Acórdão nº 00105/04 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 30 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelDr.ª Ana Paula Portela
Data da Resolução30 de Julho de 2004
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

…., S.A. vem interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Coimbra que indeferiu a providência cautelar destinada a obtenção de autorização provisória para prosseguir os trabalhos de construção do aterro de resíduos industriais em Maiorca, bem como a intimação do Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz para promover o averbamento da prorrogação do prazo da licença de construção no respectivo alvará, requerendo ainda a prolação de decisão de antecipação do juízo sobre a causa principal.

Para tanto alega, em conclusão: "1. O Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento ao considerar que o Despacho do Recorrido de 11.02.2004 revogou o deferimento tácito do pedido de reapreciação do pedido de prorrogação da licença de construção, porquanto o mesmo não recaiu sobre o pedido de prorrogação da licença mas antes sobre o pedido de sujeição do mesmo a deliberação expressa da Câmara Municipal.

  1. Deste modo, porque o seu conteúdo não é incompatível com o deferimento tácito do pedido de prorrogação da licença, este acto não foi pura e simplesmente revogado.

  2. Ainda que assim não se entendesse, a verdade é que a revogação de um acto tácito de deferimento - acto constitutivo de direito - encontra-se sujeita á verificação dos pressupostos legais para a revogação de actos constitutivos de direitos.

  3. Conforme expressamente estabelece o n.° 2 al. b) do art. 140º do CPA, os actos constitutivos de direitos ou interesse legalmente desprotegidos apenas são revogáveis "quando todos os interessados dêem a sua concordância à revogação do acto".

  4. Ora, a Recorrente não consentiu, por qualquer forma, na revogação do deferimento tácito do pedido de prorrogação da licença de construção 6. Deste modo, qualquer acto que pretenda revogar o deferimento da prorrogação da licença é inválido, por violação expressa do citado art. 140° do CFA.

  5. Assim, ainda que considerasse que o acto de 11.02.2004 poderia ter revogado o deferimento tácito, por forma a concluir pela não subsistência do deferimento tácito na ordem jurídica, o Tribunal recorrido tinha necessariamente que averiguar, ainda que indiciariamente, se a revogação supostamente operada era ou não inválida.

  6. O Tribunal recorrido não podia simplesmente concluir que o deferimento tácito desapareceu da ordem jurídica porquanto foi posteriormente praticado acto expresso de indeferimento. Se assim fosse, de nada valeria a consagração legal dos efeitos positivos do silêncio da Administração...

  7. Ao não ter apreciado a validade da revogação do acto tácito de deferimento, o Tribunal incorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, uma vez que indeferiu a pretensão da Recorrente sem analisar o requisito cautelar legalmente prescrito da probabilidade de procedência da pretensão formulada.

  8. O que está em causa no pedido apresentado em 12.11.2003 é a reapreciação dos motivos que determinaram a prolacção da decisão de indeferimento do pedido de prorrogação da licença e não um novo pedido de prorrogação da licença já caducada.

  9. Conforme foi expressamente afirmado pela Recorrente no seu pedido de 12.11.2003, "porque todas as questões ambientais que fundamentaram o embargo da obra e a declaração de caducidade da licença se encontram actua/mente ultrapassadas, conclui-se que actualmente a Edilidade se encontra vinculada a proferir despacho de prorrogação do prazo da licença de construção. Pelo exposto, requer-se a V. Exa. se digne deferir o pedido de prorrogação da licença apresentado e, consequentemente ordenar o levantamento do embargo da obra por V. Exa. decretado"(cfr. Doc. 17 junto ao requerimento cautelar).

  10. Foi tendo em conta a alteração das circunstâncias que determinaram a prática do acto do indeferimento, que a Recorrente requereu nova apreciação do seu pedido que havia sido oportunamente apresentado.

  11. Sempre que se verifique alteração das circunstâncias que determinaram a prática de um determinado acto administrativo, e estas sejam trazidas á baila para fundamentar um pedido igual ao anterior, a Administração tem o dever legal de decidir.

  12. Pelo exposto, porque as questões ambientais que motivaram o indeferimento do pedido de prorrogação da licença de construção foram efectivamente ultrapassadas, ao Recorrido impunha-se o dever legal de reapreciar, à luz da nova factualidade, o pedido de prorrogação da licença oportunamente apresentado.

  13. Acresce que, todos os actos de indeferimento do pedido de prorrogação foram objecto de expressa impugnação judicial. Assim, porque ainda não foi apresentada resposta ao recurso contencioso interposto do acto de 07.08.2003, o recorrido podia - como fez - revogar o acto impugnado e proferir decisão de deferimento do pedido de prorrogação do prazo da licença de construção, nos termos do disposto no art. 47° da LPTA.

  14. Deste modo, o acto tácito de deferimento do pedido de prorrogação do prazo foi efectivamente praticado, sendo a sua prática legalmente admissível.

  15. O Tribunal recorrido incorreu assim em manifesto erro de julgamento ao considerar que o requerimento apresentado em 12.11.2003 constituiu um novo pedido de prorrogação do prazo da licença de construção isolado e não um pedido de reapreciação do seu pedido de prorrogação da licença oportunamente apresentado em 03.06.2003.

  16. Porque o mesmo se fundou na alteração das circunstâncias que determinaram ao indeferimento expresso do seu pedido de prorrogação da licença, impendia sobre o Recorrido o dever legal de decidir sobre o novo pedido de reapreciação.

  17. Pelo exposto, decorrido o prazo legal para a prática de acto expresso, conclui se que se formou deferimento tácito do pedido de prorrogação da licença de construção.

  18. O licenciamento municipal da construção de um aterro de Resíduos Industriais Banais constitui um licenciamento necessário mas adjectivo da autorização de instalação de um aterro cuja competência compete ao Instituto Nacional dos Resíduos.

  19. Com efeito, o âmbito das competências municipais neste procedimento restringe-se unicamente à verificação de que a localização prevista para o aterro é compatível com plano municipal de ordenamento do território (cfr. Anexo 1, ponto 1, al. e) do Decreto-Lei n.° 321/99) e ao licenciamento das obras, nos termos do regime jurídico do licenciamento das obras particulares (cfr. artigos 4.° e 11º do Decreto-Lei n.° 321/99).

  20. Nos termos do disposto no art. 20°, n.° 6 do Decreto-Lei n.° 445/91, o prazo fixado na licença de construção para a realização das obras "(...) pode ser prorrogado pelo presidente da câmara municipal, a requerimento fundamentado do interessado, quando não seja possível concluir as obras no prazo previsto na licença". O que significa que nesta fase não está em causa qualquer nova apreciação das condições de facto que estiveram na origem do pedido de licenciamento, mas tão-só a verificação dos motivos que justificam o facto da obra não ter sido concluída no prazo inicialmente previsto.

  21. Não tem assim competência a Câmara Municipal ou o seu Presidente para apreciarem questões ambientais que se encontram legalmente atribuídas a uma entidade governamental e com base em alegadas preocupações ambientais indeferir o pedido de prorrogação da licença por se considerarem melhor habilitados sobre a matéria que a Secretaria de Estado do Ambiente.

  22. Acresce que, foi a Edilidade que solicitou a suspensão dos trabalhos durante mais de dois meses (cfr. Doc. 5 do requerimento cautelar).

  23. Os despachos proferidos ao indeferirem o pedido de prorrogação do prazo de validade da licença de construção do aterro acabaram por violar também o princípio da boa fé que deve presidir nas relações entre a Administração Pública e os particulares (cfr. artigos 266.°, n.° 2 da CRP e 6°-A do OPA).

  24. Pelo exposto, além de os actos de indeferimento do pedido de prorrogação do prazo da licença de construção terem sido já revogados pelo acto tácito de deferimento do pedido de reapreciação do pedido de prorrogação da licença, a verdade é que esta revogação era aliás imposta dada a manifesta ilegalidade dos mesmos.

    NESTES TERMOS nos demais de Direito aplicáveis e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e decretando-se, em sua substituição, a requerida autorização provisória de prossecução da execução dos trabalhos de construção do aterro de resíduos industriais banais em Maiorca, pois só assim se fará a COSTUMADA JUSTIÇA." A entidade recorrida conclui as suas alegações da seguinte forma: "

    1. Deverá ser proferido Douto...

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