Acórdão nº 0441/09 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 11 de Novembro de 2010

Magistrado ResponsávelCOSTA REIS
Data da Resolução11 de Novembro de 2010
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do STA: A Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de B…, representada pelos herdeiros C… e D…, recorre da sentença do TAF de Coimbra que julgou improcedente a acção de responsabilidade civil por ela intentada contra o Município de S. Pedro do Sul tendo formulado as seguintes conclusões: Do nexo de causalidade 1. No julgamento da matéria de facto constante dos quesitos 3 a 6 e 31 e 34 da B.I. o Tribunal não podia formar a sua convicção no depoimento da testemunha E… na medida em que não presenciou qualquer daqueles factos e o que referiu foi o que outras pessoas lhe contaram depois de terem sido praticados.

  1. E no que se refere aos factos constantes dos quesitos 31 e 34 da B.I. só por perícia podiam ser dados como provados e não por depoimento de testemunhas dado que exigiam especiais conhecimentos técnicos e científicos que as testemunhas sobre os quais depuseram, não tinham.

  2. E do depoimento das testemunhas F…, G… e H…, aquele o que utilizou os explosivos e estes que chegaram minutos depois da explosão ao local, resulta que o incêndio deflagrou imediatamente a seguir à explosão com início a 7/8 metros do local daquela.

  3. Bem pelo contrário, a testemunha I… não teve dúvidas em afirmar, conforme se alcança da gravação do seu depoimento, que o incêndio ocorreu por efeito do calor, chama ou semelhante libertados com a explosão do tiro.

  4. Sendo que a testemunha F… não afirmou que o incêndio não podia ter ocorrido da explosão dos tiros até porque ele, como referiu, estava desviado quando a deflagração se deu e apenas viu o paul a arder, não sabendo explicar como aconteceu.

  5. E tendo em conta a temperatura e a humidade que se fazia sentir no momento em que se deu a explosão e, ainda, tratando-se de época de verão e ao facto de a explosão ser dar por efeito de utilização de rastilho o qual, para dar início ao processo de deflagração, tem de ser ligado com chama, quer por fósforo quer por isqueiro, processo este a decorrer no interior da floresta, é de presumir, segundo um bom pai de família, que tal acção é idónea a provocar incêndio.

  6. A esta conclusão chegou o Tribunal Colectivo que julgou os mesmos factos nos autos de processo comum/colectivo n.° 46/97 onde deu como provado que foi em consequência directa e imediata da explosão que o incêndio se deu.

  7. O Acórdão do Tribunal de S. Pedro do Sul, que deu como provados os factos constantes dos quesitos 3.° a 6.° da B.I. não podia ser abalado por depoimento de testemunhas na medida em que, tendo transitado em julgado, faz prova plena dos factos que atesta dado que, não tendo sido o arguido absolvido do crime por não os ter praticado mas por não ter actuado com negligência, não é aplicável o artigo 674-B do CPC.

  8. O Tribunal recorrido ao não fazer qualquer referência, no julgamento da matéria de facto, àquele Acórdão, inquina de nulidade a decisão sobre a matéria de facto e consequente sentença que naquela se fundou, nulidade que se invoca.

  9. E viola os artigos 341.°, 37l.° e 393.° todos do CC e, ainda, o artigo 515.° e artigo 654.° n.° 2 ambos do CPC.

  10. Viola, ainda, o artigo 388.° do CC. ao fundar a sua convicção na resposta aos quesitos 31 e 34 no depoimento de testemunhas quando tais factos, dados os especiais conhecimentos técnicos e científicos, só por perícia podia ser dados como provados.

  11. Como viola os artigos 349.° e 351.°, ambos do C.C. pois o Tribunal devia presumir que é utilizado lume, quer através de isqueiro, fósforo ou outro mecanismo mecânico que produza chama, para dar início à deflagração do rastilho (acender) e que a ponta do rastilho onde se acende até à boca do furo tem mais de 5 metros para que o funcionário tenha tempo de se abrigar.

  12. E que, tendo em conta o vento a soprar, era de presumir que possa ter empurrado o dito rastilho a arder para o interior da floresta.

  13. E, ainda, devia o Tribunal presumir que as pedras que resultam da explosão são lançadas em estado de incandescência o que, tendo em conta a temperatura de 26 a 28 graus, ar seco, humidade de 30 a 33 graus e vento a soprar, podia atear fogo.

  14. O Tribunal viola, ainda, o artigo 514.° do CPC pois é facto notório, não necessitando de prova nem de alegação que o acender do rastilho é com isqueiro ou fósforo, que o rastilho tem de ter uma extensão suficiente que permita àquele que o acende se possa afastar do perigo da explosão e que as pedras que provêm da explosão são incandescentes.

  15. Razão pela qual, dando-se como provados os factos constantes dos quesitos 3 a 6 da B.I. e nos termos das conclusões anteriores, está verificado um dos pressupostos da obrigação de indemnização, isto é, o nexo de causalidade.

    Dos Danos 17.

    No julgamento da matéria de facto dos quesitos 12, 13 e 14 da B.I. o Tribunal não teve em conta o acordo das partes, a resposta dos peritos dada aos quesitos 1.º e 2.° que lhes apresentou a Autora e ao qual responderam que o valor da madeira foi de 20.993,00 € e o documento de fls. 89 e 90 dos autos apresentado pelo Réu donde consta o valor dos pinheiros de 5.000 contos.

  16. E o tribunal ao valorar o documento de fls. 89 a 90 dos autos para resposta aos quesitos 15, 16 e 17 e não para a resposta aos quesitos 12, 13 e 14 entra em contradição, sem a explicar.

  17. Viola, assim, os artigos 513.° e 515.° do CPC 20.

    A actividade de utilização de explosivos é uma actividade de risco prevista pelo legislador no artigo 35.° do Regulamento de Explosivos aprovado pelo D.L. 376-84, de 30. 11, razão pela qual, para concluir que a actividade levada a cabo pelo Réu é perigosa, não há lugar à aplicação do artigo 8.° do D.L. 48051 de 21 de Novembro de 1967.

  18. Tendo o incêndio destruído um palheiro no valor de 400 contos, tubos no valor de 3.960$00, tábuas aparelhadas no valor de 4.320$00 e pinhal no valor de 5.000 contos verificam-se danos susceptíveis de serem reparados.

  19. Na responsabilidade pelo risco não é aplicável o artigo 9.° do D.L. 48051 no que se refere aos danos especiais e anormais já que esta norma apenas é aplicável à responsabilidade por factos lícitos, o que não é o caso dos autos.

  20. Os danos são, também, não patrimoniais posto que as representantes da Autora choraram e ficaram tristes com a destruição de parte do património que lhes deixou o marido e pai, respectivamente merecem a tutela do direito por ter sido ofendido o direito de personalidade.

  21. A Douta sentença ao absolver o Réu violou os art.º 483.°, 496.°, 499.° e 563.° do C.C. e art.º 8.° do D.L. 48.051.

    O Município de S. Pedro do Sul contra alegou para defender a manutenção do julgado sem, contudo, formular conclusões.

    O Ilustre Magistrado do M.P.

    pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso por entender que o depoimento das testemunhas não exige a modificação da matéria de facto sendo que a decisão sobre essa matéria “não se apresenta desconforme as regras da ciência, da lógica e da experiência.

    ” Por outro lado, não haveria que aproveitar os factos julgados provados no processo 46/97 do Tribunal de S. Pedro do Sul.

    Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

    FUNDAMENTAÇÃOI. MATÉRIA DE FACTO.

    A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. B… faleceu no dia 13 de Maio de 1987 - cfr. certidão de óbito que constitui fls. 44 dos autos (alínea A) dos Factos Assentes); 2. C… e D…, são, respectivamente mulher e filha de B… (cfr. teor das certidões que constituem fls. 45 a 47 (alínea B) dos Factos Assentes); 3. Os prédios rústicos situados nos limites de Preguinho, freguesia de Valadares, concelho de S. Pedro do Sul: • Pinhal e eucaliptal denominado “…” com a área de 9.500 m2 • Pinhal e eucaliptal denominado “…” com a área de 9.800 m2, • Pinhal e eucaliptal denominado “…” com a área de 4.900 m2, • Pinhal denominado “…” com a área de 13.000 m2; • Terra de cultura com videiras em cordão, pinhal e mato, com a área de 6600 m2, • Pinhal denominado “…” com a área de 1350 m2, encontram-se inscritos em nome de B…, na matriz predial respectiva, sob os nºs 221, 225, 229, 416, 811 e 560, respectivamente - cfr. teor de fls. 53 a 62 dos autos (Alínea C) dos Factos Assentes); 4. No dia 14 de Agosto de 1995, a Câmara Municipal de S. Pedro do Sul, procedia à abertura de um estradão (alargamento e rectificação de um antigo caminho de carro de bois), entre Olheiros dos Lobos e Malhadinha, em Ladeira, Santa Cruz da Trapa, o que já vinha fazendo há alguns dias (Alínea D) dos Factos Assentes); 5. Nesse dia e local, encontravam-se a trabalhar nessa obra, os seguintes trabalhadores: - F…, trabalhador do Réu, o qual desempenhava funções de cantoneiro de vias municipais, procedendo à limpeza de estradas, espalhando brita de alcatrão e abertura de caminhos.

    - Um funcionário da sociedade J… Lda, o qual operava com uma máquina de rastos “Caterpillar”, que havia sido contratada pelo Réu (Alínea E) dos Factos Assentes); 6. O funcionário do Réu trabalhava com um compressor que utilizava para fazer furos na rocha, para neles introduzir gelamonite, que depois fazia explodir para fragmentar a rocha, para desse modo avançar com a construção do referido estradão (Alínea F) dos Factos Assentes); 7. O funcionário do Réu desempenhava tais tarefas sem que, estivesse munido de cédula de operador de explosivos, facto que o Réu conhecia - (Alínea G) dos Factos Assentes); 8. No dia anterior 13-08-95 tal trabalho havia sido feito por outro trabalhador devidamente habilitado com a referida cédula (Alínea H) dos Factos Assentes); 9. No dia 14-08-95, em virtude do trabalhador referido na alínea anterior ter faltado, o encarregado de obras do Réu ordenou ao seu funcionário que fosse continuar o trabalho que havia sido iniciado no dia anterior, o que este fez (Alínea I) dos Factos Assentes); 10.

    Chegado ao local, o funcionário do Réu, com o auxílio do compressor aprofundou 3 buracos, cuja abertura tinha sido iniciada no dia anterior e abriu mais dois, levando 5 furos à profundidade de 1,60 m (Alínea J) dos Factos Assentes); 11.

    Após o que, cerca das 13,30 h...

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