Acórdão nº 05312/01 de Tribunal Central Administrativo Sul, 01 de Julho de 2003 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJoaquim Casimiro Gonçalves
Data da Resolução01 de Julho de 2003
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

RELATÓRIO 1.1. A Auto ..., Lda. e a Câmara Municipal de Sintra, recorrem da sentença que, proferida pelo Mmo. Juiz da 2ª secção do 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, julgou parcialmente procedente a oposição que aquela Auto ..., Lda., deduzira contra a execução fiscal de taxa referentes a bombas abastecedoras de combustível, relativa aos anos de 1991 a 1995.

A Auto ..., Lda., recorre da sentença na parte em que esta julgou improcedente a oposição quanto às ditas taxas do ano de 1995.

A Câmara Municipal de Sintra recorre na parte em que a sentença julgou procedente a oposição quanto às mesmas taxas dos anos de 1991 a 1994.

1.2.1. A Auto ..., Lda. alegou e formulou as conclusões seguintes: 1. De acordo com a sentença recorrida os tributos em causa não são impostos na medida em que havendo utilização de um bem semi-público - a ocupação do domínio público - há uma contraprestação, há consequentemente uma relação sinalagmática, e, nessa medida, o tributo será de qualificar como taxa sem mais considerações.

  1. O Mmo. Juiz a quo, não considerou também violados no caso dos autos os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade, ou o da boa fé.

  2. Ora, este colendo tribunal teve já oportunidades bastantes de apreciar da incompatibilidade das normas ora impugnadas com os referidos princípios - maxime o da proporcionalidade - tendo concluído pela ocorrência da violação desse princípio.

  3. Foi o que sucedeu designadamente nos seguintes cinco doutos acórdãos proferidos pela 2ª secção: Ac. de 22.11.00 no âmbito do recurso n° 972/98; Ac. de 12.12.00 no âmbito do recurso n° 2142/99; Ac. de 12.12.00 no âmbito do recurso n° 2144/99; Ac. de 30.01.01 no âmbito do recurso n° 2549/99; e Ac. de 06.03.01 no âmbito do recurso n° 3223/00.

  4. De referir também que já o Tribunal Constitucional entendeu por diversas vezes que quando ocorra um aumento intolerável nos montante de determinada taxa sem que se alterem as contrapartidas oferecidas pelas entidades públicas se está na presença de verdadeiros impostos e, por isso, perante normas que padecem do vício de inconstitucionalidade orgânica por lhes falecer credencial parlamentar (Ac. De 06.10.92, in DR II Série, de 18.02.93; Ac. de 16.03.94, in DR. II Série, de 07.05.94 e Ac. N° 473/88/T.Const - Processo 748/98, publicado no DR n° 262 11 Série de 10/11/99. Neste último, a respeito da "taxa de peste suína" foi tal taxa considerada um verdadeiro imposto por ter duplicado de valor, de um ano para o outro sem que se tenham alterado as contraprestações por parte das entidades públicas).

  5. No caso dos autos o Mmo. Juiz de 1ª instância, numa visão demasiado simplista, entendeu estar perante uma taxa apenas tão só porque a Recorrente beneficiou da possibilidade de ocupar o domínio público municipal, não tendo porém retirado na sentença quaisquer consequências dos aumentos ocorridos entre 1988 e 1995 de mais de 900. verificados nas taxas previstas nas normas impugnadas sem alteração das respectivas contrapartidas.

  6. Aumentos de tal modo inexplicáveis que levaram um dos vereadores da CMS a afirmar na acta da reunião camarária em que foram deliberados os aumentos o seguinte: "não consegui encontrar critério justificativo dos aumentos, penso que foi um pouco a olho por cento...".

  7. Ora, as taxas têm sido entendidas pela generalidade da doutrina como receitas públicas estabelecidas por lei como retribuição dos serviços prestados individualmente aos particulares no exercício de uma actividade pública ou como contrapartida da utilização de bens do domínio público ou da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares.

  8. A mais relevante característica distintiva das taxas reside no carácter bilateral (sinalagmático) da prestação devida, pelo que, não basta uma contrapartida de carácter genérico, é absolutamente necessário que haja uma contraprestação individual exigível pelo devedor.

  9. Do ponto de vista económico, só casualmente se verificará uma equivalência precisa entre prestação e contra prestação, entre o quantitativo da taxa e o custo da actividade pública, ou o benefício auferido pelo particular.

  10. Porém, é de extrema importância deixar aqui nota de que o elemento comparativo económico serve hoje cada vez mais como indicador de segurança dos particulares contra eventuais abusos nos valores cobrados pelas taxas.

