Acórdão nº 1160/03-1 de Tribunal da Relação de Évora, 16 de Março de 2004 (caso NULL)

Magistrado ResponsávelFERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Data da Resolução16 de Março de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 1160/03-1 Relatório: Acordam, precedendo audiência, na Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Termos do processo. Decisão recorrida.

Nos autos de processo comum n.º …do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de ..., a arguida, A...., melhor identificada nos autos, mediante participação apresentada junto dos serviços do Ministério Público no Tribunal de Trabalho de ..., foi acusada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO [1] , da prática de factos consubstanciadores da autoria material de um crime de desvio de subsídio, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto no art. 37.º n.º 1, 3 e 4, do Decreto-Lei (DL) n.º 28/84, de 20 de Janeiro.

A arguida foi submetida a julgamento, perante tribunal colectivo [2] .

Contestou a arguida protestando confessar em julgamento os factos, com excepção de alguns pormenores que expôs.

[3] Realizada a audiência de julgamento, sem documentação dos actos correspondentes [4] , o Tribunal «a quo» decidiu condenar a arguida pelo crime de desvio de subsídio, p. e p. pelo art. 37.º n.º1, 3 e 5 do DL 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e 110 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, tendo decretado a suspensão da execução da pena de prisão pelo período de 3 anos, sob a condição da arguida, no prazo de 2 anos, restituir ao Instituto de Emprego e Formação Profissional a importância de € 28.012,48 [5] .

  1. Recurso.

    A arguida interpôs recurso de tal acórdão.

    Extrai da correspondente motivação as seguintes (transcritas) conclusões: a) A decisão recorrida considerou provado que a recorrente gastou em despesas pessoais a maior parte do dinheiro dos apoios financeiros concedidos pelo I.E.F.P, louvando-se em meios de prova dos quais não resulta tal facto, nomeadamente nas declarações da arguida, violando o disposto no art. 410.°, n.° 2, alin. c), do CPP; b) A recorrente, na sua contestação afirmou, entre o mais, que gastou todo o dinheiro proveniente do referido subsídio em obras no local onde deveria ter funcionado creche, reiterando, por corresponder à verdade, a mesma afirmação em sede de audiência de Julgamento; c) Dando como provado o facto referido na alin. a) supra, a decisão recorrida violou princípio in dubio pro reo, na vertente de que todos os factos devem ser julgados na dúvida, em benefício do arguido, em virtude de o mesmo ter surgido com consequência de a recorrente não ter conseguido provar o facto contrário a este que alegou na sua contestação; d) O facto mencionado na alin. a) bem como a intenção da arguida em pagar os salários às trabalhadoras após a abertura da creche, o qual também resultou não provado, sem que se fizesse a análise crítica das provas, factos relevantes que, uma vez correctamente julgados, constituem circunstâncias comuns atenuantes tendo a decisão recorrida violado o art. 71.°, n.º 1 do CP, ao considerar não provados factos alegados pela recorrente e sobre os quais arrolou testemunhas ouvidas em Julgamento e esquecidas no exame crítico das provas; e) a decisão recorrida não enumera os factos não provados, logo também não enuncia o exame crítico dos mesmos, nomeadamente, factos relevantes constantes na contestação e os resultantes do julgamento, violando o dever que integra o disposto no art. 374.°, n.º 2 do CPP, constituindo nulidade de sentença cominada no art. 379.°, n.° 1, alin. a) do CPP, que expressamente arguímos; f) A decisão recorrida é completamente omissa quanto à produção da prova testemunhal que teve lugar na Audiência de Julgamento, omitindo pura e simplesmente a sua produção, pelo que também foi violado, neste preciso ponto, o disposto no art. 374.°, n.º 2 in fine; g) A recorrente foi condenada em duas penas principais: pena de prisão, suspensa na sua execução, e pena de multa, quando deveria ter sido aplicada uma única destas penas, em nosso entender, a pena de multa, uma vez que se trata de um crime contra a economia, violando-se o disposto no art. 37.°, n.º 1 e 3 do Decreto - Lei n.º 28/84; h) Na verdade, o referido art. 36.°, n.º 1, prevê, em alternativa, a pena de prisão ou a pena de multa para os agentes que pratiquem o tipo que contempla, o n.º 3 do mesmo preceito legal opera a uma mera agravação das penas principais, mantendo o seu cariz alternativo, o que se alcança mediante a leitura de preâmbulo do Decreto - Lei n.º 48/95, no seu ponto 4. e pela interpretação conjugada dos art. 5.°, 6.° e 37.° do diploma citado na alínea anterior; i) Entre a aplicação de uma pena de multa e uma pena de prisão, o Tribunal "a quo" deveria ter optado pela pena de multa, não o tendo feito violou o disposto no art. 70.°, n.º 1 do CP, na medida em que a culpa do agente é diminuta, não obstante a ilicitude do facto, devido ao valor elevado do subsídio ser elevado; j) A recorrente não procedeu à devolução do valor do subsídio que recebeu do I. E. F. P em virtude de ter ficado descapitalizada com o dinheiro empregue no local onde deveria ter funcionado a creche; k) A recorrente não tem antecedentes criminais; l) A recorrente colaborou com a realização da Justiça, valor mais elevado num Estado de Direito; m) A recorrente encontra-se integrada social e familiarmente, onde recebe todo o apoio de que necessita, todas estas circunstâncias atenuantes comuns, com relevância na escolha da medida concreta da pena; n) O Tribunal "a quo" fixou em 5 € o montante diário relativo à pena de multa aplicada, sem cuidar das condições económico-financeiras da recorrente, pois nenhum facto relacionado com a sua situação pessoal foi apurado, apesar de os mesmo terem sido alegados pela recorrente na sua contestação, violando o disposto no art. 47.°, n.º 2 do CP, o qual impõe que se averigue, em caso de aplicação de uma pena e multa, as circunstâncias acabadas de referir, constituindo manifesta insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - art. 410.°, n.° 2, alin. a), do CPP; o) Consequentemente, do mesmo vício padece a estipulação da condição de devolução ao I.E.F.P, no prazo de dois anos, o montante do subsídio recebido pela recorrente, já que a decisão recorrida não faz alusão a qualquer raciocínio elaborado quanto à razoabilidade do dever imposto à recorrente, nomeadamente, não averiguou se esta tem capacidade, ainda que com bastante sacrifício pessoal em proceder à devolução do valor do subsídio, o que pode significar a aplicação de uma pena de prisão efectiva por falta de pagamento; p) Entre a data da prática dos factos e a data da prolação do douto Acórdão decorreram quase sete anos, tendo a recorrente mantido bom comportamento, aliás como sempre manteve, o que faz diminuir a necessidade da pena, é de molde a accionar a atenuação especial da pena, prevista no art. 72.° do CP, pelo que sua não aplicação é violadora deste preceito.

    Conclui pugnando pelo reenvio dos autos para repetição do Julgamento, por insuficiência da matéria de facto relevante para a boa decisão da causa, ou assim não se entendendo, o Acórdão recorrido seja revogado nos termos das conclusões acima expostas.

  2. Decisão de admissão do recurso.

    O recurso foi admitido por despacho de 3 de Abril de 2003 [6] .

  3. Resposta à motivação.

    O Ministério Público respondeu à motivação nos seguintes (transcritos) termos: 1.ª - A arguida L.M., ora recorrente, foi julgada condenada como autora material de um crime de desvio de subsídio previsto e punível pelo artigo 37.° números 1, 3 e 5 de Decreto-Lei N.° 28/84, de 20 de Janeiro, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão e em 110 dias de multa à taxa diária de 5 euros; 2.ª - Aquela pena de prisão foi declarada suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sob condição de a arguida, no prazo de 2 anos, restituir ao Instituto do Emprego e Formação Profissional a importância de 28.012,48 euros; 3.ª - A recorrente começa por alegar que se verificou o erro notório na apreciação da prova pelo facto de ter sido julgado provado que ela gastou em despesas pessoais a maior parte do dinheiro dos apoios financeiros concedidos pelo I.E.F.P., sem que sobre esse facto se ter produzido prova; 4.ª - Mas assim a recorrente apenas questiona o próprio julgamento da matéria de facto em confronto com a prova produzida, o que não tem a ver com a figura do erro notório na apreciação da prova, tal como está prevista e é relevante como vício da sentença, previsto na alin. c) do n.° 2 do artigo 410.º do Código do Processo Penal; 5.ª - Com efeito, de acordo com esse preceito, mesmo nos casos em que a lei restrinja os poderes de cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento o vício de erro notório na apreciação da prova, desde que tal vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum; 6.ª - Assim, o vício de erro notório na apreciação da prova existe quando resulta do texto da decisão que se dão por provados factos incompatíveis entre si sendo esse erro de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, que o homem médio dele se apercebe facilmente; 7.ª - No caso dos autos, a recorrente alega a existência de tal vício, mas não o demonstra, limitando-se a questionar o modo como o Tribunal Colectivo valorou a prova que, como é sabido, o Tribunal aprecia segundo as regras da experiência e a sua livre convicção - cf. art. 127° do C. P. Penal; 8.ª - O Tribunal Colectivo formou a convicção com base em toda a prova que apreciou, indicada na fundamentação da decisão quanto ao julgamento da matéria de facto, e, dos termos em que descreveu os factos provados e não provados, não resulta qualquer erro notório na apreciação da prova; 9.ª - Também não se verificou qualquer inobservância do princípio in dubio pro reo, como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT