Acórdão nº 04051/00 de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Novembro de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFrancisco Areal Rothes
Data da Resolução23 de Novembro de 2004
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade irregular constituída por A ... e outros (adiante Recorrente, Impugnante ou Contribuinte) impugnou judicialmente a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e respectivos juros compensatórios, no montante global de esc. 9.127.392$00 que lhe foi efectuada pela Administração tributária (AT) relativamente ao ano de 1990, na sequência das correcções ao lucro tributável operadas com recurso a correcções técnicas e a métodos indiciários.

    Dedicando-se a sociedade à construção e venda de prédios, - as correcções técnicas tiveram por base a não aceitação dos custos respeitantes a a) despesas de deslocações efectuadas pelos sócios, que a AT considerou "ficcionadas" e que nunca se mostrariam necessárias e indispensáveis à formação dos proveitos, b) encargos financeiros, que a AT considerou respeitantes a um empréstimo alheio à Contribuinte, porque contraído por C... junto de uma Caixa de Crédito Agrícola (CCAM) e para a construção de instalações agrícolas; e - o recurso aos métodos indiciários estribou-se no entendimento de que o preço declarado das vendas dos andares construídos pela Contribuinte é inferior ao real, como resulta de diversos "factos-índice", como o serem inferiores aos preços de mercado praticados nas mesmas zona e época, haver diferenças entre os valores praticados para andares semelhantes e haver diferença considerável no preço por m2 das garagens e dos apartamentos vendidos.

    1.2 Na petição inicial da impugnação judicial, a Impugnante questiona as correcções efectuadas ao lucro tributável, quer por correcções técnicas quer por métodos indiciários.

    No que respeita às primeiras, - começou a Impugnante por referir os motivos por que surgiu como sociedade irregular: que todos os sócios eram empresários da construção civil e que se constituíram em "sociedade irregular" apenas para a construção dos prédios a que se referem os autos e venda das respectivas fracções; - depois, quanto aos custos com deslocações desconsiderados pela AT, referiu · que os mesmos se reportavam a deslocações às obras, que exigem a presença constante dos responsáveis das empresas, a deslocações para vendas, aí se incluindo quer as negociações quer a celebração das escrituras; · que eventuais «lapsos de escrita existentes nos mapas de quilómetros entregues [...] não passam disso mesmo»(1); · que o facto de o automóvel referido como sendo o utilizado por J... ter sido vendido em 10 de Julho de 1989, não permite concluir que este não efectuou quaisquer quilómetros ao serviço da empresa, sendo que se tratou de mero lapso da funcionária que preenchia o mapa, que não se apercebeu que a viatura por ele utilizada já não era aquela, mas uma outra; · que os diversos sócios se deslocavam cada um no seu carro pois eram empresários «com outros e demasiados afazeres», que dificilmente poderiam andar juntos e que «partiam muitas vezes de locais diferentes com diferente destinos»; · que nada tem «de surpreendente o facto dos impugnantes terem apresentado facturas de refeições fora do circuito normal das viagens entre Oliveira do Hospital e Viseu... podendo perfeitamente terem almoçado em Seia, por exemplo e passarem em Viseu para mostrar um andar a um cliente»; - quanto aos custos respeitantes aos encargos financeiros com a obtenção de um empréstimo na CCAM de Oliveira de Hospital por C..., que o mesmo, apesar de contraído em nome individual por aquele e para uma alegada exploração agrícola, foi efectuado em benefício da sociedade irregular, motivo por que está reflectido na contabilidade desta; que a CCAM "pouco se preocupava" com o destino do dinheiro que emprestava, bem sabendo que o C... era empresário da construção civil e que eram as próprias CCAM a «sugerir a criação de "artifícios" que permitam tornear a dificuldade estatutária de apenas concederem crédito a agricultores» (2).

    Quanto às segundas, isto é, quanto às correcções por métodos indiciários - que os lotes onde foram efectuadas as construções apresentavam diversas circunstâncias que implicaram maiores custos de construção e, por isso, menores rendimentos, «pois obviamente teriam que ser praticados valores abaixo dos considerados para outro tipo de terrenos; - que a conta bancária que os Serviços de Fiscalização dizem não terem tido acesso, por o mesmo lhes ter sido recusado pela Impugnante, nunca foi por esta movimentada, sendo que foi «criada com a intenção [...] de poder vir a financiar eventuais compradores dos andares que não tivessem acesso ao crédito à habitação»; - que os valores realmente praticados nas vendas são os que constam das respectivas escrituras, «não podendo por isso os valores nelas expressos ser alterados por simples raciocínio presuntivo da Administração Fiscal - cfr. artigo 32.º do C.P.T.

