Acórdão nº 558/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Abril de 2004 (caso NULL)

Data20 Abril 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

  1. Aa e Ab intentaram procedimento cautelar comum contra F e marido, S e marido e J, pedindo que fosse ordenado a estes que permitam àqueles avistar-se com sua mãe, devendo tais encontros ocorrer quinzenalmente, às segundas-feiras, com início às 10 horas e prolongando-se até às 18 horas desses dias, na casa de habitação da mãe.

    Fundamentam o pedido no facto das requeridas, suas irmãs, e respectivos maridos, que têm a mãe a seu cargo, em casa de cada uma delas, alternadamente, não os deixarem vê-la, pelo que o primeiro, emigrado em França, já não vê a mãe há três anos, apesar de já o ter pedido às requeridas e ambos ignoram o estado de saúde da mãe. Dizem que a conduta das requeridas é ilícita, por violar um direito que pertencem aos direitos de personalidade.

  2. Os requeridos deduziram oposição, defendendo que a pretensão dos requerentes deve ser julgada improcedente, pelo facto de a mãe de requerentes e requeridas estar de relações cortadas com aqueles, por eles não contribuírem para as suas despesas, tendo já corrido uma acção de alimentos contra eles, os quais, entretanto, já intentaram contra a mãe acções cíveis, com o objectivo de a limitarem economicamente, e uma acção criminal.

  3. Foi proferida decisão, determinando que as requeridas permitam o contacto entre a mãe e os requerentes, quinzenalmente, todas as segundas-feiras, entre as 10 e as 13 horas, na residência das requeridas onde a mãe naquele momento se encontrar.

  4. Desta decisão, as requeridas interpuseram recurso, concluindo as suas Alegações pela forma a seguinte: «2º - Ao assim decidir o Mº Juíz a quo não tomou na devida consideração toda a factualidade em que a pretensão dos Requerentes se enquadra, a qual se encontra na ampla documentação junta com a Oposição; 3º - Donde resulta claramente que Requerentes, por uma banda, e Requeridos e a mãe de todos eles, por outra, são inimigos figadais; 4º - Havendo processos judiciais pendentes em abundância, sendo uma ligeireza decretar-se “um regime de visitas”; 7º - Estamos, todavia, no domínio das obrigações naturais; 8º - As obrigações naturais não podem ser exigidas coercivamente; 10º - Também esta pretensão se não enquadra na esfera de protecção conferida aos direitos da personalidade, já que não corporiza qualquer deles; 17º - Esta pretensão de exigirem coactivamente que os irmãos, aqui Agravantes, os recebam no seio dos seus lares, ...

    18º - Esta sim violadora da intimidade da vida privada destes, do sossego, paz e tranquilidade dos seus lares; 5. Os requerentes contra-alegaram, terminado as suas Alegações assim: ...

    II – Fundamentação.

  5. Factos provados Requerentes e requeridas são filhos de J, que nasceu a 1 de Novembro de 1917. Requerentes e requeridas são irmãos.

    A mãe de requerentes e requeridas, devido à sua idade, carece de apoio e cuidados permanentes, a nível de refeições, vestuário e limpeza.

    Desde que ficou viúva, o que ocorreu a 5 de Setembro de 1998, reparte os seus dias na companhia das requeridas, passando uma semana em casa de cada uma delas, as quais cuidam da sua alimentação, vestuário, cuidados de higiene, cuidados médicos e de medicamentos.

    Os requerentes não vêm a mãe há cerca de três anos.

    As requeridas tudo têm feito para que os requerentes não se encontrem com a mãe de todos eles.

    Os requerentes querem encontrar-se com a mãe e a mãe também quer ver e encontrar-se com os filhos.

  6. O Direito.

    O que está em causa é saber se o contacto entre filhos maiores e sua mãe constitui um direito, que possa ser exercido e imposto a outros irmãos que o impeçam. Em caso afirmativo, qual o modo do respectivo exercício, quando há outros direitos em colisão com aquele.

    8.1. Estamos de acordo com a sentença sob recurso quando reconhece a existência de um direito de filhos maiores contactarem com sua mãe. E também com a qualificação que foi feita: como direito natural e como direito positivado, quer na Constituição da República, quer no Código Civil.

    8.1.1. O Sr. Juiz falou, e nós falamos, em direito natural no sentido de conjunto de princípios superiores dotados de validade eterna e universal, preceitos justos e verdadeiros para todos os povos e em todas as épocas [1], sempre bom e justo; direito inerente à própria natureza das coisa [2], quer se procure o respectivo fundamento num poder superior, quer na própria natureza, quer no próprio homem, donde a diversidade das respectivas posições, desde o jusnaturalismo católico até ao materialista [3]. Ao direito natural, devemos a abolição da escravatura [4], da pena de morte, das torturas no direito criminal, passando pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução de 1789, e actuando, agora, na articulação do direito com a economia, a política, a sociologia, etc..

    Portanto, não falamos das obrigações naturais, previstas no artigo 402º do Código Civil, pertencentes ao direito positivo, que os romanos chamavam de ius in civitate positum, exactamente o contraposto do direito natural, que os romanos chamavam de ius naturale.

    E, em tal sede, quer a relação materno-filial, quer a ligação efectiva das respectivas pessoas, foi, é e, inexoravelmente, será [5] uma realidade que está para além do direito, ao qual só restará tal reconhecimento: «a família é uma realidade natural e social, cuja existência material, psicológica e moral se manifesta...

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