Acórdão nº 649/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Junho de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelHELDER ALMEIDA
Data da Resolução20 de Junho de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO 1. A...

, veio propor a presente acção sob a forma ordinária, contra B...

e mulher C...

, alegando -em síntese-, que por escritura de 24/2/1997, outorgada no Cartório Notarial de Montemor-o- Velho, os RR. venderam à A., por 40.000 contos, um prédio urbano dotado de estabelecimentos de mercearia, pastelaria e padaria, em funcionamento à data, tendo o seu valor sido incluído no preço indicado na escritura, só havendo interesse da A. na compra devido à incorporação dos estabelecimentos, os quais apenas não foram mencionados na dita escritura para evitar custos e impostos.

Sucede, porém –mais alega-, que, posteriormente, os representantes da A. vieram a saber que o dito estabelecimento de mercearia tinha o alvará em nome de uns antigos donos do prédio, e o de padaria não tinha qualquer alvará, sentindo-se por isso enganados, pois o valor do prédio sem o estabelecimento de padaria legalizado é de metade.

Mais acontece –diz ainda- que entretanto a A. fez benfeitorias no prédio, algumas exigidas pelas autoridades competentes.

E assim fundada, conclui a A. pedindo a anulação da compra e venda, a restituição do preço e juros legais e, ainda, o valor de 11.000 contos de tais benfeitorias, num total, em moeda actual, de €254.387, ou, em alternativa, a redução do preço a 20.000 contos, condenando-se os RR. a restituir outro tanto à A., com juros legais, bem como nas custas do processo.

Contestaram os Réus, excepcionando com a caducidade e prescrição da acção por terem decorrido mais de cinco anos sobre o conhecimento de alegados defeitos, nos termos do artº 916° do Código Civil.

Por impugnação, mais aduziram que compraram o prédio em causa a António de Oliveira Ferreira e mulher, sendo o mesmo avaliado em 34.000.000$00 pelo Banco que lhes concedeu o empréstimo com vista a essa compra, e que os estabelecimentos ali existentes pertenciam à sociedade “ António de Oliveira Ferreira, Lda.”, cujas quotas os RR. adquiriram, desenvolvendo a sua actividade durante três meses, vindo a encerrar sucessivamente os ditos estabelecimentos, que nunca foram negociados pelas partes, sendo que o gerente da A. recusou a oferta de aquisição da sociedade, dizendo que lhe bastaria comprar o imóvel e depois solicitar um averbamento ao seu alvará.

Por outro lado –acrescentam-, não aceitam que o valor do prédio seja reduzido a 20.000 contos, por isso que foi adquirido há mais de três anos por essa importância de 34.000 contos, sendo que não necessita de melhoramentos, pelo que a A. litiga de má fé, pugnando assim os RR. pela sua absolvição do pedido e pela condenação da A. em multa e numa indemnização como litigante de má fé.

Replicando, a A. afirma que foi enganada pelos RR., porquanto comprou o prédio e os estabelecimentos nele instalados na convicção de que fossem dotados das respectivas licenças de laboração e, consequentemente, alvarás, sendo que nunca teria concretizado o negócio se do mesmo não fizessem parte os ditos estabelecimentos, pelo que se verificou erro de sua parte acerca do objecto e dolo dos RR., sendo estes quem litiga de má fé.

E assim concluem como na inicial, pedindo ainda a condenação dos RR. como litigantes de má fé, em multa e numa indemnização a favor da A., a liquidar oportunamente.

Os RR. responderam, por seu turno, propugnando a não aceitação da réplica da A. em tudo o excedente à resposta à excepção deduzi da na contestação.

No saneador julgou-se improcedente a excepção de caducidade invocada pelos RR., e, seguindo os autos os seus ulteriores e normais termos, foi por fim vertida nos autos douta sentença julgando a acção improcedente com a inerente absolvição dos RR. dos pedidos.

  1. Inconformada com o assim decidido, a A. interpôs o presente recurso de apelação, em remate do qual –e visando a revogação da sentença impugnada-, exarara as seguintes conclusões:

    1. Apesar da matéria dada como assente, entendeu-se na sentença não se verificar erro sobre o objecto do negócio, nos termos do artigo 251º C. C., porque as partes declararam, respectivamente, comprar e vender o prédio que na matriz predial incluiu as instalações industriais e comerciais que interessavam à Autora.

    2. E, segundo o entendimento expresso na sentença “Só porque os Réus sabiam que os sócios da A. apenas se interessaram pela compra do prédio em virtude dos dois estabelecimentos nele incorporados e porque pretendiam empregar na laboração de tais estabelecimentos dos filhos seus, não se conclui que os vendedores agiram com dolo e enganaram os sócios e gerentes da compradora por os não alertarem de que os ditos alvarás dos ditos estabelecimentos não se encontravam em nome dos RR..”.

    3. Não nos parece que na sentença se aplique correctamente o direito de acordo com os factos provados pela A., e que consubstanciam o pedido principal, o qual consistia no pedido de anulação do contrato de compra e venda, por erro, porquanto “o erro-vício traduz-se numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio.” D) Se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou.

    4. Em face do Código Civil de 1996 não se formula na secção relativa aos vícios da vontade qualquer exigência de desculpabilidade ou escusabilidade do erro. Razão porque na senda de melhor doutrina - cfr. Mota Pinto -, a desculpabilidade ou escusabilidade do erro é perfeitamente dispensável enquanto requisito da anulação.

    5. Ficou provado que a A. apenas se interessou no negócio porque no prédio estavam incorporados, em plena laboração, os referidos estabelecimentos comerciais.

    6. Tendo em conta os factos dados como provados entendemos, salvo melhor opinião, que estamos perante um erro sobre objecto de negócio previsto no art. 251°do C.C., tal como se determinou no Acórdão da Relação Porto de 12/07/2005, proc. nº 0523695.

    7. Por outro lado, exige-se às partes agir de boa-fé com correcção, lisura, lealdade, com confiança na realização dos negócios, não defraudando as expectativas da parte contrária, o que não se compadece com a ocultação de informação relevante para decisão de comprar ou não comprar.

    8. Razão pela qual somos a admitir a existência de um dolo ilícito porque houve a omissão no esclarecimento de uma circunstância essencial para a conclusão do negócio.

      . J) Se porventura não existisse uma eventual ignorância culposa da A. quanto à natureza do negócio, este também não se teria efectuado pelo trespasse, pois como se veio a provar os estabelecimentos comerciais não possuíam a alvarás e respectivas licenças.

    9. A A. peticionou como pedido alternativo a redução a metade do preço pago pelo prédio, tendo-se entendido na sentença que o mesmo não pode proceder por não se ter provado que os RR. usassem de dolo ilícito para enganar a A. de modo a convencê-los a comprar o prédio com inclusão tácita dos estabelecimentos pelo preço declarado sem as devidas licenças.

    10. Ora, salvo melhor entendimento, não há obrigatoriedade face à lei da existência do dolo para obtenção da redução bastando a mera culpa; todavia, existiu dolo por parte dos RR..

    11. Na sentença não se teve em conta o princípio da justiça comutativa ou da equivalência objectiva das prestações uma regra estruturante onde assenta toda a disciplina dos contratos, e onde se estrutura todo o direito civil, já que através dele há uma garantia da inter-subjectividade, e é notório que este princípio foi violado no negócio jurídico em causa.

  2. Os RR., por sua vez, apresentaram contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

    Colhidos que se mostram os...

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