  11. Considera-se pois que não há taxa mas sim imposto, quando os montantes cobrados a título de taxas sejam exageradamente elevados, isto é, quando não haja um mínimo de proporcionalidade entre o que é pago e o que se recebe 13. Ora, no caso em apreço, ocorreu um aumento intolerável e injustificado das taxas de 30 para 300 mil escudos por bomba, pelo que no caso sub judice estamos perante um imposto de génese ilegal e inconstitucional e não perante uma taxa.

  12. Nos pareceres dos Drs. Saldanha Sanches e Dr. Robin de Andrade juntos a final aos autos conclui-se igualmente que o nível das taxas a cobrar por uma actividade exercida em terrenos que integram o domínio municipal deverá considerar-se como tendencialmente limitado pelo custo efectivo da utilização do bem, podendo e devendo os tribunais, para a qualificação do tributo, verificar se se está perante um aumento desproporcionado de uma taxa administrativa ou não, sendo que qualquer aumento destas taxas deve ser devidamente fundamentado.

  13. Em suma, contrariamente ao sustentado na douta sentença recorrida, no caso subjudice estamos perante um tributo que assume características de verdadeiro imposto pelo que a norma que o prevê enferma do vício de inconstitucionalidade orgânica por violação do disposto no artigo 168° n° 1 al. i) da Constituição da República Portuguesa (versão da Lei 1/89, de 8 de Julho).

  14. Ainda que não se considere procedente o vício da inconstitucionalidade orgânica, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sempre se dirá que as normas em crise violam os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da boa fé.

  15. A licença de uso privativo do domínio público constitui um título de fruição de propriedade pública, constitutivo de mera faculdade de ocupação, sendo que através do licenciamento em causa a Administração potencia a extracção de potencialidades acessórias nos bens da sua dominialidade beneficiando por esta via a prossecução do interesse público do abastecimento de carburantes às populações dando assim satisfação concreta às necessidades colectivas destas.

  16. O exercício dos poderes de uso privativo que derivam do direito subjectivo público de utilização do domínio público tem normalmente como contrapartida o pagamento de uma taxa pelo particular autorizado.

  17. Ora, aceite que os bens de domínio público são meios de acção administrativa submetidos à disciplina do direito público, as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (cfr. artigo 5° do CPA).

  18. Como corolário deste princípio e no confronto com a esfera jurídica do particular, a actuação administrativa deve apresentar-se adequada, necessária e proporcional em sentido estrito, ou seja, proporcional e justa em relação ao benefício alcançado para o interesse público, pois não é por mero acaso que o princípio da proporcionalidade também é conhecido por princípio da proibição do excesso pois que se trata de controlar a relação de adequação medida - fim, com ensina Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Almedina, 6ª ed. Págs. 382 a 384.

  19. Este princípio da proporcionalidade tem assento constitucional nos artigos 18° n° 2 e 266° n° 2 da CRP, sendo por este último normativo erigido em princípio materialmente constitutivo e conformativo de toda a Administração Pública.

  20. As características das taxas actuam como limites internos ao poder tributário dos municípios.

  21. No caso a que se reportam os autos, uma vez que se pressupõe a utilização de um bem do domínio público, poderia aceitar-se que as taxas em causa configurariam uma taxa de ocupação face à circunstância de ocorrer uma cedência de espaço público para os fins prosseguidos pela Recorrente.

  22. Ora, em termos do citado princípio da proporcionalidade, não obstante resultar claro nos autos que no ano anterior ao da entrada em vigor da tabela de taxas a Recorrente pagava apenas 30.000 escudos a título de taxas e passou a pagar 300.000 escudos, o que por si só implica uma desproporção manifesta, pode-se dizer, além disso, que a mera circunstância de a edilidade taxar cada bomba de carburante em 300.000$00 a partir de 1989, valor actualizável segundo o índice anual de preços no consumidor publicado pelo INE, gera ilegalidade da norma impugnada.

  23. Com efeito, ao utilizar este critério, a norma onde se prevê a taxa esquece e despreza em absoluto o carácter sinalagmático da taxa, pois, na verdade, ignora a respectiva contraprestação consistente no fornecimento de um espaço público para exercício da actividade da Recorrente e que objectivamente tem um determinado numero de metros quadrados (sendo a cedência deste número de metros quadrados a sua contraprestação na relação pela qual tem direito à exigência da taxa).

  24. o critério de aplicação da taxa consoante o número de bombas de carburante colide mesmo com o próprio direito de livre iniciativa salvaguardado no artigo 61° da CRP.

  25. A Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se seguindo as regras da boa fé (artigo 6°-A do CPA), devendo a Administração abster-se de comportamentos em contradição com o comportamento anterior quando este seja apto a criar a convicção no destinatário dos actos da administração de que não e lhe seguirá uma actuação contraditória gerando também por esse motivo a confiança e que a Administração irá prosseguir na mesma linha de actuação.

  26. Confia-se a digna tutela e protecção legal pela proibição de venire contra factum proprium, de contradição directa entre a situação jurídica...

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