Acórdão nº 04118/10 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelEUGÉNIO SEQUEIRA
Data da Resolução23 de Novembro de 2010
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul: A. O Relatório.

  1. A Exma Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:

  1. Sustentou o oponente para efeito do provimento da sua pretensão consubstanciada em ilegitimidade na presente execução fiscal, o facto de se estar perante liquidações oficiosas de IVA emitidas pela Administração Fiscal (AF), não exercendo à época a sociedade qualquer actividade comercial.

  2. A douta sentença incorre em erro na apreciação da prova produzida, ao efectuar errónea interpretação da base probatória factual dada como assente, designadamente o facto do oponente não poder ser afastado da qualidade da gerência da sociedade devedora originária nos anos a que se reportam as dívida, uma vez que, independentemente de se considerar que tal alegada gerência de facto não ocorrer por via do prosseguimento da actividade, sempre tal exercício da gerência se consubstanciou através da não dissolução e liquidação da sociedade e pela não renúncia ou destituição do oponente a tal gerência relativamente ao período temporal a que remonta a dívida exequenda; C) No tocante à matéria dada como provada, não pode deixar de se relevar que a douta sentença de que se recorre, reconheceu e bem, que o ora oponente exerceu as funções de gerência para as quais estava formal e estatutariamente investido; o que ocorreu durante parte o ano de 1995 e princípios de 1996 (vide ponto 9.) D) Está-se no caso da devedora originária, perante uma empresa que durante o seu período de laboração, chegou a ter 20 empregados, o que dá uma ideia de grandeza e concomitantemente da materialidade que tais funções de gestão pelo oponente acarretaram e exigiram (vide ponto 8.) E) Por outro lado, tal como se retira igualmente do quadro probatório factual, não se provou que qualquer outro indivíduo tenha, desde o início até à presente data, ocupado funções de gerência de direito e de facto, que não fosse o próprio oponente.

  3. Provou-se igualmente que o intuito societário era a de dois indivíduos italianos passarem mais tarde a assumir posições como sócios e gerentes, o que, de resto, nunca veio a suceder, porquanto os mesmos acabaram por abandonar o País, permanecendo o ora oponente investido na qualidade de sócio e gerente que desde ab initio possuía.

  4. Ao invés, estes indivíduos italianos não só se encontravam em Itália, como nunca exerceram aquilo que seria uma posição de relevo na devedora originária, acabando assim o oponente por assumir em exclusividade a gerência efectiva da sociedade até ter decidido encerrar a laboração da empresa.

  5. Basta atentar no disposto no artigo 24° da LGT para facilmente alcançar que o requisito legal erigido como imprescindível é que essa gestão efectiva tenha ocorrido na esfera do indivíduo revertido.

  6. E essa gestão efectiva foi de facto materializada nas acções do ora oponente, razão pelo qual são espúrias de atendibilidade legal a tese abrogante propugnada pela douta sentença de que se recorre segundo a qual a motivação por de trás de tal exercício da gestão pudesse e devesse nos termos legais desaguar em equivalência ao não exercício de tal gerência.

  7. O ora oponente não refutou que até 1996 exercia conjuntamente com aquele a gestão da dita sociedade.

  8. Apenas e só que a partir de tal momento, a sociedade foi confrontada com a ida dos supostos futuros sócios italianos, o que precipitou a decisão pelo oponente em parar a laboração da sociedade.

  9. Mesmo perante este acervo factual, ainda assim não se poderia assacar de tais factos qualquer conclusão que prejudicasse a gestão de facto pelo oponente.

  10. Na verdade, o oponente, após 1996, não veio em momento algum a renunciar à gerência, nem a proceder à dissolução e liquidação da sociedade, muito menos tendo ocorrido a sua destituição e substituição por novo gerente nomeado.