    »; - que não se compreende como a Administração, que «em Coimbra, numa das zonas mais nobres da cidade (Solum) [...] relativamente a prédios até com bons acabamentos e no mesmo ano de 1990, atribuiu por métodos indiciários o preço médio de venda de 60.000$00 por m2», considerou o preço médio por m2 de esc. 75.000$00, «para uma construção situada numa pequena aldeia do concelho de Viseu e com acabamentos de qualidade seguramente inferior...

    »; - como é sabido, «o mercado da construção civil é bastante complexo, pelo que sabemos que não se poderá considerar um andar para venda como mera mercadoria exposta e rigidamente taxada a um determinado preço - a sua venda dependerá sempre de variados factores: binómio oferta/procura, maior ou menor necessidade de realizar capital por parte dos construtores, qualidade dos materiais utilizados nos acabamentos, localização da construção, densidade e qualidade das infra-estruturas sociais existentes e em especial as próprias condições de comercialização»; ora, no caso, tratava-se «dos primeiros blocos habitacionais existentes na zona e numa altura em que esta não possuía quaisquer estruturas sociais, comerciais ou de transportes públicos viários para a cidade», «estavam os impugnantes a necessitar de realizar capital» e «no local a oferta [era] manifestamente superior à procura» pelo que «se chegou a vender com prejuízo apenas para justificar o empate de capital»; - «não se entende como é que a Administração Fiscal chegou às conclusões referidas no relatório da fiscalização», sendo que nas comparações de preços efectuadas foram erradamente consideradas iguais as fracções "..." e "..." do lote ...; também não pode considerar-se que o preço dos 2.ºs andares deveria ser superior, com o argumento que permitiam fazer "duplex", pois «não temos conhecimento de nenhum pois além de técnicamente [sic] difíceis de executar, nem sequer são autorizados pela Câmara Municipal»; há ainda que considerar, nas comparações entre os andares, os diferentes tipos de acabamentos (que podem dar origem a diferenças até esc. 6.000$00/m2), as vistas, a exposição ao sol, etc.; assim, o facto de a fracção "..." ter sido vendida por menos 1.100 contos do que a fracção "...", explica-se por aquela ter sido a primeira fracção vendida (em 24 de Julho de 1990) e, dadas as dificuldades de venda e a urgente necessidade de realizar dinheiro por parte da Impugnante, «era natural que tivessem feito um preço mais baixo», tanto mais que a fracção "..." só foi vendida em 3 de Junho de 1991, um ano mais tarde; acontece também que as datas das escrituras de compra e venda nem sempre coincidem com as datas dos acordos de venda, «como normalmente acontece quando se está à espera de licenças, de financiamentos hipotecários, etc., ou até porque a própria displicência dos interessados protela a celebração das mesmas».

    Concluiu, pois, a Impugnante que a sua contabilidade estava «regularmente organizada, com todas os valores declarados e registados», não tendo a AT logrado demonstrar a existência de quaisquer omissões ou inexactidões, não se justificando que a matéria tributável declarada fosse objecto de qualquer correcção técnica ou por métodos indiciários.

    1.3 Na sentença recorrida, depois de tecer diversos considerandos de ordem geral, com vista a enquadrar legalmente a situação de facto, o Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância de Coimbra considerou, em síntese: - quanto às correcções técnicas · que os custos contabilizados em deslocações não se encontram devidamente documentados; · que os custos com encargos financeiros do empréstimo também não poderão contabilizar-se como custos da Impugnante, «atendendo à alteridade do impetrante e à beneficiária da concessão, bem como ao escopo finalístico evidenciado (actividade agrícola)»; - quanto aos métodos indiciários · que está devidamente fundamentada a decisão de recurso aos métodos indirectos, pois a AT especificou os motivos por que não podia proceder à quantificação directa da matéria tributável, bem como os critérios que utilizou para a determinação da mesma; · não pode considerar-se verificada a "dúvida fundada" que poderia determinar a anulação do acto impugnado pois esta, a existir, assenta na inércia probatória da Impugnante; · «os Autos evidenciam que os as vendas declaradas não correspondem aos valores efectivamente recebidos dos clientes», sendo que «os preços de venda/m2 declarados foram inferiores aos preços de custo de construção/m2 a preços controlados, estabelecidos anualmente por portaria ministerial».

    1.4 Inconformada com essa sentença, a Impugnante dela recorreu para este Tribunal Central Administrativo e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

    1.5 A Recorrente alegou e formulou as seguintes conclusões: «1.ª - A sentença faz uma errada aplicação do direito ao inverter completamente o ónus da prova previsto na legislação tributária; 2.ª - Violando desde logo o princípio constitucional da tributação dos lucros reais; 3.ª - As conclusões retiradas sofrem de falta de fundamentação e do grave erro de apreciação da matéria de facto dada como provada, designadamente que as vendas declaradas...

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