Acórdão nº 07009/02 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Maio de 2003 (caso None)

Data13 Maio 2003
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1541_01,Supremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDA-SE, EM CONFERÊNCIA, NO TCA: l.- A CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S. A., inconformada com a sentença que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos T…, Lda, dela recorre, com os sinais identificadores dos autos, CONCLUINDO ASSIM A MOTIVAÇÃO DO SEU RECURSO: 1.- Vem o presente recurso admitido com efeito meramente devolutivo, contudo determinando a decisão recorrida o levantamento da penhora e o cancelamento do respectivo registo deve ser atribuído ao mesmo efeito suspensivo sob pena de o recurso perder o seu efeito útil, conforme determina o art. 286° n° 2 in fine do C.P.P.T.

  1. - Foram os presentes embargos julgados procedentes por ter sido reconhecido à embargante a posse do imóvel penhorado nos autos em face de ter sido dado como provada a prática de determinados actos materiais sobre este bem.

  2. Porém, essa conclusão não tem qualquer fundamento de facto nem de direito.

  3. Porquanto com a venda executiva do imóvel que pertencia à embargante e respectiva arrematação pelo Sr. M... a propriedade e posse do bem transmitiu-se para este.

  4. - Aquela venda e o desapossamento do bem é oponível à embargante que na qualidade de ali executada foi citada para aqueles autos e teve conhecimento necessariamente da venda executiva.

  5. - Não é verdade que a embargante tenha, entretanto, readquirido a posse do imóvel 7.- Nem a circunstância de passar a desmatar, limpar e cultivar o terreno, sem oposição do efectivo titular legitima uma tal conclusão.

  6. - Assim sendo, quaisquer actos materiais praticados pela embargante sobre o imóvel não podem ser tidos como praticados com a convicção de exercerem qualquer direito de propriedade sobre o imóvel, o que sempre estaria em contradição com a demais matéria de facto provada.

  7. - Consequentemente, esses alegados actos matérias - o amanho e limpeza do prédio - não são susceptíveis de consubstanciar a posse, e são perfeitamente compagináveis com uma situação de mera detenção do bem, como resulta do preceituado no art. 1253° do C.Civil.

  8. - Ora, os embargos de terceiro assentam sobre um duplo fundamento: um fundamento de direito - a posse e um fundamento - de facto - a lesão ou ameaça de lesão da posse.

  9. - 0 fundamento de direito é sempre a posse real e efectiva.

  10. - Porém, os actos materiais imputados à embargante não consubstanciam uma posse fundamentadora dos presentes embargos, por se tratar, sim, de uma posse precária ou em nome de outrem, e não em nome próprio, e só esta os pode fundamentar.

  11. - A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua de forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.

  12. - Da conjugação do art° 1251° com o art° 1253° ambos do C.Civil conclui-se que a posse é integrada por um elemento objectivo, a actuação de facto sobre a coisa por parte do possuidor, correspondente ao exercício do direito - o corpus -, e por um elemento subjectivo, a intenção de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa - o animus - e não o mero poder de facto sobre ela.

  13. - E, repete-se, só a posse em nome próprio, ou seja, a integrada pelo "corpus" e pelo "animus" é susceptível de fundamentar embargos de terceiro.

  14. - O Manuel ... após a arrematação adquiriu a propriedade e posse material e jurídica do bem.

  15. - E, a circunstância de, relativamente aos actos materiais praticados pela embargante sobre o imóvel, não haver oposição por parte do actual proprietário e efectivo possuidor não significa que os mesmos possam integrar o conceito de posse pois este pode inclusivamente ter acordado isso com os sócios da embargada, e convir-lhe a limpeza e corte de matos sem encargos para si, aliás, numa propriedade tão extensa como aquela.

  16. - Assim, contrariamente às considerações de direito tecidas na sentença recorrida, conforme se pode constatar da prova produzida, não logrou a embargante provar essa invocada posse o que leva necessariamente à improcedência dos presentes embargos.

    19- .A sentença recorrida ao ter decidido a procedência dos embargos violou os art. 1251° e 1285° do C. Civil.

    Termos em que entende que deverá ser revogada a douta decisão recorrida como é de JUSTIÇA.

    Houve contra - alegações, assim concluídas: 1 - Bem ao contrário do que a recorrente alega, não pode ao presente recurso ser atribuído efeito suspensivo, uma vez que o fundamento para atribuição do mesmo se consubstancia na perda de efeito útil, que não se verifica.

    2 - Ao alegar perda de efeito útil a ora recorrente faz tábua rasa da parte decisória da decisão recorrida, sendo que, com a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, estar--se-ia a criar uma situação atentatória aos direitos possessórios da recorrida, muito mais importantes de salvaguardar do que o alegado efeito útil.

    3 - Ainda assim, sempre é de referir que a regra é a atribuição de efeito meramente devolutivo, assim não sendo quando requerido no competente requerimento de interposição, facto que não sucedeu.

    4 - De acordo com os factos provados, a douta sentença a quo, fazendo uma correcta aplicação dó direito, considerou que a recorrida veio a readquirir a posse perdida com a venda em hasta pública a favor do Sr. M ..., nos termos do previsto no artigo 1263 n.° 1 alínea a) do Código Civil (doravante C.C).

    5 - Adquiriu novamente a posse perdida, porquanto passou a praticar de forma reiterada e com publicidade actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.

    6 - Tal resulta claro dos factos considerados provados, porquanto a recorrida exerceu todos os poderes que resultam de qualquer direito de propriedade nos termos do artigo 1305° do C.C, conservando, usando, fruindo e dispondo da coisa.

  17. - Assim foi, porquanto, de 1978 para cá, a recorrida, entre outros actos materiais, cultivou o terreno, manteve o poço em condições, desmatou o prédio, limpou-o, vedou-o, vendeu madeira existente no prédio, cedeu parte do mesmo a um terceiro para cultivo, praticando actos reiterados de conservação, uso, fruição e disposição do prédio, exercendo a posse como se de proprietários se tratassem.

  18. - Pelo que, não procede a alegação de que não actuavam com a intenção de exercer um direito de propriedade sobre o prédio, sendo estes factos a prova de que a recorrida exerceu a sua posse com o elemento subjectivo da posse - o animus.

  19. - Assim resulta da doutrina. Neste sentido, Menezes Cordeiro refere que "há posse da coisa quando uma pessoa desfruta uma coisa nos termos de um direito, ou seja, quando uma pessoa exerce sobre uma coisa a actividade correspondente ao conteúdo de um direito real" (in Direitos Reais, 1979, pág. 480). Como ficou demonstrado, os actos da recorrida preenchem na totalidade o conteúdo do direito de propriedade.

  20. - De forma pública, porquanto desde 1976 que se encontram no prédio vários cartazes com o nome da recorrida e como resultou das testemunhas presentes em sede de audiência de julgamento, nas localidades circundantes tem-se por adquirido que o prédio é propriedade da recorrida.

  21. - Não procede portanto a argumentação da recorrente ao sustentar que a recorrida jamais adquiriu a posse sobre o prédio, porquanto desde 1978 que pratica de forma reiterada e contínua actos materiais correspondentes ao exercício de um direito de propriedade que julgava deter sobre o prédio penhorado.

  22. - E para tal não carece de praticar actos reiterados, bastando que se verifique uma situação que mantenha a coisa submetida à vontade do sujeito, de tal modo que este possa renovar a actuação material sobre ela. Na verdade para que ocorra o empossamento a lei não exige que os actos materiais sejam praticados de modo contínuo.

  23. - Durante vinte e três anos, a recorrida praticou actos materiais sobre a propriedade, a recorrente penhorou o prédio, a recorrida embargou aquela penhora e o Sr. M..., nada fez : não registou a seu favor na conservatória do registo...

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