Acórdão nº 2294/03 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Janeiro de 2004 (caso NULL)

Data20 Janeiro 2004
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

“A”, com sede no lugar de C..., Figueira da Foz, intentou em 25/10/02 acção ordinária na Vara Mista do Tribunal Judicial de Coimbra contra a sociedade «B», com sede em Coimbra e os seus únicos sócios e gerentes C, D, E e F, todos também residentes nesta cidade, pedindo a condenação de todos eles e solidariamente a pagarem-lhe a quantia de € 25.998,96 e juros à taxa de 12% ao ano desde 1 de Novembro e até integral pagamento.

Alega que o pedido corresponde a um crédito de fornecimentos á 1ª R já objecto de execução onde apenas pôde receber uma escassa importância pela venda dos únicos bens encontrados e que por essa dívida respondem os demais RR, em função das responsabilidades que estes assumiram na cláusula 11ª da escritura de trepasse do estabelecimento àquela pertencente, à sociedade “G”, com sede em Viseu.

Os RR contestaram, opondo-se , em síntese, à interpretação feita pela A da citada cláusula do contrato, ainda invocando abuso de direito,os 2º a 4ºs RR visto os bens atingidos pela penhora serem suficientes para garantir o pagamento da dívida e que se a exequente não usou o seu direito de adjudicação foi por ter conhecimento do negócio de trespasse A A replicou, dizendo que a execução por ela intentada era anterior à escritura de trespasse, o mesmo acontecendo com uma outra execução movida pela H que com ela mantem relações privilegiadas e que já após essa escritura mas ainda em 1998 tinha ela e uma outra credora I intentado contra os RR dois processos sumários na Comarca da Figueira da Foz, cujas quantias foram pagas por depósito efectuado pelos RR António Marques e António Lopes Defende que justamente esse comportamento, inserido numa prática anterior à escritura de trespasse fez surgir nos seus gerentes a convicção dos sócios da 1ª R assumirem pessoal e solidariamente as dívidas da J, ainda negando que o baixo preço obtido com a venda dos bens penhorados se devesse a qualquer negligência sua, motivado pelo conhecimento da escritura de trespasse.

A 5ª R veio depois alegar ser alheia ao pagamento por depósito das quantias em dívida da sociedade peticionadas nas acções propostas na Figueira da Foz e negando ter alguma vez exercido a gerência da J de que era simples sócia, aliás resultando isso da certidões de registo juntas pela A Esta acabou por reconhecer que lhe atribuira a qualidade de gerente por mero lapso, o que em nada afectaria a responsabilidade assumida com os demais sócios no âmbito do contrato de trepasse.

No seguimento, decidiu o Mma Juiza em sede de saneador, absolver da instância a 1ª R, por existir caso julgado e entrando na apreciação do pedido por os elementos dos autos assim o permitirem, absolver do mesmo os restantes RR.

Para tanto referiu que tudo girava à volta da interpretação da cláusula 11ª da escritura de trespasse, mas que esta apenas vinculava os sócios da 1ª R apenas e só perante a trespassária, por ser esse o único sentido que dela se poderia extrair e ser, de resto, a dita trespasssária única destinatária da dita declaração negocial.

Inconformada com tal desfecho , a A recorreu de apelação, tendo depois apresentado densa e douta alegação e que fez terminar com nada menos do que 57 conclusões e que somente para prevenir mais demoras, com o convite que se impunha para a sua sintetização, nos termos do artº 690º,nº4 do CPC vamos com algum esforço tentar resumi-la aos seus pontos essenciais.

Disse, portanto, a recorrente, de relevante, o seguinte : 1 – Não existe caso julgado, por a execução movida à 1ªR estar ainda em curso, além de serem diferentes a causa de pedir desta acção, fundada no incumprimento de um contrato de compra e venda e naquela execução, que tem por base as letras assinadas pela 1ª R.

2 – A sentença recorrida fez pois , ao absolver da instância a 1ª R, incorrecta aplicação do disposto nos artºs 497º ,498º,510ºnº1, 494º, aln i), 2 494n3º ,nº2 e 288º,nº1 aln c)do CPC.

3 – Os recorridos ( 2º a 5º ) foram, enquanto sócios da J réus em acções movidas pela A e outras credoras tendo até pago as quantias peticionadas em duas acções 4 – Estes factos estão documentalmente provados, mas o tribunal não os atendeu.

5 – De resto , a recorrente por ter muitos elementos comuns – sede e alguns sócios - com outras credoras, tinha pleno conhecimento desses factos.

6 – A postura, pois, dos ditos recorridos frustrou a legítima expectativa da recorrente e violou a confiança no seio da suas relações comerciais, quanto à interpretação da cláusula 11ª do contrato de trespasse.

7 – É sabido também que não há transmissão automática para o trespassário das dividas referentes à exploração do estabelecimento comercial contraídas em momento anterior.

8 – Decorre , aliás dos artºs 424º e 595º do CC que essas dívidas só se transmitem por acordo entre trespassante e trespassário com aprovação dos credores ou por acordo entre o trespassário e os credores.

9 – O Mmo Juiz não se pronunciou sobre esta problemática , nem especificou os fundamentos de direito que justificassem a sua decisão.

10 – A recorrente e as outras sociedades interpretaram a cláusula 11ª de boa fé como traduzindo a vontade dos 2º a 5º Recorridos de assumirem solidaria e pessoalmente com a 1ª Recorrida o pagamento das suas dívidas.

11- E essa interpretação é lícita , à luz da teoria da impressão do destinatário, não relevando que a destinatária de tal declaração negocial fosse a trespassária “Samoves”.

12 – A douta sentença , ao não entender assim , violou no disposto nos artºs 236º e 238º do C Civil.

13 – O cerne da questão não é propriamente o da eficácia relativa das obrigações, mas antes o de saber se a cláusula 11º se limitou a consagrar o príncipio segundo o qual , as dívidas do trespassante não se transmitem ao trespassário.

14 – Os sócios da 1ª R assumiram de forma pessoal a co-responsabilidade das obrigações indicadas no artº 11º, solidariamente com esta e com eficácia de protecção reflexa de terceiros.

15 .- E a A aderiu e ratificou essa assunção de dívidas ao solicitar o pagamento aos recorridos e ao accioná-los como devedores.

16 –Por último, ao pagarem dívidas da “J “ à recorrente e a outros credores por fornecimentos àquela comportarem-se como seus fiadores, donde deverem ser responsabilizados nessa qualidade, com aplicação do artº 627º e ss do CC.

Contra alegaram os 2º a 5 º RR os quais sustentam o acerto da sentença no que directamente lhes tange e clamam contra a introdução de novos factos e excepções.

Foram corridos os vistos legais.

Cumpre , agora , decidir.

Vejamos, antes de mais, os factos considerados como assentes na 1ª instância: A – A A dedica-se à confecção e venda por grosso de artigos de malha.

B – Os 2ºs a 5ºRR são os únicos sócios da 1ª R.

C – A 1ª R tem, ainda hoje , a sua sede legal na R ... em Coimbra.

D – No exercício da sua actividade industrial, a A forneceu á 1ª R, durante o ano de 1997, diversas peças de vestuário, de seu fabrico, por cujo valor esta lhe ficou a dever a quantia de 3.482.665$00.

E – E para cujo pagamento lhe entregou diversas letras de...

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