Acórdão nº 152/05 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2005 (caso NULL)

Data12 Abril 2005
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – Relatório.

  1. Autora: S, Lda, ... .

    2.1. Ré: Brisa - Auto-Estradas de Portugal, S.A, ... .

    2.2. Interveniente: Companhia de Seguros Fidelidade, S.A, ... .

  2. Pedido: condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 1.302.712$00, acrescida de juros moratórios legais, contados a partir da citação até integral pagamento.

  3. Causa de pedir: danos sofridos num veículo da sua propriedade e que circulava na A1 no sentido Sul-Norte, devido ao embate com um animal de raça canina de grande porte que surgiu na auto-estrada e apareceu junto ao separador Central.

    ...

    II – Fundamentação.

  4. Factos dados por provados.

    8.1.

    Dos Factos Assentes: ...

    G) E que constatou também a existência de um cão morto que imediatamente removeu do local.

    8.2.

    Da Base Instrutória: 1) Ao chegar ao Km 106.325 daquela A1 atento o seu sentido de trânsito, de repente, e sem que algo o fizesse esperar, surgiu um animal de raça canina de grande porte, junto ao separador central.

    2) O qual, correu espavorido, perpendicularmente para a faixa de rodagem por onde circulava o Mercedes.

    3) O condutor deste accionou prontamente o sistema de travões do veículo.

    4) Porém, e apesar dos esforços, não pode evitar a colisão com o animal, com a parte da frente lado direito do Mercedes.

    ...

    11) Nas imediações do local onde ocorreu o sinistro existem diversas habitações e mesmo até estabelecimentos fabris.

    12) Quer nas habitações, quer nos estabelecimentos fabris são utilizados cães de guarda, sendo alguns de grande corpulência.

    13) A rede de vedação da A1 foi ultrapassada pelo referido cão.

    14) O qual se evadiu e apareceu súbita e inesperadamente na via pública.

    15) As vedações existentes que ladeiam a auto-estrada no local do acidente encontravam-se e encontram-se em bom estado de conservação.

    16) No dia do alegado acidente foi efectuado patrulhamento no referido sub-lanço da A1.

    17) Os funcionários da BRISA durante o patrulhamento não detectaram a presença de qualquer cão ou deficiência na vedação.

    18) Também não foi comunicada à BRISA, qualquer deficiência na vedação ou a eventual presença de qualquer cão na Auto-Estrada.

    19) Vistoriada a vedação nos dias imediatos pelo sector da obra civil que faz a manutenção da via, nada foi encontrado de anormal na vedação, que se encontrava em bom estado.

  5. O Direito.

    O objecto do recurso tem a ver com a controversa questão da responsabilidade da concessionária pelas auto-estradas em Portugal, a Brisa, pelos danos provocados por acidentes ocorridos nos espaços concessionados.

    9.1. Uma afirmação que poderemos dizer recorrente é a de ela dividir as opiniões da jurisprudência. E se se faz esta afirmação, repetida por vários Acórdãos, não é para que ela se possa qualificar como de “La Palisse”, mas para a tentar enquadrar, de uma forma mais completa. E uma das razões, e importante para nós, é que as questões demasiadamente controvertidas na jurisprudência não beneficiam nem o utente do serviço, de um serviço público - os cidadãos -, nem o prestígio desse serviço. Com isto não queremos dizer que seja negativa a diferença de opiniões na jurisprudência, porque, em última análise, isso é uma garantia do que os cidadãos e o próprio Estado de Direito esperam do poder judicial, sinal e garantia de evolução de procura de outras posições. Mas, por outro lado, isso também não quer dizer que não possa e não deva fazer-se um esforço no sentido de uma procura da uniformidade possível, já que não é fácil, para os cidadãos, compreenderem e, sobretudo, viverem com decisões diferentes - para uns a decisão é uma, para outros, outra -.

    Fazemos esta ligeira referência porque, por um lado, por esta última razão, damos sempre importância às posições que são maioritárias, mas, por outro lado, pela referida razão, digamos, garantística, não deixamos de seguir a minoritária quando concluímos haver razões suficientes para tal. E, neste caso, estamos com a jurisprudência minoritária, com a que subsume os acidentes de viação ocorridos nas auto-estradas pagas na responsabilidade contratual [1]. Subsiste o conflito a que nos referimos. Mas, então, ele só pode ser resolvido pelo legislador [2].

    Conforme se refere no Acórdão desta Relação, de 8 de Maio de 2000[3], «caminhar num ou noutro sentido não é socialmente indiferente, e não pode esquecer-se que o direito não é algo de asséptico ou neutro, algo que possa e deva pensar-se em si mesmo. O direito destina-se a regular situações sociais e o aplicador do direito não pode, pois, divorciar-se das condições concretas em que procede à imediação entre a norma e a realidade que lhe subjaz. Só assim a norma cobra o sentido que a sua formulação pretendeu incorporar de forma geral e abstracta». É importante ter presente esta atitude perante o direito, para que se possa ter em vista os interesses do homem na sua convivência social; e, assim, não pode deixar de se ter presente que «não é indiferente colocar o ónus da prova da culpa da produção de um determinado evento danoso na esfera da obrigação do lesado (o utente da auto-estrada) ou, ao contrário, fazer recair esse ónus sobre a entidade a quem está cometida a segurança de quem circula (a concessionária)» [4].

    O que não significa que não se respeitem os princípios e as regras definidoras da ciência jurídica; não seria aceitável qualificar determinada situação ou procurar determinado instituto só em função daquela perspectiva.

    Mas, se, porventura, a situação jurídica puder ser enquadrada na responsabilidade contratual, então, deve ter-se em conta a solução que melhor sirva os interesses dos protagonistas da vida sócio-jurídica. E, dessa maneira, deve ter-se presente o conflito que existe entre o utente da via - a quem impor o ónus da prova é consagrar «uma visão fatalista das coisas, visto que o lesado não tem qualquer possibilidade de controlo sobre a fonte de perigo» [5] - e a concessionária - que «tem a possibilidade … [6] bem como os conhecimentos e os meios técnicos e humanos, para controlar a fonte dos perigos» [7]. Entre um lesado individual e ocasional e uma empresa que, além do mais, ainda pode repercutir no preço do que vende a alea que aquele teria de suportar sozinho, parece não poderem sobrar dúvidas sobre a correcção de optar por esta solução.

    9.2. E a questão é que vemos no acto de escolher transitar pela auto-estrada, pagando determinado preço [8] uma relação contratual, pelo que nenhum embaraço vemos em alinhar pela jurisprudência que impõe à concessionária das auto-estradas o ónus de prova de ausência de culpa relativamente a um evento ilícito e danoso na área concessionada.

    9.2.1. Não pomos em causa que entre a Brisa e o Estado português exista um contrato de concessão de obras públicas [9], de natureza administrativa [10]. O que entendemos é que, ao lado desse contrato, existe um outro de natureza não administrativa, entre a concessionária e o utente.

    Actualmente, na economia, já não há a fronteira rígida entre o sector público e o privado, pois, cada vez mais, os particulares desenvolvem actividades tradicionalmente a ele cometidas; quer esta realidade decorra de concepções liberais ou neo-liberais, de redução máxima do papel do sector público, quer sociais-democratas, de combinação e diversificação das formas de intervenção na economia, a verdade é que, relativamente a actividades tradicionalmente fornecidas pelo Estado, temos...

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