Acórdão nº 776/06 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Maio de 2006 (caso NULL)

Data23 Maio 2006
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Autora: A...

Réus: B...

C... e D...

A Autora intentou a presente acção de investigação de paternidade con-tra os Réus pedindo que seja declarada como filha de E... e de F....

Alegou, para tanto, em síntese, o seguinte: - No dia 13 de Julho de 1997 faleceu em Currelos, Carregal do Sal, F..., com 72 anos de idade, sendo as Rés suas filhas.

- A Autora encontra-se apenas registada como filha de E..., sua mãe natural.

- Quando a mãe da Autora e o falecido F... tinham 19 e 20 anos de idade, respectivamente, estabeleceu-se entre eles um relacionamento que se transformou em namoro que com o seu decurso se tornou conhecido da generali-dade das pessoas.

- Ambos gostavam um do outro e tornou-se num namoro sério, relacio-namento que se manteve durante alguns anos, e até para além do nascimento da Autora, nomeadamente, dentro do período de Setembro de 1948 a Fevereiro de 1949, tendo a Autora nascido das relações de sexo entre os referidos progenitores.

- A mãe da Autora era uma mulher de irrepreensível comportamento moral e sexual, não tendo tido qualquer relacionamento sexual com qualquer outro homem, durante esse período.

- Sendo na altura os bens de fortuna argumento essencial para se fazer ou desfazer um casamento, o falecido F... veio por tal motivo a casar com outra mulher, de nome G..., mas nunca esqueceu a mãe da Autora e, de vez em quando, ainda lhe fazia convites furtivos para ela estar com ele, insistindo para que fosse viver com ele após a morte da sua mulher, o que aquela recusou.

- Quer o falecido F..., quer os seus familiares, incluindo os seus próprios pais, sempre reputaram e consideraram a Autora como filha do F..., sendo tal facto também indiscutível na povoação e nas redondezas, ninguém lhe apontando outra paternidade.

- A mãe da Autora sempre manteve o melhor relacionamento com a família do falecido F..., pegando estes muitas vezes na Autora ao colo e dizendo “anda cá ao tio”, “anda cá à tia”, “eu pego-te”, fazendo-lhe carinhos.

- Os pais do falecido F... muitas vezes chamavam a mãe da Autora a quem ofereciam comida e a própria G... também considerava a Autora como filha do F....

- O falecido F..., embora de feitio reservado, auxiliou várias vezes a mãe da Autora para ajudar a criar a Autora.

- A Autora emigrou com 20 anos para França, donde regressou há cerca de dezassete, tendo instalado um estabelecimento de café na localidade de Pinheiro.

- O falecido F... ia a tal estabelecimento todos os dias, onde con-versava com a Autora e com o filho desta, H..., sempre que ele ali se encontrava e comprava-lhe guloseimas, como rebuçados e chocolates que lhe dava.

- Almoçava muitas vezes em casa da Autora e tinha liberdade de convi-dar amigos para o efeito, convidando também amigos para irem até uma Quinta que a Autora possui na localidade de Pinheiro, convidando-os para irem à Quinta da filha ou ao café da filha.

- Sempre aceitou que todas as pessoas, designadamente os seus amigos, se referissem à Autora como sendo sua filha.

- Tratava-a como filha, tendo-lhe oferecido a primeira máquina de cos-tura quando a Autora tinha cerca de 13/14 anos e fez questão de no ano transacto à propositura da acção de lhe oferecer um fogão.

Contestou a Ré B... que impugnou, com base no desconhecimento, os factos com base nos quais a Autora sustenta o seu pedido, alegando, contudo, ter sido contactada, após a morte do pai, pela Autora, a qual lhe revelou ser sua irmã, ao que lhe respondeu que fizesse valer os seus direitos em sede judicial.

Contestaram os Réus C... e marido D..., impugnando os factos alegados pela autora, negando ser a mesma reputada e tratada como filha pelo investigado, contrapondo aos mesmos os seguintes argumentos: - Já na época de 1946, o falecido F... namorava com a G..., com quem casou, namoro conhecido da generalidade das pessoas, apenas existindo entre a mãe da Autora e o falecido F..., como com outras pessoas da aldeia, uma relação de mera cortesia.

- Na época em que o falecido F... namorava com a G..., a mãe da Autora tinha “namoricos”, vindo a manter um namoro sério com um senhor de nome José da Regada, tendo sido nesse período em que namorou com tal senhor, e o falecido F... se encontrava já casado, que a mãe da Autora se ausentou para Lisboa e aquando do seu regresso se constatou que se encontrava grávida.

- O falecido F... após contrair matrimónio mudou a sua residência para a aldeia de Sobral, no concelho de Carregal do Sal, aí ficando a morar com a sua esposa, deslocando-se à localidade de Pinheiro apenas esporadicamente para visitar os seus familiares.

