Acórdão nº 325/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelDR. RUI BARREIROS
Data da Resolução30 de Março de 2004
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de apelação nº 325/04, vindo do 3º Juízo do Tribunal da Comarca da Figueira da Foz (acção sumária nº 509/01): I – Relatório.

  1. Autor: A, solteiro, ... .

  2. Réus: J e mulher, L, ....

  3. Pedido: declaração de denúncia do contrato de arrendamento celebrado ente anterior proprietário do prédio e os réus.

  4. Causa de pedir: necessidade do locado para a sua habitação própria.

    ...

    II – Fundamentação.

  5. Não tendo sido impugnada a matéria de facto dada como provada na sentença, nem havendo lugar a qualquer alteração da mesma, usando da faculdade prevista no nº6, do artigo 713º, do CPC, remete-se para os termos da decisão de 1ª instância sobre tal matéria.

  6. O Direito.

    ...

    Portanto, o que está em causa é o facto da sentença ter reconhecido a legitimidade activa do recorrido para intentar acção de denúncia do contrato para habitação própria, sem que tenha alegado o acordo da outra comproprietária, matéria esta que os recorrentes defendem como a correspondendo à realidade, de acordo com as Conclusões 6ª a 9ª.

    Os recorrentes, entendem que o autor carece de legitimidade para a acção, desacompanhado da outra comproprietária. É este o objecto do recurso.

    9.1. Na letra da Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1943, só o senhorio-proprietário e o usufrutuário tinham a faculdade de denunciar o contrato para o destinarem a sua habitação [1]. No entanto, a jurisprudência entendia que o senhorio-comproprietário também a tinha [2]. A redacção dada ao artigo 1098º do Código Civil de 1966 veio colocar o comproprietário ao lado do proprietário e do usufrutuário: «o direito de denúncia para habitação do senhorio depende, em relação a ele, da verificação dos seguintes requisitos: a) ser proprietário, comproprietário ou usufrutuário do prédio ...» [3].

    No entanto, no domínio daquela Lei e aquando da discussão na então Assembleia Nacional, a admissão de denúncia por parte dos comproprietários nunca foi no sentido de um deles, isoladamente, poder propor acção de despejo: «do que se passou na Assembleia Nacional por ocasião da discussão do texto correspondente à alínea b) depreende-se que é lícito a um comproprietário requerer o despejo quando os outros comproprietários estiverem de acordo em que ele vá ocupar a casa» [4].

    Admitindo-se que se tenha clarificado a possibilidade do comproprietário poder denunciar o contrato de arrendamento, independentemente de tal ter sido necessário ou não, permaneceu o problema de saber em que condições ele o pode fazer: sozinho ou acompanhado dos outros comproprietários? De acordo com a letra da lei, qualquer das hipóteses tem o mínimo de correspondência com o que estava na al. a), do nº 1, do artigo 1098º do Código Civil [5] e consta, hoje, da al. a), do nº 1, do artigo 71º do Regime do Arrendamento Urbano [6] [7] [8].

    9.2. Para responder a esta questão, teremos de passar pelo artigo 1405º, cujo nº 1 dispõe que «os proprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes», agrupados numa secção sobre «direitos e encargos do comproprietário»; e o nº 2: «cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro». Desta aparente - dizemos nós - dicotomia entre o exercício do direito de reivindicar (nº 2) e o exercício de outros direitos (nº 1), tem-se defendido que cada comproprietário tem legitimidade activa para as acções reais, mas já não a tem para as acções pessoais.

    Contudo, pensamos que não existe a referida dicotomia; o facto da lei, num nº 2, afirmar a legitimidade activa do comproprietário para determinada acção, depois de ter enunciado, no nº 1, a «posição dos comproprietários» em geral, não significa que tenha querido estabelecer uma contra-posição. O que quis foi impedir que o conjunto dos comproprietários obstasse a que um deles reivindicasse a coisa na totalidade, visto tratar-se da defesa de um direito essencial: perdendo-se a propriedade, perde-se tudo. Assim, a lei não quer obrigar a que um comproprietário esteja à espera dos outros ou reuna os outros para defender tal direito. Mais do que este argumento, digamos de comodidade para o demandante, o fundamento da norma é permitir que um só dos donos possa defender o direito total.

    Mas, se para a defesa daquele direito, a lei permite que um só aja, tal não quer dizer que, para a defesa de outros direitos, o mesmo não possa acontecer. Os Srs. Profs. Pires de Lima e Antunes Varela dizem-no claramente: «isto não significa, porém, que seja a intervenção conjunta dos vários contitulares o único processo legal de prevenir ou sanar os conflitos entre os interesses divergentes dos comproprietários. Há casos em que a colisão de interesses não é possível ou não tem relevância jurídica, nenhum inconveniente havendo em facultar a actuação autónoma de cada contitular (cf. arts. 1405º, 2; 1406º; 1408º, 1; 1409º, 1)» [9]. O que a norma quer regular é o exercício de direitos na compropriedade, especificando, entretanto, que, quando se tratar da reivindicação, pela sua importância, nenhum contitular do direito pode ser impedido pelos outros de agir; é a defesa essencial do direito sobre a coisa, em que a sua perda representa a perda “de tudo”, permitindo-se, assim, que, eventualmente, a qualidade prevaleça sobre a quantidade e que a agilidade supere a burocracia [10].

    Então, o que temos de concluir é que a norma se refere ao processo de formação de vontade da entidade jurídica formada pelos comproprietários e ao funcionamento da vida da compropriedade, ou seja, ao seu lado interno, uma vez que se trata de uma realidade mais complexa do que a personalidade individual, em que o processo de formação da vontade depende de uma só pessoa a qual, para agir, basta que se dirija ao órgão decisor, sem ter de levar atrás de si mais ninguém, nem “mostrar” qual foi seu processo “decisório”.

    Diferente são as relações dessa entidade com outras, autónomas e independentes, ou seja, o lado externo da compropriedade. Aqui, interessam normas adjectivas, de legitimidade processual [11]. Claro que aquele nº2, do artigo 1405º acaba por ter reflexos no plano adjectivo, visto que a lei processual não pode impedir o que a substantiva permite. Mas, não se pode é concluir que, fora da reivindicação, o nº 1 do referido artigo estabeleça um litisconsórcio necessário activo.

    9.3. Os recorrentes dizem que a posição seguida pela sentença sob recurso vai no sentido da jurisprudência maioritária. Entretanto, citam doutrina e jurisprudência em sentido contrário, por eles defendido.

    Na verdade, é a posição do Sr. Prof. Pereira Coelho: «parece, todavia, que o comproprietário que pretenda exercer o direito de denúncia terá de obter o assentimento dos outros, tanto mais que a faculdade do art. 1096º, nº 1, al. a) só pode ser usada pelo senhorio uma vez (art. 1098º, nº, al. c))»...

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