ao autor a quantia de €22.559,80, acrescida de juros moratórios civis, desde a data da sentença até integral liquidação daquele primeiro quantitativo.

Do acórdão da Relação do Porto, interpuseram, de novo, o autor e os réus recurso de revista, terminando aquele as alegações com o pedido da sua alteração, de forma a que os réus sejam condenados a pagar juros de mora ao autor sobre a quantia em dívida de €22559,80, calculados à taxa legal, em conformidade com o disposto pelo artigo 559º, do Código Civil, a contar de Fevereiro de 2003 e até efectivo e integral pagamento, e os réus com o pedido da sua revogação, julgando-se a acção improcedente, ou, quando assim se não entenda, mantendo-se a decisão proferida, em 1a Instância, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: O AUTOR: 1ª - O crédito do recorrente não é ilíquido porque foi devidamente concretizado por este junto dos recorridos em Fevereiro de 2003 quando lhes apresentou a conta corrente dos custos da obra e das entregas efectuadas e bem assim a sua conta dos serviços prestados.

  1. - Os referidos custos eram então de 15.059,80€ e com esse montante foram reconhecidos na sentença proferida.

  2. - A conta dos serviços prestados que então se fixou em 10.000,00€ foi reduzida pela mesma sentença para 7.500,00€, mas essa circunstância não determina a iliquidez do respectivo crédito.

  3. - Dado que o recorrente apresentou aos réus as quantias em dívida em Fevereiro de 2003, e os interpelou para pagamento nessa data deve considerar-se que a partir daí se encontram em mora (art. 805° do C. Civil).

  4. - Aliás, sendo o crédito relativo ao preço duma empreitada e tendo os réus recebido a obra nessa mesma data, também por força do disposto no art. 1211º, n° 2 do Código Civil o preço deveria ser pago nesse momento, havendo mora a partir daí.

  5. - Decidindo de modo diferente o douto acórdão recorrido fez uma incorrecta interpretação e aplicação dos preceitos atrás citados.

    OS RÉUS: 1ª – Do que ficou provado em audiência de discussão e julgamento extrai-se que a intervenção do recorrido, ao longo da execução das obras, não se pode qualificar como autónoma ou independente.

  6. - A presença quase diária do recorrente marido junto das obras para verificar o seu andamento, e a constante realização de reuniões entre este e o recorrido, para a tomada de decisões quanto à execução da mesma, são manifestações evidentes disso.

  7. - A intervenção do recorrente marido ultrapassava a mera função fiscalização da obra, a qual, num normal contrato de empreitada, é sempre permitida ao dono da obra, e que confere ao empreiteiro uma ampla autonomia na execução da mesma.

  8. - Aliás, foi dado como provado que a fiscalização da obra era efectuada unicamente pelo arquitecto.

  9. - O que só pode apontar no sentido de que a intervenção do recorrente marido extravasava, afinal de contas, essa mera função, já que esta fora delegada "exclusivamente” noutrem.

  10. - Tal circunstância, acrescida do facto de os recorrentes terem chegado a adquirir materiais para posterior aplicação na obra pelo recorrido, constitui factualidade bastante para demonstrar a falta de autonomia com que o recorrido exerceu a sua actividade no caso em apreço.

  11. - O negócio celebrado entre recorrentes e recorrido deverá, assim, reger-se pelas regras do mandato, e não, como entenderam as instâncias, segundo as regras da empreitada.

  12. - Configura-se, pois, como um contrato que se presume gratuito (art.

    1158°, n°1 do CC), já que a presunção de onerosidade nunca poderia verificar-se, no caso em apreço.

  13. - Na verdade, estabelece a segunda parte do n°1 do artigo 1158°, do C. Civ., que o mandato apenas se presumirá oneroso quando tiver por objecto actos que o mandatário pratique "por profissão".

  14. - Ora, não se provou que o recorrido seja, ou que alguma vez tenha sido, construtor civil.

  15. - Nem existe nos autos uma única factura emitida pelo recorrido que evidencie a prática de tal actividade.

  16. - Se praticasse essa actividade, seguramente que o recorrido teria de ter proveitos em IRS, e de estar inscrito no IVA, o que não veio a provar-se.

  17. - Em...

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