Acórdão nº 12276/03 de Tribunal Central Administrativo Sul, 03 de Fevereiro de 2005 (caso NULL)
Magistrado Responsável | João de Sousa |
Data da Resolução | 03 de Fevereiro de 2005 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam em conferência os juizes do TCAS RELATÓRIO Raul ...
, inconformado com a sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que negou provimento ao recurso contencioso de anulação (Proc. n.º 782/96 da 3ª Secção) do despacho de 21-05-1996 da Direcção dos Serviços da Caixa Geral de Aposentações que aplicou à pensão por si auferida a limitação imposta pelo artigo 18º da Portaria n.º 101-A/96, de 4/4.
Interpuseram ainda recurso Alda Gaspar e outros, por na mesma sentença se negar provimento ao recurso contencioso (Proc. n.º 210/00 da 3ª Secção do TACL) do despacho da mesma entidade, que lhes negou a aquisição do direito à actualização da pensão desde as datas que indicam.
Os recorrentes formularam as seguintes conclusões: I - Da violação do direito à actualização anual da pensão 1ª. O artigo 59° do EA, consagra o princípio da actualização periódica das pensões e define os critérios básicos a ter em conta na sua fixação: o da elevação geral dos vencimentos dos funcionários.
2ª. Daí decorre que os Recorrentes adquiriram no momento da fixação da sua pensão, o direito a vê-la aumentada sempre que se verifique o aumento das remunerações dos funcionários.
3ª. A salvaguarda de direitos adquiridos à data da assumpção da qualidade de funcionários e da inscrição na CGA, quanto ao direito à pensão e à sua actualização, em termos não menos favoráveis dos então vigentes, constitui, num Estado de Direito, um princípio fundamental inderrogável ou, nas palavras de João Alfaia "o direito à pensão e à sua actualização constituem situações jurídicas individuais indestrutíveis (cfr. Princípios Fundamentais do regime jurídico do funcionalismo público, 2° Vol., pp. 1085).
4ª. Nesta conformidade, a pensão dos Recorrentes devia ter sido aumentada, nos termos do artigo 59° do EA, nas percentagens fixadas nas Portarias impugnadas, e não o foram.
5a. E não o foram, segundo a CGA, porque "as portarias cuja legalidade os recorrentes contestam, prevêem todas elas que nas remunerações em vigor a partir de (...) até à data da entrada em vigor da presente portaria será deduzida a percentagem correspondente aos descontos legais para a CGA (...)".
6ª. Isto é, a CGA, com fundamento nesta norma das portarias impugnadas, manteve inalterados os valores ilíquidos e líquidos das pensões dos recorrentes, deduzindo nas mesmas pensões o valor dos descontos de 10% que o pessoal do activo desconta para a mesma CGA.
7ª. Mas, esta dedução de 10% no valor das pensões, não está previsto em nenhuma lei, e muito menos no DL 353-A/89, cujo n° 4 do seu artigo 45° se limita a estabelecer que "A revisão anual das pensões da competência da Caixa Geral de Aposentações (...) são fixadas em Portaria do Ministério das Finanças".
8ª. Ora, esta Portaria, ou o mesmo é dizer, as Portarias impugnadas, inovaram em matéria de pensões, introduzindo uma alteração profunda do regime vigente fixado no artigo 57°, l e 3, do EA, que apenas consente que nas pensões sejam descontadas as importâncias em dívida referidas no artigo 18°, bem como as indemnizações que, por motivo de elevação geral dos vencimentos, a lei estabeleça.
9ª. E, assim sendo, tais preceitos, que têm natureza regulamentar, colidem frontalmente com os artigos 59° e 57°, l e 3, do EA, pelo que são ilegais. Por outro lado, 10a. É incontroverso que o princípio da legalidade da Administração no que respeita aos regulamentos implica, numa das suas vertentes, que o regulamento não pode contrariar a lei e, designadamente, a lei que aquele visa regular ou ao abrigo do qual foi emitido. E a eventual desconformidade de um regulamento com a lei configurará uma violação directa da lei e, indirectamente, um desrespeito pelo princípio constitucional da legalidade da Administração.
11ª. Os regulamentos são sempre actos legalmente derivados, com necessária referência a uma lei ou diploma equiparado (artigo 112°, n° 8, da Constituição da República) e mesmo no caso de regulamentos independentes exige-se sempre uma referência à lei (cfr. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, pág. 781).
12ª. Além disso, a competência conferida ao Governo para fazer regulamentos necessários à boa execução das leis [al. c) do artigo 199° da CRP] implica, desde logo, a preexistência das leis que sejam susceptíveis e careçam de execução a nível normativo por parte da Administração, não podendo haver regulamentos sem lei, ou contrários à lei.
13ª. Ora, é por demais evidente que os incisos do n° 18 das Portarias 79- A/94, 1 093- A/94 e 101- A/96, não visam regulamentar qualquer preceito do AE ou de uma outra qualquer lei e muito menos o n°4 do artigo 45° do DL 353-A/89, de 16 de Outubro. Bem pelo contrário, antes derrogam os artigos 59° e 57°, l e 3, do mesmo EA que, como atrás se disse, consagram o direito inderrogável ao aumento anual das pensões.
14ª. O reenvio normativo da lei para regulamento está sujeito ao limite da reserva de lei, não podendo a lei, no âmbito da reserva, deixar de esgotar toda a regulamentação primária das matérias, só podendo remeter para regulamento os aspectos secundários. Ora, a dedução de 10% introduzido pela Portaria n° 79- A/ 94 e seguintes não constitui um aspecto secundário do regime das pensões.
15ª. Por tudo isto, o n° 18 das Portarias 79-A/94, 1093-A/94 e 101-A/96 são ilegais por desrespeito do princípio constitucional da hierarquia das normas, na medida em que desrespeitam os princípios contidos nos artigos 59° e 57° n.° l e 3, do EA.
Daí que, 16ª. a douta sentença recorrida, ao considerar que o acto da CGA, "se limitou a aplicar a disciplina jurídica introduzida pelo artigo 18.°, da Portaria 79-A/94, não padece dos vícios que os recorrentes lhe assacam", incorre em manifesto erro de interpretação e aplicação das supracitadas normas, e consequentemente em erro de julgamento.
II - Da inconstitudonalidade indirecta do artigo 18°, das portarias em questão: 17ª. Nenhuma das normas habilitantes invocada nas Portarias impugnadas, e que são o "artigo 25° do Decreto-Lei n.° 110-A/81 e dos n.°3 e 4, do artigo 4° e 6 do artigo 45.° do Decreto-Lei n.° 343-A/89" -habilitavam o Governo a legislar em matéria de aposentação e muito menos a fazê-lo ex novo. Com efeito, 18ª. Das normas habilitantes, constantes das Portarias, a única que tem a ver com a aposentação é a do n.° 4, do artigo 45.° do Decreto-Lei n.° 353-A/89. Só que esta norma apenas consente ao governo fixar por portaria os vencimentos dos funcionários e a proceder à actualização das pensões. Mas não foi isso que o governo fez.
19ª. Aquilo que o Governo efectivamente fez, foi aproveitar-se dessa disposição, como se de uma norma habilitante se tratasse, para estabelecer a igualização da situação contributiva dos aposentados com a dos funcionários públicos no activo, e impor, sorrateiramente, pela via regulamentar, uma dedução de 10% sobre o valor ilíquido das pensões.
20ª. Assim, a previsão normativa do artigo 45°, n.°4, do DL 353-A/89, (que nem sequer é citada) foi adulterada, pois, aquilo que o preceito passou a permitir ao Governo, foi, tão-só, poder passar a actualizar as pensões, por mera portaria, em vez de fazê-lo por Decreto-Lei, como vinha acontecendo desde 1997.44 Até essa altura discutia-se se o governo não teria de o fazer por lei da Assembleia da Repúlica. Esta questão foi resolvida pela Comissão Constitucional, que se pronunciou pela legitimidade do Governo para fixar a tabela de remunerações, por Decreto-Lei 21ª. Porém, o Governo, dando a tal norma um conteúdo que ela não tinha, serviu-se dela, não para actualizar as pensões, mas para as diminuir, em 10%, ainda que não duma vez só! E não só, 22ª. Ao fazer aos pensionistas uma dedução de 10% sobre o valor ilíquido da pensão, criou um verdadeiro imposto vitalício.
23ª. Assim, do ponto de vista formal e material, as normas do Decreto-Lei n.° 353-A/89,invocadas nas portarias, não constituem norma habilitante dos n.° 13, da Portaria n.° 79-A/94, de 4 de Fevereiro, nem dos n.° 14, 15 e 18, da Portaria n.° 1093-A/94, de 27 de Dezembro e idênticas disposições das portarias que lhes sucederam no tempo, e o n.° 4, do artigo 45°, apenas consente ao Governo fixar por Portaria o quantum do aumento, e nunca a modificação dos critérios fixados nos artigos 57.° e 59.°, do EA.
24ª. É, assim, por demais evidente, até por impossibilidade constitucional, que os incisos questionados não podiam introduzir qualquer alteração no Estatuto da Aposentação, e muito menos derrogar os artigos 59.° e 57.°, n.°s l e 3, do mesmo EA, que consagram o direito inderrogável ao aumento das pensões.
25ª. E, a verificar-se uma desconformidade entre aquelas disposições das Portarias e as normas de um diploma legislativo, como são os artigos 59.° e 57.°, do EA, não se prefigura assim um vício de inconstitucionalidade, mas, antes, uma situação de ilegalidade, que só indirectamente pode ser aferida face ao texto constitucional; aferição essa que está excluída do controlo do Tribunal Constitucional, pois são taxativos os casos de ilegalidade qualificada que a Constituição elenca no artigo 280.° (cfr. Acórdãos do tribunal Constitucional, in internet, wtvw.dgsi.pt - ACTC00004749/94-209-1/91-0031 DR, II Série, 160).
Por outro lado, 26ª. Diferentemente do decidido, a matéria da aposentação, como se diz no Ac. do TC n.° 267/88, faz parte do estatuto próprio da função pública, e o seu regime consta de um diploma legal, o EA - pelo que existe uma lei quadro, a fixar o regime da aposentação. Consequentemente, 27ª. Qualquer alteração do artigo 59.°, do EA, tinha e tem que constar, forçosamente, de Lei formal ou de DL autorizado (Cfr. Ac. do TC n.° 267/88). Também, 28ª. E, contrariamente ao sustentado na douta sentença recorrida, a jurisprudência do tribunal constitucional tem sido unânime em reconhecer que se existe uma lei quadro do regime da função pública, toda a legislação governamental se deve conformar com ela, sob pena de inconstitucionalidade orgânica, e quando não há tal lei, as normas que...
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