Acórdão nº 2587/03-2 de Tribunal da Relação de Évora, 03 de Fevereiro de 2004

Magistrado ResponsávelCHAMBEL MOURISCO
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2004
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo nº 2587/03-2 Acordam, em audiência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: A Guarda Nacional Republicana de ... levantou auto de notícia a A. ...som sede em ..., em virtude do trabalhador desta empresa ..., motorista, ter conduzido, no dia 3 e 4 de Junho de 2001, o veículo pesado de passageiros de matrícula ..., sem ter respeitado os períodos máximo de trabalho e mínimo de descanso.

Foi instruído o respectivo processo de contra-ordenação, no termo do qual foi proferida decisão, que considerou verificada a contra-ordenação prevista no art. 6º n º1 e 8º do Regulamento ( CEE) nº 3820/85, do Conselho de 20 de Dezembro, considerada grave pelo nº1 do art. 7º do DL nº 272/89, de 19 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo nº2 do art. 7º da Lei nº 114/99, de 3 de Agosto, e punível com coima de € 648,44 a € 1795,67, nos termos da alínea c) do nº3 do art. 7º da Lei 116/99, actualizada pelo art. 5º do DL nº 323/2001, de 17 de Dezembro, imputável a título de negligência, tendo sido aplicada em concreto a coima no montante de € 800.

A arguida interpôs recurso de impugnação judicial desta decisão para o Tribunal do Trabalho de ..., que negou provimento ao recurso.

Inconformada com a decisão daquele tribunal, a arguida interpôs o presente recurso, tendo nas suas motivações formulado as seguintes conclusões: 1. Por douta sentença proferida foi julgado improcedente o recurso de impugnação interposto pela ora Recorrente mantendo-se, em conformidade, a decisão da autoridade administrativa que condenou aquela no pagamento de coima no montante de € 800,00.

  1. No que respeita à utilização da viatura para uso próprio do motorista da Recorrente, que corresponde ao cerne da questão em debate, acontece que, contrariamente ao invocado, nas próprias considerações tecidas na sentença a quo, no âmbito dos factos dados como provados, se confirma o ponto de vista da Recorrente ao sustentar, e considerar como facto provado, que o motorista: "Admitiu que algumas vezes tenha feito pequenas deslocações com a viatura, nos períodos de espera, para tratar de assuntos seus(...), e foi peremptório em afirmar que nunca foi sancionado tela sua entidade patronal por isso".

  2. Ora, se o uso próprio foi considerado facto assente e provado, através da prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, não se consegue descortinar a razão, ou a necessidade, de o Tribunal a quo manifestar continuadamente, durante a sua fundamentação, o argumento inverso! 4. Existindo clara contradição entre os factos dados como provados e a decisão proferida.

  3. No que respeita ao facto de a Recorrente não sancionar os seus trabalhadores por os mesmos utilizarem os seus instrumentos de trabalho para uso próprio, servirá este caso de paradigma para o dito popular "preso por ter cão; preso por não ter cão". É usado em desabono da Recorrente a circunstância de não sancionar os seus trabalhadores por estes se servirem das viaturas em seu uso próprio. Pois seguramente no dia em que tal beneficio deixasse de ser atribuído para além da Recorrente perder parte dos trabalhadores os que restariam de imediato recorreriam a juízo alegando que lhe estariam a ser negados direitos adquiridos, e, seguramente, veriam garantidos judicialmente tais direitos! 6. Desconsiderar o peso do testemunho que garante o uso próprio da viatura, pelos motoristas, "para tratar de assuntos seus" corresponde a ignorar por completo a realidade da actividade de transporte de turismo no Algarve! 7. Tratando-se de uma actividade sazonal - que funciona entre Maio e Setembro - e a mão de obra qualificada, ao nível exigido, muito reduzida, os trabalhadores adquirem um poder negocial e de exigência inusitado, apenas conhecido nas profissões em que os trabalhadores adquirem um poder igual ou superior à entidade patronal! 8. A este poder - decorrente da imperiosa necessidade de mão de obra qualificada e da escassa oferta - tem a entidade patronal, Recorrente no caso sub judice, de se sujeitar às exigências dos trabalhadores, sob risco de os perder para a concorrência e com isso se ver impossibilitado de cumprir compromissos assumidos.

  4. Ainda que tal não fosse uma exigência dos trabalhadores seguida de acordo, a Recorrente sempre poderia facultar tal uso próprio da viatura aos seus trabalhadores, o que se considera na linha do imperativo constitucional da igualdade, conforme é prática corrente na generalidade das outras empresas.

  5. Veja-se que as deslocações efectuadas entre a residência do motorista e o seu local de trabalho, bem como aquelas em que se desloca na viatura em seu benefício e fora do horário de trabalho, devem ser consideradas unicamente em seu inteiro benefício, que desse modo não necessita de utilizar a sua própria viatura (caso a tenha), nem de despender gastos com o respectivo combustível e outros consumíveis da viatura.

  6. É descabido referir-se não ter ficado provado que a Recorrente desconheceria a que título o motorista circulou com o veículo no período em causa nos presentes autos. Esse desconhecimento traduz-se no pleno conhecimento da Recorrente de que o serviço distribuído para cada trabalhador é o que consta na escala de serviços afixada semanalmente no local da respectiva sede e assim comunicado ao trabalhador. Em consequência, qualquer outro funcionamento da viatura - veja-se que os motoristas não podem conduzir os seus veículos sem que o tacógrafo esteja accionado - corresponde a uso próprio do motorista.

  7. Repare-se que o registo comutado pelo tacógrafo apenas prova que o veículo foi conduzido durante os períodos horários aí constantes, não provando, em caso algum, que todos os períodos se reportam ao período de trabalho do motorista em causa! E fora dos períodos de trabalho o motorista pode usar a viatura livremente, sem qualquer sujeição a horários de circulação.

  8. Nem se diga que com esse entendimento se põe em causa a segurança rodoviária, pois onde estaria essa segurança se depois de oito horas de trabalho ao serviço da Recorrente o motorista fizesse, em viatura sua, uma viagem de mais seis ou sete horas?! Qual a diferença de tal viagem após as oito horas de trabalho ser efectuada em viatura sua ou em viatura da Recorrente e que esta lhe disponibiliza?! Apenas uma discriminação flagrantemente inconstitucional fundaria tal interpretação! 14. O que se pretende enunciar em sede de inconstitucionalidade, por violação do artigo 13° da Constituição da Republica Portuguesa (doravante C.R.P.) diz respeito, única e exclusivamente, à imposição de coimas, como a presente, às...

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