- Enquanto casado o falecido tomava as suas refeições em casa com a sua esposa e após a morte desta ele próprio confeccionava as refeições ou solici-tava-o a uma empregada doméstica.

- O falecido F... nunca convidou a Autora para ir a sua casa tomar refeições com ele, nem a presenteou em épocas festivas, nomeadamente no Natal e seu aniversário, o que fazia às suas filhas B... e C....

- Nunca a Autora foi chamada por quem quer que fosse para cuidar do F..., nem aquela se preocupou com o seu estado de saúde, tendo estado internado no ano de 1993 durante o período de um mês no Hospital Distrital de Viseu, não tendo recebido qualquer visita da Autora - A Autora não o acompanhou no período de convalescença, nem mani-festou qualquer interesse pelo seu estado de saúde, nunca tendo o F... soli-citado a presença da Autora no Hospital ou em sua casa, não a tratando como filha, o que fazia em relação às Rés B... e C....

- Concluem assim não beneficiar a Autora da presunção prevista no art.1871º, nº1, a), do C.Civil, mais invocando a caducidade da presente acção, nos termos do nº4, do preceito legal citado.

Em sede de réplica e quanto à excepção da caducidade invocada pelos 2ºs Réus, veio Autora alegar não ter a mesma qualquer fundamento, uma vez que os actos de reputação e tratamento como filha do investigado foram mantidos até à sua morte, concluindo como na petição inicial.

Elaborada base instrutória e após terem as partes arrolado os meios de prova cuja produção pretendiam veio a Autora informar que apesar da morte do pretenso pai era possível determinar a sua filiação através da realização de testes de ADN à sua mãe, a si própria e às suas irmãs, requerendo que estas fossem notifi-cada para informar se aceitavam sujeitar-se aos referidos testes.

Notificadas as Rés, estas vieram opor-se a realização daquele exame peri-cial e declarar que não aceitavam sujeitar-se aos respectivos testes.

Foi proferido despacho no sentido de ser solicitado ao I.M.L. informa-ção sobre se era viável a realização do referido exame, tendo aquele instituto res-pondido afirmativamente.

Perante esta resposta foi proferido o seguinte despacho, que foi notifi-cado às partes: “Notifiquem-se as Rés de que a recusa de ambas em facultarem material orgâ-nico proveniente do organismo de cada uma delas, podendo ser alguns fios de cabelo, urina, saliva ou sangue, com o fim de estabelecer se a Autora A... é irmã delas pode fazê-las incorrer nas seguintes consequências: - Numa pena de multa, para cada uma delas, que vai de 7.000$00 a 140.000$00, nos termos do artº 519º, nº 1 e 2, do C.P.C. e 102, b), do C.C.J.

- Na possibilidade de o tribunal valorar a sua recusa como meio de prova no sentido de formar a convicção do tribunal de que efectivamente a Autora é irmã das Rés (cfr. artº 519º, nº 1 e 2, do C.P.C.).

- Na inversão do ónus da prova, nos termos do artº 344º, nº 2, do C.C., os seja, passando elas a arcar com o ónus de provar que a Autora não é irmã delas (cfr. artº 519º, nº 1 e 2, do C.P.C.).

Caso pretendam reconsiderar a posição que já tomaram deverão dizê-lo em 10 dias, com vista à marcação de data para colheita de material orgânico.

Caso não seja recebida uma resposta positiva por parte de alguma das Autoras (há lapso manifesto de escrita, visando referir-se as Rés), no sentido de facultar os elementos orgânicos, solicite-se informação à respectiva Câmara Municipal sobre se é ela ou a junta de freguesia respectiva que têm a seu cargo a administração do cemitério onde está enterrado o pai das Rés.

A secção deverá ainda averiguar sobre a identidade da autoridade de saúde que abrange a área do referido cemitério (delegado concelhio de saúde)”.

Deste despacho recorreram os 2º Réus, tendo esse recurso sido recebido como de agravo, com subida diferida.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento perante tribunal colec-tivo.

Terminada esta foi proferida sentença que julgou procedente a acção, tendo reconhecido que a Autora era filha de F....

Desta sentença interpuseram recurso os 2º Réus, que foi recebido como de apelação.

Nas respectivas alegações os 2º Réus manifestaram o seu interesse na apreciação do recurso de agravo anteriormente interposto.

* Atento o disposto no artº 710º, nº 1, do C.P.C., cumpre apreciar em primeiro lugar o mérito do recurso de agravo interposto pelos 2º Réus.

* 1. O recurso de agravo Os 2º Réus fundamentaram o seu recurso com as seguintes conclusões: - O despacho recorrido enferma de uma ausência total de fundamentação, por-quanto: a) não se pronuncia nem fundamenta a sua decisão, porque motivo foi aceite o requerimento formulado pela Autora, pese embora os Réus tivessem invocado a extempora-neidade daquele requerimento, violando o disposto no artº 512º, do C.P.C..

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