Acórdão nº 200/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Março de 2006 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelJAIME FERREIRA
Data da Resolução14 de Março de 2006
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra : I No Tribunal Judicial da Comarca de Anadia, A... e B..., esta menor e representada por seus pais, os autores que se identificam a seguir; C... e D..., todos residentes na Rua de Santa Catarina, nº 25, Porto, instauraram contra E..., residente em Vila Nova de Monsarros, Anadia, a presente acção declarativa, com processo sumário, pedindo a condenação da R. a reconhecer que os 1º e 2º autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico descrito no artigo 1º da petição, do qual os 3ºs Autores são seus usufrutuários ; a reconhecer que no prédio descrito no artigo 12 da petição, propriedade da Ré, se situa uma mina de água, junto da qual se acha construída uma casa de apoio que é propriedade dos autores ; a reconhecer que o prédio dos autores sempre usou, utilizou e foi regado com a água proveniente dessa mina, isto é, sempre teve servidão dessa água ; e a abster-se de quaisquer condutas ou acções que impeçam, restrinjam ou prejudiquem o pleno exercício desse direito e a autorizar que os autores possam canalizar/encanar a referida água pela propriedade da Ré até ao prédio dos autores .

Para tanto e muito em resumo, alegaram que os 1º e 2º autores, por escritura pública de compra e venda lavrada em 2/07/1998, adquiriram a nua propriedade do prédio rústico sito no Capuz, freguesia da Moita, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 4365, descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 00452/240287, sobre o qual foi constituído usufruto a favor dos 3ºs autores .

Que a Ré é dona e possuidora de dois outros prédios rústicos sitos nos referidos lugar e freguesia, prédios estes inscritos na matriz predial rústica respectiva sob os artigos nºs 4374 e 4378 .

Que quer o referido prédio dos autores, quer o segundo dos referidos prédios da Ré, foram inicialmente pertença do mesmo proprietário, F... e mulher G..., por morte dos quais foram herdados pelos filhos que, por sua vez, os venderam às partes na acção .

Que esses dois prédios sempre confinaram e confinam entre si, posicionando-se o imóvel dos autores a poente e norte do prédio da Ré e com uma confinância de mais de 140 metros .

Que no referido prédio agora da Ré sempre existiu uma mina de água, desde tempos imemoriais, água essa que era usada para rega desse prédio e do prédio dos autores supra identificado.

Que aquando da partilha dos bens por óbito de F... nada ficou consignado sobre a utilização da água dessa mina, pelo que se constituiu uma servidão relativamente a essa água, por destinação de pai de família, uma vez que desde essa altura cada um dos novos proprietários passou a regar e a usar, em benefício do seu prédio, a água da mina .

Que até foi construída uma pequena casa de apoio junto à mina, onde se colocavam os instrumentos para recolha e captação da água, nomeadamente os motores, as mangueiras e os baldes .

Que já os anteriores proprietários do prédio que hoje pertence aos autores vinham consumindo essa água, regando as plantações, a horta e as árvores desse seu prédio, nos dias estipulados para o efeito e com respeito pelos demais usuários, por meio de motores e de mangueiras, sempre á luz do dia e à vista de toda a gente, sem qualquer oposição e ao longo do tempo, por mais de 20, 30 ou 50 anos, agindo na convicção de terem direito a esse uso, pelo que até por usucapião adquiriram o direito de propriedade sobre essa água, o que invocam .

Que os autores pretendem proceder ao encanamento da água da referida mina até ao seu prédio, mediante a colocação de tubos no subsolo do prédio da Ré, numa distância de cerca de 15 metros, até se atingir o prédio dos autores, o que a Ré vem recusando e tendo até passado a impedir os autores de usarem a referida água, com o que os autores deixaram de poder regar as suas plantações nesse seu prédio .

Pelo que pretendem os autores ver reconhecido o seu direito à água da mina e a poderem-na passar através de canos pelo prédio da Ré .

II Contestou a Ré alegando, muito em resumo, que não é verdade que exista constituída qualquer servidão sobre a água da referida mina a favor dos autores, já que o uso que sempre foi feito dessa água pelos anteriores donos dos prédios aconteceu por mero favor e dadas as relações familiares existentes entre antigos donos dos imóveis .

