Acórdão nº 215/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Março de 2004 (caso NULL)

Data30 Março 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

  1. Autor: o Ministério Público.

  2. Réu: A.

  3. Pedido: declaração de que o menor T é filho do réu.

  4. Causa de pedir: relações sexuais entre o réu e a mãe do menor durante o período legal de concepção do menor, de onde resultou o seu nascimento.

    ...

    7.1. Desta decisão, o réu interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, concluindo as suas Alegações pela forma seguinte: «

    1. No período legal de concepção do menor, a mãe deste manteve relações sexuais de cópula completa com vários indivíduos, sendo que B) Tal gravidez pode ter tido origem em qualquer uma dessas relações mantidas durante o período legal de concepção.

    ...

    D) Uma acção de investigação de paternidade, com vista a estabelecer uma filiação biológica, assenta no pressuposto de exclusividade das relações sexuais da mãe com o pretenso pai, ...

    G) Também o Assento de 21/06/1983 prescreve que "na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal de concepção, só com o investigado manteve relações sexuais".

    ...

    II – Fundamentação.

  5. Factos considerados provados na sentença: No dia 09/06/2000 nasceu T.

    C) O T foi registado como filho de M, solteira, não tendo sido registado o nome do pai nem dos avós paternos.

  6. A M é filha de Ma e de I e não tem averbado qualquer casamento no seu assento de nascimento.

  7. A é filho de Au e de Z, e tem averbado um casamento com MF.

  8. A gravidez da mãe do T sobreveio a relações sexuais havidas entre esta e o réu.

  9. Mantidas durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do T».

  10. O Direito.

    O que está em causa neste recurso é o facto de não ter ficado provado que as relações de sexo com a mãe do menor tenham sido exclusivamente com o réu. Feita essa pergunta no nº 3 da base instrutória fls. 29 v.: «durante este período (o de concepção), a mãe do menor apenas teve relações sexuais com o Réu», a resposta foi “não provado” ficaram ainda “não provadas” todas as restantes perguntas: «saíam com frequência juntos, no automóvel do Réu? e «indo depois este levar a mãe do menor a casa?».

    .

    10.1. Na sentença, considerou-se que tinha sido feita a prova directa da paternidade do réu, pelo que não era necessária a prova da exclusividade de relações sexuais com o investigado, requisito reservado para as situações de ilisão da presunção, previstas no nº 2, do artigo 1871º do Código Civil: dúvidas sérias sobre a paternidade do investigado. Seguiu-se a posição do Acórdão da Relação do Porto, de 9 de Janeiro de 1997: «A prova directa da paternidade biológica - através de meios científicos - dispensa o autor de demonstrar a exclusividade das relações sexuais ...» C.J. XXII, 1, 196.

    .

    Esta posição foi também a defendida pelo Mº Pº.

    10.2. Para o recorrente, além de ter ficado provado que a mãe do menor teve relações com outros homens no período legal de concepção alíneas A) a C) das Conclusões.

    , não ficou provado que as tenha tido exclusivamente consigo alíneas D) a H) das Conclusões.

    , pelo que «é absolutamente inverídico que o pai do menor possa ser o recorrente alínea I) das Conclusões.

    . Finalmente, põe em causa a suficiência da conclusão de um exame para o estabelecimento da paternidade.

    alínea J) das Conclusões.

    10.3. Na sentença, distinguiram-se dois aspectos: a prova directa da paternidade, por um lado, e a presunção de paternidade resultante da introdução, pela Lei nº 21/98, de 12 de Maio, da alínea e), no nº 1, do artigo 1871º do Código Civil: «a paternidade presume-se quando se prove que o pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal de concepção», facto concreto que ficou provado na acção «a gravidez da ... sobreveio a relações sexuais havidas entre esta e o Réu ..., mantidas durante os primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento do Tiago»?, perguntas nºs. 1 e 2 da base instrutória (fls. 29 v.), ambas com resposta de “provado” (fls. 69).

    .

    O recorrente põe em causa ambos os aspectos da questão, considerando que o exame não é suficiente para o estabelecimento da paternidade e que a falta de exclusividade das relações sexuais não permite o funcionamento da referida presunção.

    Em seu favor, cita o Senhor Conselheiro Alberto Baltazar Coelho, jurisconsulto e intelectual de autoridade indiscutível, em artigo publicado na Colectânea de Jurisprudência CJ STJ VII, 1, 13 e ss.

    , que tem a vantagem de ter sido escrito já depois da alteração introduzida, nesta matéria, pela Lei nº 21/98, de 12 de Maio.

    Não obstante ter-se considerado que foi feita a prova directa da paternidade do réu, o que poderia levar a pensar na desnecessidade da abordagem da segunda parte da questão - paternidade provada indirectamente, através da nova presunção estabelecida pela alínea e), do nº 1, do artigo 1871º introduzida pela já referida Lei nº 21/98.

    -, é necessário fazê-la quer porque os dois aspectos da questão acabam por estar ligados, quer porque o referido Senhor Conselheiro defende que a prova directa também exige a prova da exclusividade das relações com o investigado local citado, págs. 18 e 19.

    , sendo que, como já dissemos, é o problema da falta de exclusividade que está em causa neste recurso; ou seja, se a exclusividade de relações é elemento constitutivo do direito do demandante, dúvidas não haverá que a sua falta pode pôr em movimento a dúvida séria susceptível de ilidir a presunção felizmente, não necessitaremos de aprofundar o conceito de dúvida séria contido na norma, pois que, não conseguiríamos ultrapassar a crítica do Sr. Prof. Antunes Varela, na RLJ 117º, 55, nota 1 - crítica mordaz, mas deliciosa -, embora facilitada pelas características do actual legislador.

    .

    10.4. A exclusividade das relações foi questão fundamental no Assento de 21 de Junho de 1983 publicado no Diário da República de 27 de Agosto de 1983.

    , a propósito da repartição do ónus da prova respectivo, uma vez que a jurisprudência nisso estava dividida, tendo aquele tomado a posição que correspondia à melhor doutrina sobre a questão Profs. Antunes Varela (Revista de Legislação e Jurisprudência (R.L.J.), 116º, 317 e ss, especialmente a págs. 56 do ano 117º), Castro Mendes (Direito Processual Civil, A.A.F.D.L., 1980, III vol. pág. 99) e Guilherme de Oliveira (O Direito da Filiação na Jurisprudência Recente, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, «Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. José Joaquim Teixeira Ribeiro», 1980, pág. 21, citado no Assento, e R.L.J. 128º, 180 e ss.

    : «na falta de uma presunção legal de paternidade, cabe ao autor, em acção de investigação, fazer a prova de que a mãe, no período legal da concepção, só com o investigado manteve relações sexuais». Portanto, não beneficiando o autor de uma presunção legal cf. art. 1.871º, com a redacção de 77.

    , entendia-se que a acção só podia proceder se o autor provasse os dois referidos requisitos: a) a existência de relações sexuais entre a mãe e o pretenso pai durante o período legal da concepção, fixado no art. 1.798º; b) a fidelidade da mãe ao pretenso pai durante o mesmo período cf. RLJ 117º, 56, 1ª col., 1º §; brevitatis causa, não começamos mais atrás, pela mudança (mais do que alterações) operada pelo D.L. nº 496/77, o qual é claro ao dizer que não só teve em vista dar cumprimento ao disposto no nº 3, do art. 293º da C.R.P., como ainda fazer uma adequação global do Código Civil à filosofia e à doutrina político-social dominante da Constituição. O Acórdão do STJ, de 24/6/80 (BMJ 298º, 334) fala da impossibilidade de conciliação entre restrições do Código Civil (redacção inicial) e a Constituição de 1976.

    O art. 176º do D.L. nº 496/77 manda aplicar as alterações ao Código Civil a partir de 1 de Abril de 1978, o que contribui para a ideia de ruptura com o sistema anterior, ruptura muito significativa na área do Direito de Família e concretamente no da investigação da paternidade.

    .

    10.4.1. Em obediência ao Assento, mas também aderindo a ele, o Acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Dezembro de 1987, decidiu que, tendo resultado de exame médico-legal uma probabilidade de 98% de o réu ser o pai do investigante, tal não é suficiente para a procedência da acção de investigação de paternidade em...

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