  11. Sendo o único que detinha o poder de facto e de direito para o fazer enquanto único gerente e sócio maioritário da devedora originária, não é possível extrair qualquer causa de desresponsabilização tributária subsidiária da pessoa do oponente enquanto gerente da devedora originária.

  12. A este propósito, não podemos deixar de acompanhar, com vénia, a doutrina e fundamentação em que assentou o acórdão proferido pela TCA Sul no âmbito do processo n.º 03301/2009, no qual se acordou que: “...

    a simples cessação de facto da actividade da sociedade executada originária, porque não contemplada enquanto tal pela lei aplicável, não é adequada à extrapolação tomada pela decisão recorrida da cessação de funções de gerência do recorrido, mesmo que de facto.” P) Tal como se colhe da matrícula societária, a sociedade não foi dissolvida, nem tão-pouco liquidado o seu património.

  13. Por outro, estava na disponibilidade total do oponente, enquanto único gerente nomeado e que vinha exercendo essa mesma gerência com efectividade, assim o reputando, renunciar à respectiva gerência.

  14. A omissão do oponente em dar cumprimento a estes básicos e essenciais deveres de uma conduta fiscalmente diligente e prudente enquanto representante legal da sociedade propiciaram efectivamente a situação deficitária em que a devedora originária se encontra, a qual, poderia ter sido estancada se o oponente não se eximisse, enquanto representante legal da sociedade, em dar cumprimento à entrega das declarações fiscais da sociedade.

  15. Este conspecto comportamental do oponente é destarte manifestamente subsumível a uma situação de comportamento censurável e muito aquém daquilo que se exigiria do denominado bonus pater familiae quando colocado na situação concreta em que o oponente se encontrava.

  16. Isto porque, interpretar a gerência de facto a que se reporta o artigo 24° da LGT, como um conceito que pressupõe imprescindivelmente que a sociedade em causa se encontre em laboração seria como verdadeiramente "abrir as portas" a que os gerentes de facto, após o encerramento material da actividade económica a que se dedicavam, se pudessem, sem mais, eximir a um comportamento diligente que a lei fiscal e comercial impõem no âmbito do exercido de tais funções societárias.

  17. Interpretação essa, que sempre redundaria em violação aos critérios legais de interpretação estatuídos nos n.º 1 e 3 do artigo 9° do Código Civil V) E que equivaleria a avalizar comportamentos de total negligência ou mesmo de dolo por parte dos gerentes que, após as respectivas empresas pararem a sua laboração e sem que tivessem procedido nos termos legais à dissolução e liquidação da sociedade, se poderiam eximir das responsabilidades estatutárias e efectuar todos os procedimentos que a lei impõe durante a vigência jurídica da sociedade (entre as quais a entrega das respectivas declarações fiscais com o respectivo apuro fiscal), seja para o encerramento de tal entidade jurídica.

  18. Em suma, não é possível excluir-se do conceito de "gerência de facto" constante do artigo 24° da LGT, situações de facto como as que repousam nos vertentes autos, em que determinado gerente de facto (ainda para mais único - perante o acervo probatório constante do douto aresto), pelo simples facto de a respectiva empresa cessar a sua laboração, esteja totalmente liberto de continuar a dar cumprimento aos deveres legais da sociedade, de onde relevam in casu os respectivos deveres fiscais.

  19. O conceito de "gerente de facto" não se esgota no momento em que a respectiva sociedade deixa de laborar, porque se fosse essa a intenção legislativa em matéria de responsabilidade subsidiária tributária dos titulares do órgãos de gestão, sempre o legislador teria sabido encontrar uma redacção que desse escopo a esse eventual.

  20. Ao invés, o teor do artigo 24° da LGT só pode ser lido e interpretado como preceito responsabilizador de todos aqueles titulares de órgãos de gerência que, ao actuarem, quer por omissão, quer por comissão, sem a diligência, prudência e critério de um bonus pater familiae, relativamente às dívidas tributárias a que estes deram, por via dessa mesma...

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