Que nunca houve qualquer evidência ou sinal de que essa água pudesse ser propriedade doutros interessados que não os donos da mina .

Que, por isso, não está a Ré obrigada a ceder essas águas aos autores .

Que os autores mandaram efectuar um furo de captação de águas no seu prédio, em 2001, com o qual têm irrigado as respectivas plantações e até do qual cedem água a prédios vizinhos .

Que, por isso, mesmo que existisse a pretendida servidão de águas sobre a mina do prédio da Ré, esta deverá ser julgada extinta, por desnecessidade .

Terminou a Ré pedindo a improcedência da acção ou que se julgue extinta a servidão de águas reclamada pelos autores .

III Responderam os autores mantendo tudo quanto antes alegaram e concluindo pelo reconhecimento do direito de servidão de águas reclamado .

IV Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, mandando prosseguir a acção e aí se fazendo a selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeitos de instrução e de discussão da causa .

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com uma inspecção judicial ao local da questão e com a gravação da prova testemunhal produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação .

Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção parcialmente procedente, com a condenação da Ré a reconhecer a qualidade de proprietários e de usufrutuários aos autores sobre o prédio por eles reivindicado e, ainda, a reconhecer estar constituída, por usucapião, sobre o prédio da Ré descrito na Conservatória do Registo Predial de Anadia sob o nº 03942/28042003 da freguesia da Moita, e a favor do prédio dos autores, uma servidão de aproveitamento de águas, servidão esta, porém, declarada extinta, por desnecessidade .

V Dessa sentença interpuseram recurso os autores, recurso esse admitido como apelação e com efeito devolutivo .

Nas alegações que os Apelantes apresentaram foram formuladas as seguintes conclusões : 1ª - Na presente acção os Recorrentes alegaram ter adquirido, por destinação de pai de família, o direito real à água .

  1. - Tendo a sentença recorrida reconhecido a constituição de servidão de água por usucapião e declarado que a mesma se extinguiu por desnecessidade .

  2. - A servidão de água constituiu-se isso sim por destinação de pai de família como se tem que concluir dos factos dados como assentes .

  3. - Em consequência não poderá declarar-se a extinção da servidão por desnecessidade, já que as servidões constituídas por destinação de pai de família não podem extinguir-se por aquela via/razão, por serem servidões voluntárias e não legais .

  4. - Considerou-se provada a verificação de todos os requisitos necessários àquela constituição .

  5. - Com efeito, provou-se que os prédios, dominante e serviente, pertenceram em tempos ao mesmo dono, como se constata do ponto 8 da matéria dada como provada.

  6. - Provou-se também que se verificou a separação dos domínios e que as partes nada convencionaram em contrário , 8ª - Já que consta da matéria assente – pontos 8, 11, 12 e 23 – que o F... (que fora dono dos dois prédios) doou aos seus filhos a quota nos seus bens, incluindo os prédios referidos em A) e F) .

  7. - Provou-se que os irmãos usavam a água existente no prédio F), tendo inclusivamente ficado assente que existiam dias marcados para tal utilização .

  8. - Ou seja, o Tribunal a quo concluiu que os prédios foram de um só dono, que os doou (separando-os) aos seus filhos e que estes filhos (todos) usavam a água que existia num deles para regar ...

  9. - À data da separação dos domínios, a utilização da água pelos vários novos donos tornou-se efectiva. É este facto que dá autonomia ao título de aquisição por destinação de pai de família, sendo desnecessário – como se refere na sentença – que anteriormente a água ali existente regasse a totalidade dos prédios . O que verdadeiramente dá autonomia ao título de aquisição por destinação de pai de família é que à data da separação a utilização pelos vários donos se torne efectiva .

  10. - O artº 1390º, nº 3, do C. Civ. estabelece que na aquisição de servidões de água por destinação de pai de família não são exigíveis sinais visíveis e permanentes .

  11. - Ora, também aqui claudica a sentença recorrida .

  12. - Primeiro porque refere que a aquisição da servidão por destinação de pai de família não pode operar por falta daqueles sinais quando é a lei civil que prescinde deles (no caso destas servidões) .

  13. - Em segundo lugar porque, se por um lado se defende...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT