Acórdão nº 3315/04 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Abril de 2005 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelSOUSA PINTO
Data da Resolução05 de Abril de 2005
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra, I – RELATÓRIO A Autora, A...., intentou contra o Réu, B..., acção com processo sumário, alegando que no dia 29/02/2000, na Rua Padre António Vieira, em Coimbra, ocorreu um acidente em que foram intervenientes os veículos 10-74-NA, 08-04-LR, 40-43-MS e VB-11- 75; o veículo NA era conduzido pelo Réu e encontrava-se seguro na Autora; o Réu circulava na referida artéria e, ao descrever uma curva à direita, saiu da sua hemi-faixa de rodagem, invadiu a hemi- -faixa esquerda e foi embater com a frente na traseira do veículo LR; com a força do embate o veículo foi projectado para a frente e embateu com a frente na traseira do MS que, por sua vez, foi projectado para a frente, embatendo com a frente na traseira do VB; no momento do acidente, o Réu conduzia com a taxa de alcoolémia de 1,41 g/l, tendo sido esse facto que determinou o acidente; em consequência desse embate, a Autora pagou a quantia de 1.026.500$00 à proprietária do veículo LR e pagou a quantia de 211.026$00 para reparação do veículo MS; a Autora suportou despesas administrativas com a elaboração, tramitação e conclusão do processo de sinistro, no montante de 250,00 €.

Com estes fundamentos, pediu que o Réu fosse condenado a pagar-lhe a quantia de 6.422,75 € acrescida de juros, à taxa legal, a partir da citação.

O Réu contestou, alegando que o acidente não ocorreu devido ao facto de ter ingerido bebidas alcoólicas; com efeito, alegou que atendendo às características da via e condições de circulação, conduzia com excesso de velocidade – a cerca de 50 Km/hora; o piso encontrava-se molhado; dentro da curva estava um veículo parado e no exterior desse veículo, estavam uma ou duas pessoas; foi ao tentar desviar-se desse obstáculo que o Réu perdeu o controlo do veículo o que, associado ao facto de os pneus estarem muito gastos e ao facto de o piso se encontrar molhado, causou a derrapagem que antecedeu a colisão; nas circunstâncias em que ocorreu o acidente, nenhuma outra pessoa conseguiria evitar a derrapagem e o embate.

Com estes fundamentos, concluiu pela improcedência da acção.

Procedeu-se à realização do julgamento com observância de todo o formalismo legal.

Respondeu-se à matéria de facto que constava da base instrutória, não tendo a mesma sofrido qualquer reclamação.

Foi proferida sentença, a qual julgou a acção parcialmente provada e procedente, tendo condenado o Réu a pagar à Autora a quantia de 6.172,75€, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.

Inconformado com tal decisão veio o Réu recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais expôs as seguintes conclusões: I - O Tribunal a quo deu como provado que o recorrente conduzia o veículo em que circulava com os sentidos entorpecidos e com limitações nos reflexos em virtude da taxa de alcoolémia que apresentava.

II - e que estes mesmos factos contribuíram decisivamente para a eclosão do acidente.

III - A limitação dos reflexos do Réu e o nexo causal entre o álcool e o acidente foram considerados como provados através do recurso exclusivo a meras presunções judiciais.

IV - É do conhecimento geral que os aludidos efeitos do álcool variam substancialmente de indivíduo para indivíduo.

V - Assim como é do conhecimento geral que diariamente se produzem acidentes como o relatado nos presentes autos sem qualquer intervenção do álcool.

VI - A decisão do tribunal de 1.ª instância quanto à matéria de facto carece de fundamentação probatória suficiente para dar como adquiridos factos, que na dúvida, deveriam ter sido considerados como não provados.

VII - O tribunal a quo serviu-se de factos desconhecidos (a limitação dos sentidos e reflexos do Réu) para retirar deles uma ilação quanto à existência de um outro facto também ele desconhecido (a existência de um nexo causal entre a taxa de álcool e o acidente).

VIII - Deve ter-se como inadmissível, por violação do normativo previsto no artigo 349° do Código Civil, a presunção judicial extraída pela 1.ª instância a partir de certos factos anteriormente dados como provados também através do recurso a uma presunção judicial.

IX - O Ac. do STJ n° 6/2002 uniformizou a jurisprudência quanto à necessidade de prova do supra referido nexo causal nos seguintes termos: «A alínea c) do artigo 19.º do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente.» X - O tribunal de 1.ª instância, por julgar o ónus da prova particularmente pesado para a autora, deu artificialmente como provado o nexo causal entre o álcool e o acidente, quando na realidade considera, embora por motivos óbvios não o diga expressamente, que a prova desse mesmo nexo causal é dispensável.

XI — Da decisão recorrida resulta uma interpretação das normas dos arts. 8°, n.° 2 e 349° do Código Civil; art. 516° do CPC e 19.°, al. c) do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro, que viola os princípios constitucionais da confiança, da proporcionalidade da proibição do excesso e do dever de fundamentar as decisões.

XII - O julgador não pode decidir contra as regras do ónus da prova por puras convicções pessoais metamorfoseadas em presunções judiciais, sempre que e só porque o ónus da prova de determinados factos seja considerado demasiado difícil.

XIII - Deverá ser declarada inconstitucional a norma do art. 349° do Código Civil, quando interpretada de modo a permitir a criação de presunções judiciais que tenham como ponto de partida factos exclusivamente obtidos através do recurso a uma outra presunção judicial.

XIV - Pelo acima exposto, a sentença recorrida violou frontalmente, ou defraudou subtilmente, as seguintes disposições legais: art. 8°, n.° 2 e art.º 349.° do Código Civil; art. 516° e art. 668°, n.° 1, al. b) do CPC; art. 19.°, al. c) do Decreto-Lei n.° 522/85, de 31 de Dezembro; art. 2°; art. 18°, n° 2; art. 20°, n° 4 e art. 205°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa; XV — A sentença recorrida desrespeitou a jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n° 6/2002 publicado em 18/07/2002.

XVI — Termos em que deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue completamente improcedente a pretensão da Autora, por não provada, nos termos consignados nestas conclusões.

A recorrida apresentou, por sua vez, contra-alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões: 1. Ficou provado que: O R. apresentava uma taxa de 1,41 g/l, saiu da sua hemi-faixa de rodagem, foi embater numa fila de veículos que se encontravam estacionados.

  1. Com efeito, o R. embateu com a frente do veículo que conduzia na traseira de outro veículo, este foi projectado para a frente e foi embater com a frente na traseira de outro, e por sua vez este foi ainda embater com a frente na traseira de outro.

  2. O acidente ocorreu pelas 04,15 h.

  3. Em sede de nexo causal por muito dúbia e complexa que possa parecer, uma coisa é certa: a al. c) do Dec.-Lei n.º 522/85, de 31/12, não pode ficar esvaziada de conteúdo útil.

  4. É demonstrativo que o percurso feito pelo R. - de não contornar a curva e seguir em frente, a uma hora “morta” da manhã - é caracterizado pela irregularidade reveladora de um completo alheamento do R. ao que se passava na via.

  5. Na verdade, da forma como o acidente ocorreu é possível extrair - com base nas regras da experiência - que o embate ficou a dever-se ao facto do R. se encontrar incapacitado para conduzir, situação provocada pela excessiva taxa de álcool que apresentava.

  6. Acrescenta-se, ser do conhecimento geral, o facto de que um grau de alcoolémia diminui as capacidades de resposta do condutor, sendo certo que do modo como ocorreu o acidente resulta que as capacidades de resposta do R. eram, no caso concreto, essenciais para evitar o acidente.

  7. E neste sentido a prova foi livremente apreciada pelo Tribunal, tendo, no caso concreto, a Mma Juíza “a quo” tomado em consideração o facto da altíssima taxa de álcool do R., o facto de o veículo conduzido pelo R.

    ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT