Acórdão nº 00468/04 de Tribunal Central Administrativo Norte, 26 de Abril de 2006

Magistrado ResponsávelFrancisco Rothes
Data da Resolução26 de Abril de 2006
EmissorTribunal Central Administrativo Norte
  1. RELATÓRIO 1.1 MÁRIO e mulher, MAFALDA (adiante Embargantes ou Recorrentes) deduziram embargos de terceiro à penhora de uma fracção autónoma de um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal efectuada num processo de execução fiscal instaurado pelo 1.º Serviço de Finanças de Matosinhos (1.º SFM) contra Joaquim (adiante Executado), alegando, em síntese, o seguinte: - Por contrato celebrado em 2 de Dezembro de 1991, o Embargante prometeu comprar ao ora Executado e mulher, que prometeram vender, pelo preço de esc. 16.000.000$00, a fracção autónoma que o 1.º SFM penhorou e se propõe vender no processo de execução fiscal; - Nessa data, o embargante pagou a totalidade do preço aos promitentes vendedores, que deram quitação; - Na mesma data, os promitentes vendedores entregaram ao Embargante aquela fracção autónoma, livre de pessoas e coisas, com todas as chaves, e desde então este ocupou aquela fracção, «usufruindo de todas as suas utilidades», bem como «pagou todas as taxas e impostos incidentes sobre o bem», actuando sobre ele «como se propriedade sua fosse» (() As partes entre aspas e com um tipo de letra diferente, aqui como adiante, constituem transcrições.

); - A escritura de compra e venda nunca foi celebrada porque o Embargante, a quem competia marcar a data para o efeito, foi protelando a sua outorga como forma de obviar às respectivas despesas; - Ulteriormente, o Embargante casou com a também embargante, sendo que ambos «vêm possuindo a descrita fracção autónoma há mais de ano e dia, de 5 anos e de 10 anos em nome próprio» e «em nome dos primeiros antepossuidores […] e segundos antepossuidores […], há mais de 15 e 20 anos», o que fazem ignorando que os transmitentes tivessem lesado o direito de outrem, sem violência e à vista de toda a gente, ininterruptamente e na convicção de que o fazem sua coisa sua.

1.2 O Juiz do Tribunal Tributário de 1.ª instância do Porto, depois de enunciar as questões a apreciar e decidir como sendo as de saber se os embargos são tempestivos e se os Embargantes, à data da penhora, estavam na posse do bem sobre que esta recaiu, respondeu negativamente à primeira e afirmativamente à segunda, pelo que, a final, julgou os embargos procedentes e ordenou o levantamento da penhora.

Isto, em síntese, com os seguintes fundamentos: a) Quanto à questão da tempestividade dos embargos, suscitada pela Fazenda Pública na contestação - Que, «Não obstante os termos literais da norma inculcarem que o prazo para dedução dos embargos se conta a partir da data em que foi praticado o acto ofensivo da posse, deve a mesma ser interpretada num sentido que a compatibilize com a Constituição da República Portuguesa», e «uma interpretação conforme à Lei Fundamental, nomeadamente o disposto no seu art. 20º, exige que o prazo de dedução dos embargos se conte a partir da data em que o embargante teve conhecimento da diligência ofensiva da posse ou do direito que se arroga – cfr. Ac. Tribunal Constitucional 24 Out. 2001, DR II Série, de 28/11/2001, págs. 19 784 – 19 787»; - Que «incumbia à Fazenda Pública alegar e provar que os embargantes deduziram os presentes embargos quando estava já decorrido o prazo de 30 dias contados a partir da data em que tiveram conhecimento da penhora, pois que esse prazo é de caducidade e extintivo do direito potestativo de acção – cfr. art. 343º n.º 2 do Código Civil», o que não fez; a) Quanto à questão da posse e sua violação pela diligência embargada - «Embora a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo venha entendendo uniformemente que o promitente comprador que obteve a tradição do imóvel a que se refere o contrato não pode deduzir embargos de terceiro […], não é menos certo que bem pode suceder que se prove que o promitente-comprador, mesmo sem título de aquisição da propriedade, passou a possuir em nome próprio e com a convicção de que é o titular do direito correspondente […]»; - No caso sub judice, ficou provado que «os embargantes vinham utilizando a fracção autónoma penhorada na convicção de serem os seus donos e isso basta para que se considere verificado o elemento psicológico (animus) que a lei exige como integrador, a par do elemento objectivo (corpus), do conceito de posse»; - Assim, é de considerar que «os embargantes estavam, à data da penhora, na posse do bem sobre que a mesma incidiu e, por isso, sendo terceiros em relação ao processo executivo no âmbito do qual foi efectuada tal penhora, estão verificados os pressupostos de que o art. 237º n.º 1 do CPPT faz depender a procedência dos embargos de terceiro».

1.3 A Fazenda Pública interpôs recurso dessa sentença para este Tribunal Central Administrativo Norte e o recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

1.4 A Recorrente alegou e formulou as seguintes conclusões: «A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou os presentes embargos procedentes, por provados, sufragando o entendimento sobre se: a) se os embargos são tempestivos; b) e se os embargantes à data da penhora estavam na posse dos bens sobre que esta recaiu – que culminou com a decisão de ordenar o levantamento da penhora que recaiu sobre o bem objecto dos embargos, a fracção autónoma identificada na Petição Inicial.

B. O primeiro “thema decidendum” prende-se com a questão de saber se o termo inicial da contagem do prazo de 30 dias é apenas o da data do acto ofensivo da posse ou direito, ou deverá admitir-se também o da data do seu conhecimento pelo embargante, quando seja posterior àquele.

C. Na abordagem à excepção suscitada pela Fazenda Pública, o Mmº Juiz a quo decidiu pela sua improcedência por ter considerado que lhe incumbia alegar e provar que os embargantes deduziram os presentes embargos quando já estava decorrido o prazo de 30 dias contados a partir da data em que tiveram conhecimento da penhora e, a esse propósito, nada ter sido alegado nem consequentemente provado.

D. Contrariamente ao decidido, sufragamos o entendimento de que o ónus da prova do conhecimento posterior do acto ofensivo da posse ou direito cabe ao(s) embargante(s) e na Petição Inicial estes nem sequer alegaram, como lhes competia, qual a data em que tiveram conhecimento da penhora, pelo que o referido prazo conta-se tão só e apenas da data da prática do acto ofensivo da posse ou do direito, de harmonia com o disposto no artº 237º nº 3 do CPPT.

E. Tal normativo agora confere ao executado/embargante o ónus da prova.

F. A este propósito, apraz referir o artº 167º do CPPT que estatui em idêntico sentido ao anterior artº 319º nº 1 do CPT, i. e., em tudo o que não estiver especialmente regulado, aplica-se aos embargos de terceiro os preceitos relativos à oposição e, destarte atente-se ao teor dos dispositivos sobre a matéria: enquanto que no artº 285º nº 3 do CPT se prescrevia “…caso em que deverá provar-se a superveniência.”, a redacção do artº 203º nº 3 do CPPT inverteu esse ónus passando a estipular que “… caso em que deverá ser este (o embargante) a provar a superveniência.” G. Em consequência do exposto, verifica-se a intempestividade dos presentes embargos.

H. O segundo “thema decidendum” prende-se com a questão de...

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